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Quem não mete a terra a produzir devia pagar taxas

Quem não mete a terra a produzir devia pagar taxas

Elizete Jardim, directora regional de Agricultura de Lisboa e Vale do Tejo, em entrevista a O MIRANTE

Elizete Jardim é a directora regional de Agricultura de Lisboa e Vale do Tejo desde 1 de Maio 2013. Foi nomeada após ter vencido um concurso público, pelo que realça o facto de estar a exercer as funções pelo mérito e não por cores partidárias. A dirigente gostava de ver os serviços concentrados no centro da cidade de Santarém mas já tem pouca esperança de o conseguir. Para 2016 definiu como objectivos estratégicos da direcção regional a optimização das políticas públicas da agricultura e pescas, agilizar os processos de licenciamento e optimizar a gestão dos recursos para uma maior eficiência e qualidade dos serviços.

Foram recuperadas instalações na Estação Zootécnica no Vale de Santarém para a direcção regional mas os serviços continuam espalhados por várias instalações. Na Estação Zootécnica temos um serviço de controlo que não está em nenhum dos espaços que foi recuperado para a direcção regional. Quando tentámos mudar o serviço para um desses edifícios o Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV), dono da estação, veio dizer que precisava das instalações. Estamos a cobrar ao INIAV o valor que gastámos nas obras. Desde que cheguei ao cargo que temos tido conversações mas o processo não tem tido andamento.Mas havia condições para concentrar todos os serviços? Os dois edifícios que foram recuperados não albergavam os serviços todos. Ainda iríamos ficar divididos. O que ia para lá eram os serviços que estão na cidade de Santarém. Para conseguirmos albergar todos os serviços teríamos de reconstruir outro edifício. Não me pareceu correcto. E as instalações que foram recuperadas não satisfazem, pela forma como foram projectadas. O espaço dos gabinetes traria dificuldades de acomodar os serviços com a qualidade necessária. Não gosta da ideia de aproveitar os espaços da estação zootécnica? Na minha opinião foi uma má estratégia. O que gostaria mesmo era de ter os serviços todos concentrados na cidade, por exemplo na antiga Escola Prática de Cavalaria (ver texto nesta edição). Faz mais sentido ter o serviço na cidade porque é mais cómodo para os nossos utentes e colaboradores. Pelo menos metade dos agricultores são idosos e muitos vêm aos nossos serviços de táxi por falta de transporte. Se tivessem os serviços na cidade não teriam estes e outros incómodos. E agora qual vai ser a solução? Tenho pedida uma audiência com o ministro da Agricultura para que seja dada autorização para construir um segundo edifício na Quinta das Oliveiras. Faz sentido terem acabado as antigas zonas agrárias nos vários concelhos? Havia uma dispersão muito grande de meios humanos. Com a reestruturação do Ministério da Agricultura, em 2007, o número de técnicos foi reduzido para um terço. Era impraticável ter as valências em cada município. Agora temos uma delegação no Médio Tejo (com sede em Abrantes e um pólo em Tomar), uma na Península de Setúbal (sede no Montijo e pólo em Setúbal) e outra nas Caldas da Rainha (com pólo em Torres Vedras) e em Vila Franca de Xira está uma parte dos serviços de administração e uma dos serviços técnicos. Temos uma área muito grande que abrange três Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional.A presença da direcção regional em Vila Franca de Xira é para continuar? Para já sim, porque as instalações são boas e não nos dão grande despesa, pois os custos são repartidos com outras duas entidades instaladas no local: a Autoridade para as Condições para o Trabalho e a Direcção-Geral de Veterinária. Não lhe custa ver património a degradar-se, como acontece com os antigos edifícios do IVV? Custa-me ver qualquer património a degradar-se. Sou das que defende o turismo em espaço rural - que às vezes é muito criticado, porque dizem que é só para o dono fazer obras na casa, com apoios - como um bom modelo de recuperação de património. Porque qualifica o espaço e valoriza o ambiente. Conheço muitos casos em que os projectos estão a servir os objectivos, apesar de alguns não estarem a funcionar como deviam.A Rota do Vinho e da Vinha como forma de valorizar um produto com origem na agricultura está moribunda. Porquê? Não chegou a funcionar em termos de rota. Um dos argumentos é que o serviço não paga as despesas porque é preciso ter pessoas que falem línguas, que trabalhem ao fim-de-semana. O projecto tinha de promover muitas sinergias com a parte do alojamento, a animação, os operadores turísticos. É um trabalho que pode agora vir a ser feito com a aposta que está a surgir no enoturismo. A rota serviu simplesmente para recuperar algumas adegas. Há 25 anos, quando era chefe de divisão da Região de Turismo dos Templários, elaborei a Rota do Vinho dos Templários que foi integrada na do Ribatejo. Nessa altura fiz um inventário das adegas na região e desse trabalho resultou a recuperação de adegas que se transformaram em salas de provas de vinhos e algumas também de venda de produtos regionais. Os casos que conheço continuam activos. Em que medida isso é importante para a agricultura? O vinho é um dos nossos ex-libris e está a ganhar espaço no mercado internacional. Ao longo dos anos passaram-se algumas competências para associações de agricultores. A direcção regional passou a ter menos trabalho? É uma leitura que se pode fazer mas a direcção regional ficou apenas com um terço dos funcionários e passou a ter outras competências. Temos competências na área do financiamento ao investimento e respectivo controlo, na área do licenciamento da actividade pecuária e industrial. E temos competências muito sérias no controlo da segurança alimentar e da fitossanidade nos viveiros e nas importações. A parte da assistência técnica aos agricultores é que passou para as associações. E a investigação? Hoje muita da investigação está a ser feita por iniciativa das organizações de produtores. A região de Lisboa e Vale do Tejo tem vários privilégios, como a de ser a região mais produtiva, mais competitiva e profissionalizada do país. Temos a maior quantidade de organizações de produtores. São 58.O que mudou para que hoje se encare a agricultura como uma actividade de futuro? Os primeiros responsáveis são os agricultores. Foram eles que perceberam que a agricultura vale a pena, que se modernizaram, profissionalizaram e organizaram. O Estado deu o seu contributo com os programas de financiamento ao desenvolvimento rural e que estão a ter uma adesão muito grande. E estamos a falar de muitos agricultores que já não são jovens. Segundo o último recenseamento geral de agricultura temos só dois por cento de jovens no sector. Afinal a agricultura dá dinheiro… Dá dinheiro mas é evidente que a agricultura sofre vicissitudes que outros sectores não sofrem, como as intempéries. Hoje quem é agricultor tem orgulho de ser agricultor. Tem é de ser um empresário a sério. A beterraba pode voltar a ter futuro no Ribatejo? Houve a onda de entusiasmo com a beterraba e esta cultura vai voltar. Já há campos com beterraba. Parece que o entusiasmo pelas novas culturas, como a da beterraba há uns anos, esmoreceu. Tem havido uma aposta nas hortícolas com os produtores do Oeste a expandirem-se para a zona da Lezíria e agora também para o Alentejo. A região de Lisboa e Vale do Tejo produz 90 por cento do tomate do país. Temos muitas hortícolas de ar livre, como a batata, pimentos, ervilhas, as aboboras. Temos um agricultor que faz abóbora e que começa a produzir em Espanha, passa pelo norte de África, Alentejo, Ribatejo e América Latina. Isto também está a acontecer com o melão e melancia. Há empresas portuguesas a produzirem frutos tropicais na América Latina. Os nossos agricultores de hoje são verdadeiros empresários. O que podemos esperar de apostas em culturas no futuro próximo? Está a surgir uma cultura nova no Ribatejo que é o amendoim. Uma cultura que está a dar resultados e que está a contribuir para a salvaguarda da preservação ambiental. Já se está a falar em criar uma secção para esta cultura numa organização de produtores.E a hidroponia (técnica de cultivo sem solo) pode ser uma boa aposta? Estas experiências não estão a correr muito bem ainda. Mas espero que o tempo resolva isso. Há muitos jovens agricultores que se iniciaram nesta técnica não como vocação mas como opção, dada a conjuntura de desemprego. O que tem faltado a quem apostou na hidroponia? Tem de se investir muito em tecnologia e é muito importante investir na sua formação. Quem tem intenção de se instalar nesta actividade deve saber muito bem aquilo em que se vai meter e tem de se dedicar de forma profissional. Alguns confrontam-se com a realidade crua e dura de não estarem preparados para o mercado. Uma estufa de hidroponia produz em três semanas e muitos deles vêem-se com as estufas cheias sem terem quem lhes compre o produto. A bolsa de terras é uma boa ideia que não tem tido efeitos práticos? Vai devagarinho, com calma, mas vai. É bom que se fale na bolsa. Há muita gente que tem terra, que não quer saber dela e que não deixa que alguém a cultive. A bolsa é uma forma de pôr a terra a produzir recebendo um rendimento. O Estado intermedeia o processo entre o proprietário e o arrendatário e é um garante de que o dono do terreno não vai ficar sem ele. E quem meter os terrenos na bolsa tem benefícios fiscais. Deve custar-lhe ver terras abandonadas? Defendo que quem tem terras e não as põe a produzir deve ser taxado por isso, deve pagar um imposto. Qual é o objectivo de obrigar as pessoas a terem de frequentar um curso que as habilita a comprar pesticidas? Tem a ver com as boas práticas e a segurança alimentar, bem como com a própria segurança das pessoas. Se disser que durante toda a vida se fez agricultura e não havia estas exigências é certo mas muita coisa mudou e as preocupações com o bem-estar das pessoas e dos animais também são outras. A lei define que é necessária formação sobre os produtos e a sua aplicação. O nosso maior drama tem sido os agricultores com mais de 65 anos, em que muitos não estão habilitados, e quando vão à loja não lhes vendem os produtos.Antiga chefe de gabinete de Nelson Carvalho não concordou com algumas obras em AbrantesFoi chefe de gabinete do ex-presidente da Câmara de Abrantes, Nelson Carvalho, entre 2000 e 2005. Como vê algumas obras faraónicas feitas no concelho? Há medidas que Nelson Carvalho tomou com as quais eu não concordava. O cemitério à americana se tivesse um crematório não tinha os problemas que tem hoje. E eu que tanto insisti com ele para fazer o crematório. Não me resigno de não o ter convencido a não mandar abaixo um edifício no Tecnopólo. Era um edifício em tijolo burro e era uma marca naquele local. Foi por isso que se de afastou Abrantes? Como chefe de gabinete e pela maneira de ser tinha poderes. Há um militante do PS, arquitecto, que estava em Lisboa, que fazia projectos para a câmara, e que de repente resolveu regressar a Abrantes para integrar a lista à câmara em segundo lugar. A ideia era ele subir a presidente com a ida de Nelson Carvalho para um cargo no Governo. Ele não gostava de mim porque tinha havido alguns desentendimentos relativos a projectos dele e dizia que a primeira pessoa que afastava da câmara era eu. Antes que o fizesse eu regressei ao Ministério da Agricultura. E nunca mais quis cargos autárquicos… Esse vereador ao fim de um ano foi afastado de tudo. Nessa altura choveram telefonemas a pedir-me para voltar à câmara mas não fui. Já tinha a minha vida a andar na direcção regional. Mas não sou de ter mágoa, sou uma pessoa de bem com a vida. Há mais projectos que não goste na cidade? Não gosto da requalificação do mercado. E já no tempo do Nelson Carvalho falava-lhe para fazer o que hoje os mercados estão a fazer, que é transformá-los em espaços de multiactividades, como a restauração. Foram feitas muitas obras desnecessárias? Não defendo a construção de infra-estruturas porque há financiamento comunitário que vai pagar o projecto. Uma obra exige outros investimentos e despesas de manutenção que não são pensadas na altura em que se faz a obra. A construção de um equipamento tem de ser pensado com uma capacidade de dinamização que o sustente. Que é o que não acredito que vá acontecer na Escola Prática de Cavalaria em Santarém, por exemplo. Uma pessoa que se considera “doentiamente honesta”Maria Elizete da Costa Jardim nasceu há quase 63 anos em Angola, descendente de uma família modesta de madeirenses. Com a descolonização não quis vir para Portugal e, grávida de três meses, foi para o Brasil, onde viveu cinco anos. Os seus dois filhos nasceram no Brasil, país onde Elizete Jardim teve cinco moradas. Chegou a Portugal há 35 anos e foi para a Zona Agrária de Tomar, onde coordenou o Programa de Desenvolvimento Agrário Regional (PDAR), no início da década de 90. Os PDAR tinham um ano e meio para serem feitos com uma equipa pluridisciplinar. “Orgulho-me de ter sido a coordenadora do único PDAR do país que foi feito dentro do prazo”, evidencia.Tomar passou a ser a sua terra e ainda mantém a habitação na cidade. Foi chefe de divisão da já extinta Região de Turismo dos Templários, que tinha sede em Tomar, entre 1994 e 1997. “Dei uma nova dinâmica e visibilidade à região de turismo e modernizaram-se os serviços. Isso começou a abrir o apetite aos políticos para serem presidentes da instituição. Candidatei-me e o então presidente da Câmara de Abrantes, Nelson Carvalho, apoiou a minha candidatura, independentemente das orientações políticas que o PS tinha dado. É evidente que não ganhei e que foi para o cargo Francelina Chambel, que vinha do cargo de governadora civil de Santarém”, recorda. Nelson Carvalho convidou-a para trabalhar na Câmara de Abrantes e o único lugar que tinha disponível era o de chefe de divisão administrativa. “Tive um desgosto porque não gosto nada de papéis, sou mais de andar no terreno”. Esteve no cargo de 1997 a 2000. “No primeiro ano conquistei para a câmara o primeiro lugar no concurso de modernização administrativa municipal”. Em 2000 ponderou regressar ao Ministério da Agricultura mas entretanto a legislação passou a permitir aos municípios de menor dimensão terem um chefe de gabinete.Não liga à política, nunca esteve em partidos mas já foi muitas vezes conotada com forças políticas. Já correu que era do PS e do PSD e já começava a surgir a ideia que era do CDS-PP. Nunca se sentiu atraída pela política autárquica, apesar de ter sido convidada para uma lista do ex-presidente da Câmara de Tomar, Pedro Marques, que não aceitou. Do seu currículo constam pós-graduações em Gestão Autárquica Avançada e em Gestão e Modernização Autárquica; um mestrado em Economia Agrária e Sociologia Rural; uma Licenciatura em Auditoria Contabilística e um bacharelato em Contabilidade (tirado em Angola). Teve várias funções na Direcção Regional de Agricultura do Ribatejo e Oeste, antecessora da Direcção Regional de Agricultura e Mar de Lisboa e Vale do Tejo, onde, antes de chegar ao cargo de directora regional, dirigiu os Serviços de Inovação e Competitividade, a Divisão da Sustentabilidade dos Territórios Rurais e foi Chefe de Divisão de Renovação do Tecido Produtivo. Elizete Jardim não gosta de estar parada e considera-se uma pessoa “doentiamente honesta”. Gosta de dizer o que pensa e por isso considera que na política nunca teria futuro. Vive um dia após o outro e que não tem feitio para coisas politicamente correctas.
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