uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante
Um carpinteiro com paixão pelas letras

Um carpinteiro com paixão pelas letras

Duarte Piedade nasceu na Brogueira, concelho de Torres Novas, há 92 anos. Gostava de ter sido professor mas os pais não tinham posses para que continuasse a estudar. A paixão pela escrita surgiu depois de outra paixão: a da leitura. Vai apresentar no dia 8 de Outubro, em Torres Novas, o quinto livro.

Duarte da Piedade tem 92 anos e uma memória invejável. A paixão pela escrita surgiu depois da paixão que desde pequeno teve pelos livros. No dia 8 de Outubro vai lançar o seu quinto livro intitulado “Escrevo para compreender as coisas…”, na Biblioteca Municipal Gustavo Pinto Lopes, em Torres Novas. O seu maior sonho era ter sido professor mas os pais não tinham possibilidades financeiras para que continuasse a estudar além da quarta classe. Depois de concluir os estudos na Brogueira, pediu ao professor para ficar a ajudá-lo e conseguiu. Ensinava os alunos da primeira e segunda classes e quando o professor faltava dava também aulas à terceira e quarta classes.
Entretanto, deixou a escola e começou por fazer pequenos trabalhos em madeira como construir pés para móveis e arcas, apoios para colocar o candeeiro a petróleo, entre outros. Aos 13 anos seguiu as pisadas do pai e começou a trabalhar como carpinteiro. Quando não havia trabalho ia para o Carregado com o irmão cavar vinha. Os tempos livres eram dedicados à sua grande paixão: a leitura. Em criança, tomou-lhe o gosto depois de ouvir um rapaz mais velho ler-lhe uma história.
Um dia, quando tinha 11 anos, foi à Feira Anual da Brogueira e comprou esse livro que tinha ouvido contar a história. E atrás desse vieram muitos. “Uma vez saí de casa, num domingo, com um livro debaixo do braço, sentei-me ao lado de uma árvore e só saí de lá quando terminei de o ler”, recorda a O MIRANTE na sua casa em Torres Novas.

A entrevista imaginária a Hitler
Entre as muitas coisas que escreveu destaca a entrevista imaginária que fez a Adolf Hitler e uma peça de teatro que ele e os amigos adaptaram e levaram à cena na Brogueira. Aos 33 anos emigrou para Paris [França], onde viveu onze anos com a esposa com quem está casado há quase 70 anos. Em Paris conheceu Maria Lamas, escritora, jornalista e activista política natural de Torres Novas, com quem manteve contacto até à sua morte.
Regressou a Torres Novas com 44 anos e continuou a trabalhar como carpinteiro. Só depois de regressar de França é que começou a escrever com mais frequência. Escreveu muitas crónicas no jornal “O Almonda”, que estão agora publicadas no seu mais recente livro. Escreveu também no jornal “A República” e para a revista “Vértice”.
Militante do Partido Comunista Português (PCP), teve um papel activo na sua comunidade. Foi um dos fundadores e dirigente do jornal “A Forja”, publicado em Torres Novas durante cerca de cinco anos. Em 1946, foi um dos 24 elementos que propuseram a criação da Escola Industrial e Comercial de Torres Novas. É o sócio nº 2 da Associação de Reformados, Pensionistas e Idosos de Torres Novas. Foi ainda representante autarca de freguesia, eleito pelo PCP.
Na sua sala há uma máquina de escrever antiga e muitos, muitos livros. Não tem computador e quando precisa de ajuda com as novas tecnologias pede ajuda às netas, de 19 e 16 anos, que moram na mesma rua. A neta mais velha foi a responsável pelo grafismo do seu último livro. Tem telemóvel que utiliza só para falar com a família, que diz ser o seu maior orgulho.

“As pessoas estão a sair da Brogueira”

Duarte da Piedade nasceu e viveu na Brogueira até aos 23 anos, idade com que casou e foi viver para Torres Novas. Lamenta que a sua terra tenha perdido o “dinamismo” e “pujança” que tinha há meio século. “A Brogueira era muito diferente, hoje praticamente morreu. Antigamente, vivíamos em ditadura e mesmo assim as pessoas lutavam por uma vida melhor e era uma aldeia cheia de vida. Hoje, as pessoas desinteressaram-se. Havia tudo, desde tabernas, artesãos, professores, tudo. Os campos eram cultivados e agora estão ao abandono. A aldeia tinha sete lagares de azeite, agora não tem quase nenhum. Não há indústria e as pessoas estão todas a sair de lá. É uma grande tristeza”, afirma.

Um carpinteiro com paixão pelas letras

Mais Notícias

    A carregar...