Relatório da PJ sobre surto de Legionella cria um assunto onde ele não existe
Presidente da Ordem dos Advogados de Vila Franca de Xira dá pouca credibilidade ao documento. Relatório da Judiciária conclui que a disseminação da bactéria pode não constituir crime de poluição com perigo comum. Mas há outros crimes pelos quais os arguidos podem vir a responder.
O facto da Polícia Judiciária ter concluído no seu relatório final da investigação ao surto de Legionella de Vila Franca de Xira que a disseminação da bactéria pode não constituir um crime de poluição com perigo comum, não invalida que os arguidos do processo - duas empresas e vários técnicos - não venham a responder por outros crimes mais gravosos, de onde resultaram a morte de 14 pessoas.
O entendimento é de Paulo Rocha, presidente da delegação de Vila Franca de Xira da Ordem dos Advogados, que atribui pouca credibilidade ao documento da Judiciária - cujo teor foi divulgado esta terça-feira pelo Diário de Notícias - e diz mesmo que a revelação do relatório na terça-feira, dia 27 de Setembro, “cria assunto onde ele não existe” e que é fruto da máquina de comunicação da PJ. Entidade que, considera o advogado, quer tirar louros de um caso onde é “a entidade menos preparada” para o investigar.
A O MIRANTE Paulo Rocha diz que as vítimas não devem desistir e não devem ficar desmoralizadas pelo conteúdo do documento, porque só depois de deduzida uma acusação é possível ver até que ponto as duas maiores arguidas do processo - as empresas ADP Adubos de Portugal e General Electric - responderão por outros crimes.
“É muito prematuro dizer que o processo está ou não comprometido com base numa investigação da PJ que, diga-se, é a entidade menos preparada neste caso. Está apenas a tentar retirar protagonismo. Quando praticamos um acto ele pode ser tratado de diversas formas, há muitas maneiras de matar. Se se conseguir provar um homicídio, que determinada pessoa morreu por causa de uma bactéria que saiu de determinada empresa, então o processo não está perdido. Será o Departamento de Investigação e Acção Penal (DCIAP) a decidir e a avaliar que crimes foram efectivamente cometidos”, refere o advogado.
Algumas vítimas do surto, escutadas pelo nosso jornal perto do fecho desta edição, também não se mostraram preocupadas com o relatório da Judiciária porque consideram que serão os juízes do DCIAP a quem caberá deduzir acusação.
Catorze mortos e 403 infectados
Recorde-se que o relatório da PJ sobre o surto, que infectou 403 pessoas e matou 14 em Novembro de 2014 no concelho de Vila Franca de Xira, aponta para que a disseminação da bactéria através das torres de refrigeração industrial, mesmo causando perigo para a vida ou integridade física, poderá não constituir crime de poluição com perigo comum porque não há legislação específica sobre a fiscalização e verificação da legionella, mas apenas um documento que mais não é que uma recomendação e guia de boas práticas sobre a matéria. A Judiciária resume a tragédia como sendo fruto de um “conjunto de infelizes omissões coincidentes no tempo”.
No mesmo documento a PJ reparte responsabilidades entre a Adubos de Portugal - cuja torre número oito terá sido identificada como o principal foco da bactéria - e a General Electric, empresa contratada pela ADP para a fiscalização e monitorização das torres de refrigeração mas que aquela polícia entendeu estar a prestar serviços que não correspondiam à sua exigência de qualidade.
Ministro disponível para rever a lei
O ministro do Ambiente também reagiu ao relatório da Polícia Judiciária sobre o assunto considerando que nunca o viu e que “o que interessa é a decisão do Ministério Público” e não a opinião daquela força policial. João Pedro Fernandes mostrou-se no entanto disponível para rever a lei caso se confirme um vazio legal no que toca à obrigatoriedade da fiscalização dos sistemas de refrigeração.
O governante explicou ainda que “se o Ministério Público confirmar que não há forma de confirmação por ausência de legislação, torna-se vazio legal e o Governo está muito disponível no sentido de rever a lei e ir ao encontro de melhores práticas legislativas que existem noutros pontos da Europa”, por considerar que se trata de uma questão de saúde pública.