Popular Serafim das Neves
Estou feliz. A tradição ainda é o que era apesar de muitas revoluções e contra-revoluções, revoltas e contestações. A agência noticiosa do Estado noticiou e os jornais amplificaram, como mandam as regras, a boa nova que tanto me alegra. Na sexta-feira passada, em Abrantes, Mação e Ferreira do Zêzere, o bom povo saiu à rua para aplaudir a secretária de Estado da Justiça. A governante foi apanhada de surpresa e deve ter lamentado não ter trazido um cesto com bolos e missangas para atirar à populaça, como é hábito fazer-se nestas alturas, mas ficará para outra vez.
A senhora, de sua graça, Helena Mesquita Ribeiro, disse à agência que tinha ido reabrir os tribunais daquelas terras para “garantir coesão territorial, coesão social e igualdade de oportunidades entre quem nasce na cidade e quem nasce em meios menos favorecidos”. Eu não percebo o que ela quis dizer com aquilo mas se já ouvi aquela tirada da boca de tanta gente diferente, é porque deve ser coisa importante.
Seja como for o bom povo nunca precisou de pretextos para ir aplaudir reis e governantes, chamassem-se eles D. Pedro ou Américo de Deus Thomaz. O simples facto de eles abandonarem as comodidades da capital para nos visitarem aqui nos confins da pátria, muito para lá do sol posto, sempre foi merecedor de umas boas salvas de palmas e hurras de satisfação. No meio da alegria popular só foi pena ninguém se ter lembrado de dar uma ou duas fitas à senhora para ela tesourar.
Mas voltemos aos factos. Abrantes tem para cima de trinta e nove mil habitantes. Em Ferreira do Zêzere residem umas oito mil e quinhentas alminhas e em Mação são sete mil e tal. Não admira que, como diz o escriba de serviço na prosa amplificada pela comunicação social, os tribunais tenham enchido. Eu por mim, assim que ouvi a palavra enchido deitei logo as unhas a uma bela chouriça que tinha à mão e foi zumbar nela com um denodo que nem te conto.
Ainda bem que já lá vão os tempos em que Mários Nogueiras com e sem bigode ululavam à passagem de governantes e assassinavam a Grândola Vila Morena com a mesma aplicação com que o bom povo assassina o hino nacional antes dos jogos da selecção. A descrispação de que fala Marcelo é excelente para uma boa digestão, como nos dirá qualquer nutricionista.
Também fiquei a saber que as obras de consolidação das encostas de Santarém já podem avançar porque o Tribunal de Contas assim o decidiu. Como sabes era uma obra que já era desejada no tempo da ocupação árabe, quando Santarém ainda nem sequer se chamava Santarém. Para muitos demorou-se demasiado tempo. Para mim é apenas a constatação de que não gostamos de fazer as coisas à fussanguice porque já aprendemos que a pressa dá sempre mau resultado.
Nos tempos mais recentes tenho verificado a eficácia do Simplex que agora se chama Simplex Mais. Tenho a dizer-te que é um serviço que usa a internet para facilitar a vida dos cidadãos mas que, talvez por influência dos sindicatos, não põe em risco postos de trabalho dos serviços públicos que tanta falta fazem, nem desliga os cidadãos do mundo real.
Para perceberes que não estou a brincar dou-te um exemplo. Imagina que és doente crónico e tens que tomar regularmente certos medicamentos. Para evitar teres que ir ao Centro de Saúde todos os meses pedir receitas passou a ser possível pedi-las através da internet. E não é tudo. Como depois tinhas que ir ao Centro de Saúde levantar a receita houve alguém que teve a boa ideia de inventar as receitas electrónicas e agora a receita é-te enviada para o telemóvel ou para o e-mail.
Claro que havia o risco de acabares por te esquecer onde ficava o Centro de Saúde e de perderes o contacto com as simpáticas funcionárias que antes vias com regularidade. Havia mas já não há porque os “ingenhêros” pensarem em tudo e no fim, por mais internauta que sejas, acabas sempre por ter que meter os pés ao caminho e ir ao Centro de Saúde pagar a taxa moderadora e matar saudades do pessoal. Já não falando na possibilidade de apanhares um viruszito na sala de espera. Podes dizer que era fácil mandarem-te as referências para fazeres o pagamento no multibanco ou mesmo através da tua conta de homebanking. Pois, fácil era, mas não era a mesma coisa. Desumanizava-se o serviço, Serafim. E nós não somos robots, não é verdade?
E por aqui me fico que tenho que ir ao IMT tratar da mudança de morada na carta. O serviço online falhou e em vez de o arranjarem, voltaram a mandar o pessoal ir até lá para incentivar as caminhadas, presumo eu. Esta gente está sempre a pensar na nossa saúde.
Saudações Complex Menos
Manuel Serra d’Aire