Tapetes de flores nas igrejas do Sardoal porque não havia dinheiro para comprar tapetes persas
Dezenas de voluntários participam na manutenção de uma tradição que terá tido origem no século XIV
Atapetar com flores as capelas e igrejas do Sardoal na altura da Páscoa é cumprir uma tradição antiga que ninguém sabe ao certo quando e porque teve início. Diz a lenda, uma vez que não existe documento oficial, que tudo terá começado quando a população se preparou para receber a Rainha Santa Isabel que terá dado a primeira “carta de privilégio” à terra por volta de 1313. Como não havia dinheiro para tapetes persas as pessoas decidiram cobrir o chão com flores e frutos da época, explica o técnico responsável pelo sector de conservação e restauro da câmara municipal, João Soares. No total são quatro capelas e duas igrejas que são enfeitadas na noite da quarta-feira, antes da Páscoa, por grupos de moradores, gente do movimento associativo, alunos e professores das escolas da vila. Os materiais usados são pétalas de flores naturais colhidas nos campos ou compradas, frutos, cascas de coco... Os motivos desenhados religiosos. O tapete mais imponente é o da Capela da Nossa Senhora do Carmo. A responsabilidade da sua confecção pertence à autarquia. Pedro Agudo, do departamento de Cultura, explica que o desenho é feito pelo arquitecto municipal e que a concretização, a cargo de funcionários, demorou cerca de sete horas. “A maioria das flores foi comprada porque nesta altura ainda não há muita variedade de flores disponíveis nos campos, só as camélias e as giestas”, explica o técnico que faz questão de referir que a sua participação é feita com gosto e não por obrigação. César Grácio, 39 anos, tem a responsabilidade de elaborar o tapete da Capela de Santa Ana. Com um brilho de entusiasmo nos olhos conta que o faz por tradição familiar. “Quando era criança passava a Semana Santa em casa da minha avó e sempre a ajudei nos trabalhos da capela, onde ela era zeladora”, explica. “Agora a capela está encerrada durante todo o ano”, acrescenta. O jovem reside em Castelo Branco mas os seus fins-de-semana são passados no Sardoal, onde nasceu. O seu grupo de trabalho é constituído por mais uma dezena de moradores. “O trabalho tem que ser feito o mais próximo possível da Páscoa. Não se podem colocar as flores muito cedo para que não murchem nem sequem”, diz, enquanto vai dando uns retoques num desenho feito “pétala a pétala”. César pensou em tudo e conta o truque para que as pétalas não percam a vivacidade. “Colocámos areia amarela húmida por baixo do desenho e ele aguenta mais tempo. Antigamente usávamos areia de Rio Maior porque tem mais goma e a aderência é maior”, revela. O responsável pela decoração da Capela do Senhor dos Remédios é o próprio presidente da câmara, Miguel Borges. “O que está aqui feito resulta de um projecto pedagógico do Agrupamento de Escolas do Sardoal, lançado há 15 anos, por mim e por colegas meus da escola que dá pelo nome “Projecto Capela”. O projecto é feito na disciplina de Educação Visual e Tecnológica pelas várias turmas do 5º ao 9º ano e depois um júri de professores decide qual o desenho vencedor”, explica o autarca com orgulho. Os tapetes de flores da Igreja da Misericórdia e da Igreja do Convento de Santa Maria da Caridade são da responsabilidade da Misericórdia do Sardoal. José Tavares, tesoureiro da Mesa Administrativa, explica que o trabalho é feito “pelos funcionários e utentes”. As flores são colhidas nos jardins da instituição e algumas são compradas”. A montagem dos desenhos, elaborados pelo animador social e pela directora técnica da instituição, demora dois dias. Também o grupo de teatro local “Os Getas” tem uma capela a seu cargo. É a Capela de Santa Catarina. A presidente da direcção, Cristina Curado, conta que a decoração foi feita por dezena e meia de voluntários. “As pessoas neste grupo têm funções atribuídas. Umas vão apanhar as flores, outras fazem o desenho e outras ajudam a montar o tapete”, explica. “O meu marido também vai participando porque senão há dias que nem sequer me vê”, conta a dirigente associativa que explica que o desenho deste ano foi inspirado na “Custódia”, peça de ourivesaria usada em actos de culto da Igreja Católica para expor solenemente a hóstia. Gregório Fernandes, 59 anos, católico devoto, é o zelador da Capela do Espírito Santo, a única na vila que está aberta durante todo o ano. A sua função passa por abrir as portas às 08h00 e fechá-las por volta das 20h00. “Não é uma obrigação é um prazer, já faço isto há mais de 20 anos. Também dou catequese e faço parte do coro da igreja”, conta a O MIRANTE do lado de dentro do balcão da pequena mercearia onde trabalha e onde se vende de tudo. A conversa é interrompida para vender mais cinco velas para a procissão da noite, “atenção que a procissão é às 21h30”, vai avisando. De volta à conversa com o jornalista, conta que o desenho do tapete da capela começa a ser pensado em Janeiro e também nessa altura começa a ser elaborada a lista dos materiais que vão ser utilizados e o que é necessário comprar”. O grupo que ajudou na elaboração do tapete é constituído por 16 pessoas. Gregório confessa que “rouba” muito tempo à família mas que tal é compensado porque a esposa também participa. “Pela fé faço tudo o que for necessário”, confessa.
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