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“Não gosto de fazer obras para os outros pagarem”

“Não gosto de fazer obras para os outros pagarem”

Manuel Maia Frazão foi reeleito para mais quatro anos à frente da Misericórdia de Pernes e perspectiva continuar depois

Provedor diz que gosta de ajudar o próximo de forma desinteressada e sem pensar no cargo como trampolim para outros voos, nomeadamente na política. Sente-se bem à frente da instituição, onde não faltam projectos para concretizar e pagar. Para breve está prevista a abertura de mais duas valências: uma creche e uma unidade para pessoas com demência. Também autarca na Assembleia Municipal de Santarém, Manuel Frazão diz que nesse órgão fala-se muito e produz-se pouco.

As misericórdias têm relações umbilicais com o Estado, que financia várias valências através de acordos. É frequente ouvir-se dizer que essa relação é deficitária para as instituições particulares. O Estado tem sido um parceiro cumpridor? Na acção social o Estado é um parceiro cumpridor. Naturalmente que as misericórdias, tal como outras IPSS (instituições particulares de solidariedade social), sentem na pele as fragilidades financeiras que a sociedade tem. Não podemos esquecer que houve uma redução drástica das reformas e nós cumprimos com os protocolos de cooperação estabelecidos para o sector, entre a UMP e a Segurança Social. Existem, no entanto, outros casos que usamos de misericórdia e ajudámos os mais carenciados, principalmente os de Pernes. Certo é que o valor dos protocolos por utente é muito inferior ao valor do seu custo efectivo.Porquê? Por causa dos muitos cuidados prestados aos utentes, em áreas multidisciplinares. A esperança média de vida, felizmente, é cada vez maior e há um conjunto de obrigações que envolvem um encargo bastante grande como recursos humanos qualificados, condições das infra-estruturas, cuidados médicos e de enfermagem, ajudas técnicas e uma alimentação de qualidade, entre outros. Algumas misericórdias têm dificuldade em manter a qualidade dos serviços que prestam, não podendo suportar essas despesas se não tiverem património e não o rentabilizarem. As valências, só por si, dificilmente são autosustentáveis.As IPSS são um barómetro da situação social de determinada comunidade. Têm-se confrontado com muitas situações de pobreza extrema? Pernes é uma comunidade idêntica a tantas outras. O tecido empresarial de Pernes era suportado na indústria de torneados de madeira, que neste momento já não existe. Logo muitas pessoas ficaram sem o seu meio de subsistência. A comunidade tem grandes fragilidades. Nós ajudamos quem tem essa fragilidade. Fazemo-lo com a discrição que o ser humano merece. Fornecemos cerca de 70 refeições na cantina social, o que representa muita gente numa comunidade como a nossa. Muitos desses casos partilhamo-los com a Segurança Social e com a Câmara de Santarém, nomeadamente com o Conselho Local de Acção Social (CLAS), na perspectiva de se arranjarem outras soluções, nomeadamente em termos ocupacionais.Há cerca de um ano, o presidente da União das Misericórdias, Manuel Lemos, destacava o papel das IPSS no apoio aos mais desvalidos e dizia que “em Portugal só passa fome quem quer”. Concorda com essa expressão? Estou totalmente de acordo com o nosso presidente da União das Misericórdias Portuguesas. Há resposta social imediata para esse tipo de casos. Quando nos pedem ajuda nós damo-la no mesmo dia. Temos esse poder efectivo de ajudar quem precisa. Há aqueles que nos vêm pedir e aqueles que, sinalizados pela população ou pelos nossos técnicos, colocámos ao dispor os nossos serviços.Está a referir-se aos casos da chamada “pobreza envergonhada”? Sim, das chamadas necessidades escondidas ou envergonhadas. Vidas estáveis que de um momento para o outro se viram sem rendimentos. Muitos têm património, não têm é rendimento. E depois há os outros, que não têm rendimentos nem património. Todos são ajudados e essa necessidade nunca foi tão sentida e tão agradecida pela comunidade como é neste momento. Uma questão que tem dividido opiniões é a de se os provedores devem ser pagos pelo cargo que exercem, tendo em conta a responsabilidade inerente. Qual é a sua opinião? Eu não sou remunerado. Os provedores e as provedoras são pessoas de bem que voluntariamente se entregam a causas humanas. O conjunto dos serviços, designadamente gestão de património e de valências que as instituições têm é que definirá, do meu ponto de vista, esse aspecto, ou seja, a dimensão e a forma como está organizada, tendo por base, a metodologia de gestão definida.“Sou um homem que tem gosto em ajudar o próximo”Com a nova legislação, os mandatos dos provedores das Misericórdias passaram a ser de quatro anos e cada provedor só pode fazer três mandatos consecutivos. Encara essa possibilidade? É precoce falar sobre próximos mandatos, pois só no dia 19 de Janeiro vou tomar posse. Mas sou um homem que tenho como princípio ajudar o próximo. E quando se inicia um projecto como o da requalificação do lar, que envolve um grande investimento, a responsabilidade social que eu e a minha mesa administrativa temos obriga-nos a assumir as nossas responsabilidades. Se não houver ajuda comunitária a fundo perdido, através do Portugal 2020, se tivermos de recorrer a empréstimo, muito gostaria de poder honrar, no tempo, os nossos compromissos.E o prazo do empréstimo é de quantos anos? É de 12 anos.Então perspectiva estar mais 12 anos à frente da instituição? A nova lei permite três mandatos de quatro anos e este projecto leva-me a pensar nisso. Nunca gostei de fazer obras para os outros pagarem. Isso devia ser uma prática de todos os responsáveis. Quando se assumem responsabilidades às quais estão subjacentes encargos, devemos usar de todos os princípios que honrem e dignifiquem as instituições que representamos.Esta eleição sem concorrência, coisa pouco habitual na Misericórdia de Pernes, dá a sensação que o seu trabalho é praticamente consensual. As assembleias gerais da Misericórdia de Pernes têm normalmente a presença de bastantes irmãos. Sempre entre 80 a 100 numa assembleia normal. Isto quer dizer que a irmandade está atenta aquilo que o provedor e a mesa administrativa fazem. O facto de não ter aparecido outra lista é razão mais do que suficiente para nos dar motivação e reconhecimento pelo trabalho feito. Creche e unidade para pessoas com demência prestes a abrirA unidade de cuidados especializados para pessoas com demência criada pela Santa Casa da Misericórdia de Pernes vai ser inaugurada ainda este mês de Janeiro, diz o provedor da instituição. O Lar São João de Deus, assim se designa a valência, está localizada no primeiro andar do edifício da Unidade de Saúde Familiar do Alviela e vai ter 10 camas. É a primeira unidade do género no distrito de Santarém. “Fomos seleccionados pela União das Misericórdias Portuguesas, através do projecto Vidas, candidatámo-nos ao Fundo Rainha D. Leonor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, eles gostaram do projecto e apoiaram-nos financeiramente para a conclusão da obra”, conta Manuel Frazão.Ainda este ano vai também entrar em funcionamento uma creche, com capacidade para 26 crianças. A obra já está pronta e só falta recrutar recursos humanos e instalar alguns equipamentos. A nova valência chama-se Berço do Alviela, vai funcionar na Quinta da Torre e é resultado da atenção que o provedor e a sua equipa têm dedicado à infância. A freguesia não tinha essa resposta. Tal como em relação à unidade para pessoas com demência, a Segurança Social comparticipa nas despesas.A requalificação e ampliação do lar de idosos é um dos projectos considerados prioritários para o novo mandato de Manuel Maia Frazão à frente da Misericórdia de Pernes. No mandato anterior foi adquirido o terreno para a ampliação e feitos os projectos, que já estão aprovados. A obra não avançou entretanto porque o quadro comunitário de apoio Portugal 2020 ainda não se encontra a disponibilizar verbas e a instituição acabou por recorrer à banca para fazer face ao investimento. Prevê-se que os trabalhos arranquem em 2016.O projecto tem dois tempos, diz o provedor. O primeiro é o de ampliação do equipamento, que dura dois anos. Depois será feita a requalificação do lar actual, que vai durar mais 18 meses e verá aumentar a capacidade de 72 para 88 utentes. Os investimentos justificam-se pois o lar tem sempre lista de espera. Um reconhecimento da qualidade dos cuidados e serviços prestados pela instituição e seus colaboradores e também do “preço diferenciador e simpático” que praticam, “nomeadamente para a comunidade pernense”, afirma Manuel FrazãoNa assembleia municipal fala-se muito e trabalha-se poucoÉ pela primeira vez membro da Assembleia Municipal de Santarém, eleito pelo PSD. Como está a ser a experiência? É uma experiência enriquecedora mas vejo que gastamos muito do nosso tempo com pouco benefício para as comunidades. Fala-se muito e trabalha-se pouco. Sei que há lá homens e mulheres de carácter nobre e disponíveis para ajudar a comunidade, mas sinto que há muita gente que se preocupa mais com a defesa das politiquices e dos respectivos partidos do que na defesa dos interesses da comunidade. Graças a Deus estou como independente, embora na bancada do PSD…Porquê esse graças a Deus? Dá a ideia que ser filiado num partido é uma daquelas coisas que nunca faria.Graças a Deus porque ser independente dá-me outra distância em termos de política. Não estou obrigado a ter disciplina de voto, estou sim a desempenhar o meu papel como ser humano e membro da comunidade. A independência é algo que preservo no meu dia a dia.Não se vê filiado num partido? Nunca se deve dizer nunca. Identifico-me muito com o pensamento e a política do PSD, com as mulheres e homens de Santarém do PSD, porque os conheço e sei a prática que usam no dia a dia na gestão das instituições de que são responsáveis. Não sou filiado, mas não posso dizer que nunca me filiarei.Tem ambições políticas a outro nível? Gostava, por exemplo, de ser vereador ou presidente da câmara? É mais uma resposta em que não posso dizer nunca. Revejo-me durante muitos anos, se a irmandade assim o entender, como provedor da Misericórdia de Pernes. Já tive vários lugares, já me senti realizado em muitos desses lugares, mas ser provedor é algo que me toca no coração. Gosto de ajudar o próximo de uma forma desinteressada e sem pensar em política.Na sua perspectiva, a Câmara de Santarém tem olhado para Pernes com a atenção que a vila e a freguesia merecem? Mesmo com as fragilidades financeiras que tem enfrentado, a Câmara de Santarém potencializou algo que diz muito à comunidade pernense: o rio Alviela. Em parceria com a Agência Portuguesa do Ambiente e a Câmara de Alcanena fez-se a recuperação das levadas. Espero que dentro em breve haja um espelho de água na levada do lado do moinho manuelino. Claro que há também a preocupação com a despoluição do rio e com a requalificação da própria ilha do mouchão parque. Espero que haja um projecto para a requalificação da ilha.Acredita que é desta que a poluição do rio Alviela deixa de existir? A poluição é outra coisa. A minha esperança é que se verifique a despoluição total do Alviela. E aí estamos a ter sorte com a infelicidade dos outros. Com a redução do tecido industrial de Alcanena, naturalmente tem havido menos poluição. Mas para se acabar com a poluição de vez tem que haver uma fiscalização permanente da estação de tratamento de Alcanena e das ligações das fábricas ao sistema de tratamento que obrigatoriamente tenha gente de Santarém. Um participante activo na comunidadeManuel João Maia Frazão nasceu em 9 de Junho de 1962 em Almajões, localidade próxima de Pernes mas já na freguesia de São Vicente do Paul. Profissional de seguros há muitos anos com escritório em Pernes, é casado e pai de dois filhos, Tiago e Inês. Foi eleito pela primeira vez provedor da Santa Casa da Misericórdia de Pernes em Fevereiro de 2013 e reeleito em 19 de Dezembro de 2015 para novo mandato, desta vez sem concorrência, o que não é muito habitual. “Os irmãos vão reconhecendo o trabalho que se vai fazendo no dia a dia”, diz. Foi também em 2013, mas em Outubro, que foi eleito pela primeira vez para a Assembleia Municipal de Santarém pelo PSD, embora não seja militante do partido. Antes, tinha sido autarca na Assembleia de Freguesia de Pernes.O provedor da Misericórdia de Pernes não é remunerado por essas funções, embora ocupe 90 por cento seu tempo na Misericórdia de Pernes, o que diz fazer “com gosto e paixão” por ajudar os outros. A instituição apoia cerca de 300 famílias e conta com 63 colaboradores, o que a torna a maior empregadora da freguesia. Tem uma forte ligação à comunidade, apoiando colectividades e incentivando a economia local, comprando aos comerciantes da vila muitos dos bens que são consumidos nas suas várias valências. “Temos um lema que é: no desenvolvimento da Misericórdia, o desenvolvimento de Pernes”, diz.Manuel Frazão foi sempre uma pessoa activa na comunidade. Integrou a associação de pais da escola de Pernes, esteve ligado aos escuteiros quando foi feito o centro educativo e ambiental e durante 17 anos presidiu à direcção do Centro de Convívio e Cultura da Chã de Baixo, tendo tido papel activo na construção da capela de São José na Chã de Baixo e Outeiro de Fora.Habituado a gerir recursos humanos, que para ele são fundamentais no sucesso de qualquer organização, Manuel Frazão define-se como uma pessoa humilde, que gosta de traçar e cumprir objectivos.Uma instituição com um património valioso e diversificadoA Santa Casa da Misericórdia de Pernes, fundada em 1587, é detentora de um vasto e diversificado património imobiliário, muito dele legado pelo comendador José Gonçalves Pereira. Para além dos edifícios onde funcionam as suas valências (lar de idosos, auditório e ATL, residências unifamiliares, museu, lar de grandes dependentes, edifício multi-serviços, edifício social e de saúde, casa social e sede social), tem 19 prédios para arrendamento em Lisboa, 3 em Santarém e um em Pernes e mais um apartamento para arrendamento em Pernes. A instituição é também proprietária da Igreja da Misericórdia e Jardim, Moinho Manuelino, Miradouro da Misericórdia e Capela da Póvoa das Mós.“O património é algo que nos responsabiliza sobremaneira a vários níveis, nomeadamente por respeito aos beneméritos com destaque ao senhor comendador José Gonçalves Pereira”, diz Manuel Frazão, referindo que a preservação e rentabilização desse património são preocupações permanentes. As receitas dos arrendamentos ajudam a fazer a diferença na ajuda ao próximo, reconhece o provedor.Manuel Frazão eleito presidente do Secretariado Regional da União das MisericórdiasO provedor da Santa Casa da Misericórdia de Pernes, Manuel Maia Frazão, foi eleito no dia 5 de Janeiro presidente do Secretariado Regional de Santarém da União das Misericórdias Portuguesas, substituindo no cargo o provedor da Misericórdia de Santarém, Mário Rebelo. Só concorreu uma lista, denominada “No Rumo da Misericórdia”. Foram ainda eleitos para 1º. secretário António Gouveia da Luz, provedor da Misericórdia de Torres Novas, e para 2º. secretário António Alves Teixeira, provedor da Misericórdia de Constância. “Que Nossa Senhora das Misericórdias nos ajude nesta nobre missão”, diz Manuel Frazão.
“Não gosto de fazer obras para os outros pagarem”

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