Perseguições e ameaças acabam com a coragem de ser árbitro
Pedro Moreira, da Chamusca, diz que as pessoas vão para os campos descarregarem as frustrações
Foi numa solarenga tarde de domingo em Novembro de 2001 que Pedro Moreira perdeu a coragem de apitar jogos de futebol e deu um cartão vermelho à carreira que tinha iniciado há quatro anos. O ex-árbitro dos distritais, professor e actualmente formador, apanhou o maior susto da sua vida após um jogo no campo do Barrosense, quando foi perseguido de carro, numa cena que lembrava um filme de acção, e não teve um acidente grave por muita sorte. Na altura tinha 30 anos e no carro com que saiu do campo seguiam os dois colegas, mais jovens, um deles apenas com 17 anos. Pedro ainda ouve os gritos de pânico dos jovens a dizer que iam morrer. A situação foi de tal emoção que Pedro arrumou o apito para sempre, apesar das saudades que ainda sente.Na altura o árbitro da Chamusca estava a fazer um jogo pacífico, sem grandes casos de indisciplina, até que tudo se precipitou quando expulsa um jogador do Santanense, de Santana do Mato, concelho de Coruche, foi expulso por dar uma bofetada no adversário do Barrosense (Benavente). Um adepto do Barrosense, que tinha passado o tempo a enxovalhar os árbitros, invadiu o campo perseguindo o jogador expulso. Pedro pediu a um dos militares da GNR para identificar o adepto. No final do jogo quando sai do balneário tinha o invasor do campo e a GNR à espera para falarem com ele. O objectivo era que o árbitro fechasse os olhos à situação para que o infractor não fosse multado em 500 euros, no mínimo. “O meu problema na arbitragem foi ter sido sempre correcto e não deixar passar nada. Era essa postura que me trazia problemas”, conta o antigo árbitro da Associação de Futebol de Santarém que chegou a ser aliciado com suborno para deixar passar um castigo a um jogador. Pedro Moreira não só não falou com o adepto do Barrosense como não perdoou a infracção. Foi para o carro e estranhou que a GNR não estivesse no local para acompanhar a equipa de arbitragem até à saída da povoação, como era habitual. Assim que sai do estacionamento junto ao campo vê dois carros a arrancarem. Ainda se lembra das marcas, das cores e das matrículas. Não tardou muito até que um dos carros se atravessou à sua frente mas Pedro conseguiu escapar. Mas o condutor do carro que saiu rapidamente do banco ainda desferiu um pontapé no carro do árbitro partindo-lhe o espelho. Os dois carros continuam a perseguir a viatura de Pedro Moreira, que conduzia como um louco pelas ruas até apanhar a Estrada Nacional 118. No meio da confusão e da fuga aparatosa conseguiram ligar para a GNR, que enviou uma patrulha do posto de Samora Correia para lhes fazer escolta. Os minutos pareciam horas e, conta Pedro, por mais que uma vez não tiveram um acidente por muita sorte. A equipa de arbitragem identificou os perseguidores no posto de Samora Correia e apresentou queixa mas o caso ficou em nada. O Ministério Público arquivou o processo por falta de provas, uma vez que os suspeitos alegaram que nesse dia e a essa hora não estavam no local, tendo testemunhas dito que se encontravam a trabalhar. Situação que revoltou ainda mais Pedro Moreira, que na altura tinha sido pai há cerca de dois meses. Foi o facto de ter um filho pequeno que pesou mais na decisão de terminar a paixão pela arbitragem. É a coragem que move os árbitrosPedro Moreira, licenciado em sociologia, começou na arbitragem em 1998 nos Açores, onde estava colocado como professor. Na curta carreira teve muitos episódios maus, como os de estar horas dentro do balneário à espera que as autoridades acalmassem os ânimos dos adeptos. Às ofensas não ligava. “É uma questão de mentalização”, confessa. Tem pena de ver jovens árbitros a começarem carreiras, deixando as famílias aos fins-de-semana para fazer o que gostam, e serem enxovalhados e ameaçados ou até mesmo agredidos. E pergunta-se porque é que são os árbitros o alvo da ira dos agentes desportivos e dos adeptos quando também os jogadores e treinadores erram. Muitos jogadores são desequilibradosPara o ex-árbitro “as pessoas vão ver futebol não pelo desporto mas para libertarem o stress e as frustrações contra os árbitros”, comenta. Hoje, salienta, os agentes desportivos têm outra formação. Mas quando anda a apitar eram os próprios treinadores e dirigentes que incentivavam à violência. “Assisti a situações de treinadores que incentivavam os jogadores adolescentes a chamarem nomes aos adversários, a beliscá-los, a serem agressivos. Isto não é futebol”, salienta, acrescentando que “muitos jogadores são desequilibrados emocionalmente”. “Um jogador pode falhar um golo de baliza aberta mas não é perseguido, ameaçado e enxovalhado como um árbitro, que é o mais fácil de atingir. Quando apitou nos Açores protagonizou um episódio que deu notícia de jornal, da qual ainda guarda o recorte. A foto da notícia era um banco de suplentes de uma equipa completamente vazio. Pedro expulsou toda a gente do banco por comportamentos impróprios. Pedro Moreira diz que “é de louvar o espírito de sacrifício dos jovens que andam na arbitragem e que nos distritais passam as passas do Algarve”. Na altura em que apitava o dinheiro que ganhava mal dava para as despesas. Então porque é que nestas condições alguém vai para árbitro? “Quem é árbitro só anda nesta actividade porque tem uma grande paixão pelo futebol e pela arbitragem mas sobretudo tem uma grande coragem”.
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