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“Foi o Salazar que me arranjou uma bolsa para eu poder estudar”

“Foi o Salazar que me arranjou uma bolsa para eu poder estudar”

Maria da Conceição Matos é mesária tesoureira da Misericórdia de Santarém

Tem 66 anos e uma reforma muito, muito activa. Estuda, desenvolve trabalho artístico e ajuda a Santa Casa da Misericórdia a ajudar quem mais precisa. Maria da Conceição Matos conta que foi a primeira mulher a trabalhar na agência de Santarém da Caixa Geral de Depósitos. Entrou em Julho de 1971, “menina e moça de mini-saia e cabelos compridos num mundo só de homens”. Nasceu no Cercal, Alentejo, e vive em Santarém há muitos anos. Acha que a cidade é fechada e que só acolhe bem os ricos e os doutores.

Fui a primeira mulher a trabalhar na agência de Santarém da Caixa Geral de Depósitos. Entrei em Julho de 1971 menina e moça, de mini-saia e cabelos compridos, num mundo só de homens. Entrei para dactilógrafa porque a carreira de oficial era vedada às mulheres. A recepção da equipa não foi pacífica porque os homens gostam de estar à vontade e eu era vista ali como uma intrusa. Nos anos oitenta houve um assalto inédito ao banco porque os ladrões passaram um fim de semana lá dentro. Foi no decorrer da Feira da Agricultura. Os ladrões fizeram um buraco até à caixa forte mas como as paredes eram muito grossas não conseguiram lá chegar. Acabaram por levar todas as máquinas que conseguiram e comeram e beberam tudo o que estava no bar.Estou reformada há cerca de cinco anos mas tenho uma vida ocupada. Estudo na Universidade Sénior de Santarém, estou à frente do Grupo de Dadores de Sangue dos Serviços Sociais da Caixa Geral de Depósitos de Santarém e dedico-me à pintura a óleo e às artes decorativas. Sou mesária tesoureira da Santa Casa da Misericórdia de Santarém há três anos. A experiência está  a ser muito trabalhosa mas eu sabia das dificuldades financeiras que estas instituições passam para acudir a tanta gente. A Santa Casa apoia cerca de oitenta pessoas que designamos por “sem abrigo”. Vêem mudar de roupa e comer mas não sabemos onde dormem. Nas cantinas sociais apoiamos cerca duas centenas de pessoas. A Segurança Social paga 125 euros e o resto é por conta da Misericórdia. Não recusamos alimentação a ninguém. A nossa função é dar de comer a quem tem fome, de beber a que tem sede e vestir os nus.  Foi Salazar que me permitiu completar os estudos. Eu era boa aluna na escola primária mas a minha mãe não tinha dinheiro para eu continuar. Ela ainda falou com a professora mas ela recusou ajudar-me. Escrevi uma carta a Salazar a explicar a situação e tive resposta. Dizia para me dirigir à câmara de Oeiras que já lá estava a ordem para uma bolsa de estudo para eu poder continuar os estudos. Sou alentejana de Cercal do Alentejo e passei lá uma infância feliz. Fui criada com uma tia e só mais tarde fui para Lisboa com a minha mãe e as minhas duas irmãs, onde estudei. No Alentejo brincava com as minhas primas que eram um pouco mais velhas. Eu era um bibelô nas mãos delas. O meu tio era um grande lavrador e quando fazia um melancial fazia sempre um canteiro que dizia que era meu, se fossem árvores de fruto, havia sempre uma que era minha. Santarém é muito fechada e não acolhe muito bem os que vêm de fora a não ser que sejam ricos ou doutores. Esta é a percepção que eu tenho. Estou há muitos anos em Santarém mas continuo a sentir-me alentejana.Hugo Figueiredo
“Foi o Salazar que me arranjou uma bolsa para eu poder estudar”

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