“Moita Flores foi o melhor artista que passou pela Câmara de Santarém”
Carlos Oliveira “Chona”, 68 anos, é uma das almas do Festival Internacional de Teatro e Artes para a Infância e Juventude (FITIJ), que decorre em Santarém de 1 a 9 de Outubro. Nos mais de 50 anos de ligação ao teatro foi actor, autor, produtor, encenador e ajudou a criar vários grupos. É uma voz escutada na cidade, onde também é autarca.
Os políticos nacionais têm mais jeito para a tragédia ou para a comédia? (risos) Acho que há uma tendência congénita para a tragédia.
Mas há alguns políticos que o fazem rir... Tento sempre levar as situações com um sorriso, porque isso ajuda a amenizar a tragédia. Os políticos, pelo menos aparentemente, encaram tudo sempre com uma grande seriedade, mostram-se muito preocupados...
Isso faz deles uns bons actores? Exactamente. Quem sabe se não dariam uma boa companhia de teatro profissional governamental. Ainda ninguém se lembrou disso, porque artistas temos e muitos... E alguns deles muito bons. Conseguem-nos enganar de tal maneira que nós acreditamos neles.
Qual foi para si o melhor “artista” que passou pela Câmara de Santarém? Moita Flores! A palavra artista tem várias leituras... Mas numa leitura de artista como alguém que é capaz de através das suas actuações, da sua postura, iludir - e um actor de teatro tem essa missão de iludir o público, de fazer com que as pessoas acreditem no que estão a ver como sendo real - Moita Flores terá cumprido cabalmente essa missão. Fez-nos acreditar de facto que seriam reais os seus propósitos que, depois, no final do espectáculo, se verificou não se concretizarem.
Qual era a primeira medida que tomava se um dia chegasse a vereador da Cultura da Câmara de Santarém? Substituía o pessoal e criaria uma equipa da minha confiança.
Isso quer dizer que o pessoal que lá está não serve? Não é isso que quis dizer, mas sim que gostaria de trabalhar com pessoas que normalmente me têm acompanhado nestas andanças das actividades culturais e nas quais deposito inteira confiança, pois têm demonstrado grande capacidade e conhecimentos.
Fazer cultura sem apoios públicos é uma utopia? Não é utopia, não é impossível mas torna-se mais difícil. Se tivermos alguém que nos ajude a comprar a roupa que vestimos, a roupa fica-nos mais barata e andaremos melhor vestidos. Penso que me faço entender.
Como é que, numa altura de crise, se consegue convencer as empresas a apostarem no mecenato cultural? O mecenato é uma cultura empresarial que não tem sido muito praticada em Portugal, como se esperaria inicialmente quando a lei foi criada.
As empresas não são muito sensíveis à questão da cultura? Não só. Toda esta crise económica e financeira dificulta isso. Mas também há empresários que entendem que as empresas podem ter também essa função socio-cultural na comunidade em que se inserem e tentam, na medida do possível, praticar esses apoios à cultura. Tal como há empresas com capacidade para isso que infelizmente não praticam esses apoios, apesar de contarem com benefícios fiscais. E depois há as grandes empresas que infelizmente só apoiam eventos culturais de grande dimensão onde podem mostrar a sua marca, dar nas vistas e consequentemente produzir lucros.
O Teatro Rosa Damasceno continua em ruínas e ao abandono. Ainda vale a pena lutar pela sua recuperação? A recuperação penso que é impossível, tal é o estado em que o edifício se encontra. No entanto uma construção nova, de raiz, que respeite a arquitectura da fachada e algum décor interior, parece-me aconselhável.
Ainda acredita que pode voltar a ver ali espectáculos de teatro? Sim, pois a área é suficiente para criar espaços multidisciplinares. Poderá haver um café, um restaurante, um espaço de venda de produtos regionais, um pequeno auditório... Mas sempre respeitando a arquitectura do nosso Rosa Damasceno, que a actriz bem merece em sua memória.
Santarém tem desde há várias décadas diversos grupos de teatro em actividade. É uma cidade com queda para as artes? Sim, Santarém tem valores mas, infelizmente, na sua maioria vivem no anonimato. No FITIJ tentamos dar visibilidade a alguns desses valores, nomeadamente jovens artistas plásticos, como vai ser o caso deste ano.
O programa de animação Verão In.Santarém, promovido pelo município em conjunto com diversas entidades, tem recorrido sobretudo à prata da casa. Quem não tem dinheiro não tem “josés carreras”? (risos) O ano passado foi um In.Santarém experimental, que resultou em muitos aspectos e noutros nem tanto. Foram feitas correcções para 2016 e o programa deste ano, pela grande diversidade e qualidade dos trabalhos apresentados, terá mostrado um salto qualitativo.
Não falta um golpe de asa? O tal espectáculo que mobilize multidões? A prata da casa é uma aposta a continuar, pois é com o envolvimento dos agentes culturais locais que a cidade tem que viver, mas de facto falta um grande evento que consiga cativar públicos fora do concelho.
Esteve envolvido como candidato nas últimas eleições autárquicas, nas listas da CDU com independente, e foi eleito para a Assembleia da União de Freguesias da Cidade de Santarém. Tem gostado de representar esse papel? Sim, é uma experiência interessante. Se bem que por vezes é difícil em termos de relacionamento porque as pessoas vestem muito as camisolas dos partidos. E é difícil despirem-na para darmos as mãos e caminharmos juntos em prol da resolução dos problemas e de uma cidade melhor para todos.