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Autarcas nunca têm dinheiro para as filarmónicas

Autarcas nunca têm dinheiro para as filarmónicas

Hélder Filipe Coelho, 36 anos, é maestro da banda do Grémio Povoense

Hélder Coelho, músico da Banda da Armada e maestro da Filarmónica do Grémio Povoense, fala descomprometido sobre o actual panorama das bandas e a sua extinção anunciada, sobretudo as que estão às portas de Lisboa. Diz que para muitas associações as bandas ainda são um peso e que o grande problema para a renovação é a mentalidade dos pais e dos jovens face às filarmónicas. Confessa-se triste por ainda haver gente na Póvoa de Santa Iria que não sabe onde é o Grémio e revolta-o saber que há autarcas a pagar 30 mil euros a cantores por um concerto e recusarem pagar dez vezes menos a uma filarmónica para actuar.

Enquanto não se mudarem as mentalidades dos pais e dos jovens face às bandas filarmónicas, estas têm o seu futuro comprometido e até em risco, sobretudo nas bandas que se encontram às portas de Lisboa. A opinião é de Hélder Coelho, 36 anos, trompetista da Banda da Armada e maestro da Banda Filarmónica do Grémio Povoense, da Póvoa de Santa Iria.A falta de união entre as bandas do concelho de Vila Franca de Xira é também vista como um problema. Este ano o Grémio organizou um encontro de bandas onde esteve presente uma banda da Trafaria mas, à última hora, a banda do concelho que foi convidada para aparecer desmarcou e deixou toda a gente a olhar para um palco vazio. “Os músicos dão-se todos bem mas nos dirigentes há muitas quezílias pelo meio. Se no concelho andamos de costas voltadas ainda é pior e um dia acaba-se tudo. Quando as pessoas deixarem os seus interesses pessoais de lado as filarmónicas ficam a ganhar. E quando isso acontecer ganha toda a população”, defende.Hélder Coelho diz que o problema não é a falta de miúdos, mas sim a mentalidade e a elevada quantidade de distracções que têm hoje. “As escolas de música e as bandas têm de competir com ofertas como o karaté, a natação ou o ballet. Caiu-se demasiado no negócio e os pais precisam de mudar as suas mentalidades face à música. O parente pobre é sempre a música, na hora de optar os pais nunca tiram os filhos da natação ou do ballet, é sempre da música. E isso não é uma escolha inteligente”, lamenta.Muitos pais ainda ignoram as potencialidades da música no crescimento dos jovens. Saber música pode ser também uma porta de entrada no mercado de trabalho caso todas as outras opções falhem. E as mais-valias de aprender a tocar um instrumento são também conhecidas. “Temos na banda miúdos com certos problemas em que a música os ajuda e renova”, explica.A banda do Grémio tem actualmente 25 músicos e tem tentado crescer e afirmar-se. Apesar de estar implantada na segunda maior cidade em termos de população do concelho continua a ser difícil encontrar jovens que queiram aprender a tocar. “A cidade da Póvoa não olha o suficiente para a banda do Grémio. Muita gente que vive na Póvoa nem sabe onde fica o Grémio. Já tive amigos que chegaram à Póvoa e perguntaram onde era o Grémio e ninguém lhes sabia dizer. É muito complicado. Como é que podemos sobreviver com uma escola de música ou filarmónica se as pessoas da terra não sabem onde fica a associação?”, lamenta. Para o maestro as bandas nos grandes centros urbanos ainda não estão condenadas à extinção mas caminham rapidamente para isso. “Se não aparecerem pessoas capazes de trabalhar e fomentar ainda mais as coisas as bandas vão acabar. Às portas de Lisboa há a sensação que às vezes as pessoas até têm vergonha de vestir a farda e sair à rua para tocar”, critica a O MIRANTE. Actualmente as bandas estão bastante actualizadas no seu repertório, graças a uma nova geração de maestros com novos horizontes e que gostam de inovar. Bandas não interessam porque não dão dinheiro“Há muitos negócios paralelos de que as bandas não têm culpa, que roubam os miúdos, até mesmo dentro das próprias colectividades. Às vezes o interesse não se move para a banda. Têm a banda porque é um marco e um símbolo mas não dá dinheiro. Na generalidade dá-me a sensação que em certas associações se a banda acabasse até era bom para elas. Enquanto as filarmónicas não derem dinheiro a existência vai ser insegura”, confessa.Uma das coisas que mais o revolta é a falta de apoio municipal. “A nossa câmara está sempre a arranjar problemas e a diminuir os subsídios. Para contratar um cantor numa festa não se importam de pagar 10 mil ou 30 mil euros, mas se uma filarmónica de 30 músicos para fazer um evento pedir 100 euros ou 200 euros por instrumento eles dizem que não têm. É caricato. Dá-me uma revolta interior que não se imagina. E quando pedimos um instrumento as pessoas não dão. Um instrumento para um miúdo da escola aprender a tocar custa 100 euros. Quando pedimos dizem sempre que nunca há dinheiro para as filarmónicas”, critica. Apesar das contrariedades o maestro garante que a banda do Grémio é como uma família onde todos se respeitam, dão o seu melhor e sabem qual é o seu lugar. “O sucesso deles é o meu sucesso e por isso estamos sempre juntos nesse percurso”, conclui.Um trompetista apaixonado pelo trabalhoHélder Filipe Coelho nasceu em Lousada mas vive em Alverca há 16 anos. Gosta de apresentar todo o tipo de peças desde que tenham qualidade. Desde novo os estudos levaram-no para fora da sua terra. A paixão pela música vem da infância, porque o avô já era músico da banda da terra e o pai ainda o continua a ser. Estudou música na Escola Profissional e Artística do Vale do Ave e mais tarde entrou nos quadros da Banda da Armada como trompetista, onde ainda se encontra. Diz que é um permanente desafio e ao mesmo tempo um orgulho. O trompete é o seu instrumento favorito, pelo seu desenho e sonoridade. É maestro do Grémio há seis anos e é também maestro na filarmónica de Alverca. É um homem apaixonado pelo que faz e gosta de dar tudo de si em prol das bandas que dirige.Gosta de viver em Alverca mas lamenta a falta de um verdadeiro espírito de vizinhança. “Saímos à rua e não conhecemos os vizinhos. Somos capazes de passar uns pelos outros e nem haver um bom dia nem um boa tarde. Do que sinto mais falta é do espírito de vizinhança, como tinha em Lousada”, confessa. Tenta sempre fazer as compras na cidade, que considera “ter tudo” o que é essencial. A sua viagem de sonho seria ir a Nova Iorque e o seu compositor favorito é Gustav Mahler. Ouve de tudo um pouco excepto música “pimba”. Amy Winehouse, Scorpions, Queen, Pink Floyd, Dire Straits ou Katie Melua são alguns autores que tem na discografia. A nível nacional gosta de António Zambujo e da nova geração do fado, sobretudo Ana Moura e Mariza.
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