Ex-supervisor mete o dedo na ferida culpando sindicatos pelo fecho da Opel na Azambuja
Armando Martins lança livro sobre momentos marcantes da unidade que fechou há dez anos
Armando Martins, ex-supervisor de produção na fábrica da General Motors em Azambuja, tomou apontamentos durante a “guerrilha” dos sindicatos com a administração e agora colocou tudo num livro a que chamou “Conflitos Sociais”. É a história do melhor e pior de uma fábrica que morreu aos pés de sindicatos e comissões de trabalhadores.
Se não fosse a intransigência negocial dos sindicatos e a “vingança” da administração, a fábrica da General Motors (GM) em Azambuja, que fabricava modelos da marca Opel, poderia ainda estar em funcionamento, na melhor das hipóteses. Ou fechado mais tarde do que aconteceu. A convicção é de Armando Martins, 55 anos, que foi durante quase 17 anos supervisor de produção na fábrica, que empregava quase 1500 trabalhadores, 1200 deles empregados directos. A fábrica fechou em Dezembro de 2006 e no ano em que se assinala o décimo aniversário do encerramento da General Motors, Armando decidiu reencontrar-se com os apontamentos que tomou durante os meses quentes que antecederam o fecho da unidade de Azambuja e compilou-os num livro. Com o título “Conflitos Sociais”, a obra é reveladora dos problemas que levaram ao fecho daquela unidade fabril. “Os operários foram vítimas da administração internacional mas sobretudo da comissão de trabalhadores e dos sindicatos. Criou-se uma guerra e conflitos tão grandes que quem ficou prejudicado foram os trabalhadores”, refere o ex-trabalhador no livro.Para Armando Martins, que vive em Azambuja, o clima que levou ao encerramento da fábrica da Opel não deveria ter acontecido. “Um ano antes tinham existido bastantes dificuldades nas negociações entre os sindicatos a administração. A tal ponto que Eric Stevens (à data vice-presidente da GM Europa) teve de vir à Azambuja para entrar nas negociações”, recorda o antigo supervisor de produção. O ex-operário diz que essas negociações não correram muito bem, porque os sindicatos tentaram hostilizar e ameaçar Eric Stevens. “A verdade é que a partir daí as coisas precipitaram-se e os conflitos começaram a ser maiores. Para mim o fecho da fábrica foi uma vingança por causa disso”, sublinha. Um exemplo da intransigência dos sindicatos e da comissão de trabalhadores foi a reivindicação de aumentos acima da inflação, de 150 euros para todos os trabalhadores, numa altura em que as regalias já eram elevadas. Cada trabalhador ganhava, em média, acima de 1200 euros, valor ainda hoje considerado acima da média. “Na AutoEuropa (fábrica em Palmela que produz viaturas Volkswagen) a comissão de trabalhadores teve uma postura diferente e por isso a fábrica se mantém lá”, defende. Armando Martins foi um espectador privilegiado do que aconteceu na fábrica. “Sempre achei que as greves não levavam a lado nenhum. Houve muitos excessos. A dada altura havia muitos conflitos entre os próprios trabalhadores, gente que queria trabalhar e outros, afectos aos sindicatos, que não deixavam”, recorda. No livro são relatados também boicotes à produção. Um dos problemas, lembra Armando Martins, foi a falta de apoio psicológico e emocional para quem foi despedido.A tristeza de ver cair um símboloA icónica torre da fábrica com as palavras Opel foi das últimas partes da fábrica a ser demolida e foi, para muitos, o momento de maior tristeza. “A torre era o símbolo, ver cair a torre foi para mim muito triste. Foram 17 anos de trabalho dedicado à empresa, passámos mais tempo ali do que em casa, fizemos amizades e sofremos em conjunto. Custou bastante”, diz, emocionado, Armando Martins.O ex-supervisor lembra que junto ao antigo pinheiro da fábrica existem várias “cápsulas do tempo” enterradas, que contêm a memória dos momentos marcantes da fábrica e defende que sejam recuperadas. “Deviam desenterrar esses documentos e colocar no museu municipal, para que as novas gerações vissem o que ali existiu”, refere, defendendo também a colocação de uma placa que evocasse a memória da fábrica.A fábrica da GM em Azambuja tinha 43 anos de existência, modernizou-se e em 2000 investiu mais de 100 milhões de euros em novas tecnologias e robótica, tornando-se numa das fábricas mais modernas e competitivas da Europa. Ocupava uma área de 350 mil metros quadrados e exportava o seu último modelo, o Opel Combo, para 54 países. Movimentava diariamente 50 camiões e um comboio, que faziam chegar à fábrica mais de 450 mil peças. A justificação dada aos trabalhadores para o encerramento era de que a fábrica de Saragoça, em Espanha, permitia poupar 500 euros por viatura. Kadett, Corsa, Astra e Combo foram os modelos mais emblemáticos produzidos em Azambuja.Fecho da Opel é uma ferida que já sarouO ex-operário foi um dos que conseguiu arranjar emprego logo após o encerramento da fábrica mas confessa que, para muitos trabalhadores, o luto demorou anos a superar. Houve casos de depressões, divórcios e insolvências. Houve quem tenha feito uma cruz na marca Opel para o resto da vida. Quem arranjou emprego teve de aprender a viver com salários bem abaixo dos que eram pagos pela General Motors. Houve famílias inteiras em dificuldades. Apesar de tudo, dez anos depois, Armando Martins garante que o fecho da fábrica é uma ferida que já sarou na comunidade. Foi supervisor de produção no departamento de qualidade, depois no departamento de produção em vários pontos da fábrica. Quando as máquinas pararam a poucos minutos do dia 21 de Dezembro de 2006, estava na secção de pintura. Na hora da despedida a GM pagou tudo o que devia aos trabalhadores e, novamente, acima da média - dois meses de salário por cada ano de trabalho - tendo havido quadros superiores a sair com indemnizações superiores a 100 mil euros. Muitos trabalhadores saíram com mais de 50 mil euros.“Não sou um escritor, o objectivo do livro é apenas preservar a memória do que foi aquela grande fábrica e ao mesmo tempo dar a minha visão dos acontecimentos que antecederam o fecho, porque ninguém ainda o fez. Pensei escrever isto em 2007 ou 2008, mas senti que era muito cedo, havia ainda muita dor e angústia”, conta a O MIRANTE. Armando Martins trabalha hoje num concessionário da Ford em Loures e antes passou por várias empresas ligadas ao ramo do fornecimento de peças para automóveis. “A maior parte das pessoas da fábrica hoje estão empregadas novamente. A diferença é que ganhavam 1200 euros no mínimo e agora ganham metade. Tinham transportes, alimentação e roupas. Tudo pago pela fábrica, que também dava prémios de produtividade e de assiduidade. Havia pessoas a ganhar muito bem. Agora tudo ficou mais pobre, o concelho e a região”, conta. Para o ex-operário, o então presidente da câmara, Joaquim Ramos, esteve à altura do desafio. Lamenta, contudo, que os novos empregos gerados na zona não sejam tão qualificados como antigamente. “Faltou o contacto e negociação com o governo para a implementação de empresas que trouxessem mais-valias e trabalho de salários mais qualificados”, lamenta.
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