“Já faço funerais há doze anos e às vezes também choro com as famílias”
Sandra Almeida, sócia-gerente da Agência Funerária Jorge Almeida
Sandra Almeida é sócia-gerente da Agência Funerária Jorge Almeida, no Sobral, concelho de Santarém. Começou a trabalhar naquele ramo de actividade há doze anos e diz que não foi fácil. Ainda hoje se emociona em funerais de crianças e de pessoas que conheceu bem em vida. Antes de ser agente funerária trabalhou no café da família que ainda continua a funcionar apesar de ter cada vez menos clientes. Tem dois filhos, um dos quais a estudar no ensino superior em Lisboa e com quem fala todos os dias pelo telefone. A Agência prepara-se para abrir uma filial em Pernes.
Em criança era normal brincar junto dos caixões porque o meu pai já tinha a agência. Mas não foi fácil habituar-me quando entrei na profissão há doze anos. Eu e a minha irmã estamos a dar continuidade a algo que começou há cinquenta anos. Começámos a trabalhar aqui quando o sócio do meu pai adoeceu. Ainda é habitual o meu pai ajudar-nos. No início, quando me deitava, só me lembrava dos rostos das pessoas mortas. O primeiro contacto que tive com um cadáver foi muito complicado. Agora já estou habituada e gosto do trabalho que faço, principalmente do contacto com as famílias. As pessoas estão a passar por um momento difícil e gosto de saber que posso ser útil e que posso ajudar. Confesso que às vezes também choro com as famílias. Os funerais de crianças e pessoas que conheço são os mais complicados. Algumas vezes estou a trabalhar e estou a chorar porque me coloco na pele da família. Por mais funerais que faça não consigo distanciar-me por completo. Fazer o funeral do meu avô e o do meu sogro foi muito difícil mas nessas alturas ganhamos forças que nem sequer sabíamos que tínhamos. Antes da agência trabalhei no café da família. Comecei aos 18 anos porque não quis estudar mais. Sabia-me bem ganhar o meu próprio dinheiro. Ficava atrás do balcão a atender os clientes. No entanto, deu-me orgulho e prazer ter completado o 9º ano com o programa das Novas Oportunidades. Quando somos novos não damos tanta importância aos estudos como quando somos adultos. É importante valorizarmos e aprofundarmos os nossos conhecimentos. O café é o ponto de encontro depois de almoço. Ainda mantemos o café a funcionar uma vez que não pagamos renda mas o espaço já não dá lucro. Cada vez há menos habitantes no Sobral e são quase todos idosos. Alguns já não saem de casa. Temos o nosso convívio depois de almoço que é quando as senhoras cá vêm tomar o café. Vamos abrir uma filial da agência em Pernes. Comprámos um espaço que vamos restaurar. Pernes é maior e tem mais habitantes. Temos que crescer e o Sobral começa a ser pequeno. Pretendemos chegar a outra franja da população. Em criança sonhava ser cabeleireira. Ainda experimentei e andei uns tempos a aprender mas percebi que afinal não era aquilo que idealizava. Gosto mais do que faço apesar de ser uma profissão carregada de emoções fortes e onde é preciso ter um grande controlo. A família é um escape para o meu trabalho. Depois de funerais mais complicados dá-me vontade de chegar a casa e abraçar os meus filhos. Todos os dias falo com o meu filho mais velho que está na universidade. Tenho dois rapazes, um com 18 anos e outro com 9. O mais velho entrou para a universidade em Lisboa, onde está a tirar o curso de engenharia electrónica. As saudades são muitas e foi difícil adaptar-me à distância mas as novas tecnologias ajudam. Todos os dias lhe mando uma mensagem durante o dia e à noite falamos ao telefone. Estamos a apenas uma hora de distância mas ando sempre com o coração nas mãos.
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