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Sexualidade das pessoas com deficiência continua a ser tabu

Sexualidade das pessoas com deficiência continua a ser tabu

Ana Simão é a menina dos ossos de cristal que se estreou no romance de ficção. Ana Simão é a autora de “A Menina dos Ossos de Cristal”, livro que foi recentemente incluído no Plano Nacional de Leitura. Sofre de uma doença rara chamada osteogénese imperfeita e decidiu contar a sua história de vida nessa obra publicada em 2014. O livro foi considerado um sucesso de vendas e a autora decidiu agora aventurar-se no romance de ficção. “Naquela Ilha” passa-se na ilha da Berlenga, em Peniche. O livro foi lançado em Julho, em Santarém, terra natal de Ana e onde continua a viver a antiga funcionária da Câmara de Santarém.

“As pessoas continuam a achar que quem tem deficiência não tem direito à sua sexualidade. É um assunto que continua a ser tabu. Os homens não querem uma mulher com algum tipo de deficiência. Senti isso na pele”. A opinião é de Ana Simão, autora do livro “A Menina dos Ossos de Cristal”, que lançou em Julho o seu segundo livro “Naquela Ilha”, a sua estreia no romance.
Ana é portadora de osteogénese imperfeita, uma doença rara que faz com que os ossos do corpo se partam com muita facilidade. Essa condição afectou sempre a vida da antiga funcionária da Câmara de Santarém, que se viu obrigada a aposentar-se aos 45 anos devido à doença que a acompanha desde que nasceu. Em criança, Ana Simão fez sempre muitas fracturas, o que a obrigou a muitos períodos internada nos hospitais.
“Os anos lectivos estavam constantemente a ser interrompidos por causa das fracturas. Aos 15 anos ainda só tinha conseguido fazer a quarta classe porque não conseguia acompanhar as aulas. Os meus pais queriam proteger-me e achavam que devia parar de estudar e começar a trabalhar na costura, para não sair de casa. Foi uma luta muito grande para continuar a estudar mas aos 20 anos consegui concluir o 11º ano. Foi um esforço enorme para recuperar tantos anos lectivos”, recorda a O MIRANTE.
Esse esforço nos estudos fez com que não tivesse vivido a adolescência, uma fase que, diz, fez-lhe falta. “Tenho 50 anos e gosto muito de sair à noite, talvez porque passei a minha adolescência internada em hospitais. Sinto que passei de criança a adulta devido à minha doença, ao contacto com muitos adultos e tive que crescer à força”, explica. Os anos da escola também foram complicados uma vez que, admite, os professores não conheciam a sua doença. “Na altura da escola primária perdi o andar e senti-me excluída porque os professores achavam que eu não devia ir ao recreio. Ficava na sala sozinha durante os intervalos e não convivi com as crianças da minha idade”.
Apesar das adversidades, Ana nunca baixou os braços e lutou sempre pela sua vida. Aos 20 anos, depois de completar o 12º ano, começou a trabalhar na Câmara de Santarém. Começou como telefonista e decidiu investir na sua formação académica. Licenciou-se em Gestão de Recursos Humanos. Trabalhava de dia e estudava de noite. Viveu durante 25 anos sem qualquer fractura óssea. Até que em 2009 sofreu um acidente que complicou um pouco a sua mobilidade.
Ana Simão tem que fazer fisioterapia de vez em quando e estava num ginásio, numa clínica de fisioterapia, quando caiu na primeira vez que andou numa passadeira rolante. “Os braços sofreram imensas fracturas. Os médicos no hospital não sabiam o que haviam de fazer. Foram três anos de cirurgias, sempre a piorar. Agora não consigo esticar os cotovelos e é uma situação irreversível. Quando pensava que a doença estava estabilizada aconteceu este acidente que obrigou a uma nova reviravolta na minha vida”, afirma.
Contrariada, aceitou os conselhos médicos e reformou-se aos 45 anos. Durante algum tempo não conseguiu falar sobre o assunto e a psicóloga que a acompanha aconselhou-a a colocar as suas emoções no papel. Foi assim que tomou forma “A Menina dos Ossos de Cristal” que conta a sua história de vida. “Exponho-me muito neste livro. Falo da minha experiência com a doença e também da forma como eu aceitei melhor a minha condição do que a minha mãe, que não sabia lidar com a situação. Falo da forma como a doença afectou as minhas relações amorosas”, relata.

As barreiras do dia a dia

Ana Simão considera que Santarém tem barreiras arquitectónicas que impedem pessoas com deficiência de usufruir da cidade. “Tenho muita dificuldade em usufruir do que a cidade tem para oferecer. Como utilizo cadeira de rodas para me deslocar para locais mais distantes de casa não consigo ir à cidade. De dia ainda posso ir de autocarro mas à noite não tenho como voltar para casa”, explica, acrescentando que a parte mais nova da cidade já tem locais com rampas de acesso.
A escritora lamenta não poder usufruir, por exemplo, da iniciativa “Verão.in Santarém…é um espanto” uma vez que muitos dos espectáculos decorrem à noite. “Santarém é agradável, principalmente no Verão. Gostava de poder usufruir muito mais da cidade”.

“Naquela ilha” é a sua estreia no romance de ficção

Ana Simão começou a escrever aos 45 anos e apaixonou-se pela escrita. Confessa que escrever tornou-se uma terapia. “Escrever começou por ser apenas para exteriorizar as minhas emoções. Depois começou a tomar outra forma e pensei que poderia publicar um livro com a minha história de vida. Escrever é uma terapia e é mágico porque permite-me viver muitas vidas, permite viajar, atrás de um computador”, reflecte. “A Menina dos Ossos de Cristal” foi publicado em 2014 e considerado um sucesso de vendas, tendo sido recentemente incluído no Plano Nacional de Leitura, um projecto do Ministério da Educação, que conta com o alto patrocínio do Presidente da República.
Após a primeira obra, Ana aventurou-se a escrever um romance. “Naquela Ilha” é o título do seu segundo livro que foi lançado em Julho, em Santarém. “Naquela Ilha” conta uma história de amor que se passa na Berlenga, pequena ilha ao lado de Peniche. A ideia desta história surgiu depois de ter apresentado “A Menina dos Ossos de Cristal” em Peniche.
Ana pesquisou e documentou-se antes de começar a escrever. “A magia da Berlenga é precisamente não ter lá nada. Aquela ilha faz o corte com o mundo, ali conseguimos fugir. Sempre que saem da ilha, as cerca de duas dezenas de pessoas que lá vivem dizem que vão ao mundo. Ali não há stress, a rede de telemóvel é quase inexistente, a água doce vem do continente, existe pouca luz e tem que ser tudo muito bem gerido. É um mundo fora da civilização. Quem lá vive diz que a ilha é o mundo puro sem a maldade do homem”, explica.
Ana Simão refere que este é o seu primeiro romance de ficção mas afirma que um escritor acaba sempre por colocar as suas experiências de vida nas suas histórias. Demorou mais de um ano a terminar a história, também porque esteve cerca de quatro meses parada devido a um internamento. Ainda não está a escrever o próximo livro mas pensa em fazê-lo. Publicá-lo depende da vontade das editoras. “Encontrei um novo caminho na minha vida, que me realiza bastante”, conclui.

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