Desperdício
Uma em cada cinco famílias em Portugal encontra-se em situação de insegurança alimentar por não ter acesso a uma alimentação saudável e por receio de não ter o que comer por motivos financeiros.
O desperdício é uma das marcas do nosso tempo que mais me incomoda. Basta pensar no desperdício que nos caracteriza para perceber que “esta coisa” não pode ter um final feliz. Algo vai ter que mudar radicalmente. No mínimo é estranho, ou seja, para sermos mais corretos, é inaceitável um mundo em que a percentagem de obesos é semelhante à percentagem de pessoas com fome. Para cada americano consumir cerca de 120 quilos de carne por ano e um português mais de 90, há muita gente que passa fome. Num recente estudo, realizado por uma universidade portuguesa idónea, soube-se que uma em cada cinco famílias em Portugal encontra-se em situação de insegurança alimentar por não ter acesso a uma alimentação saudável e por receio de não ter o que comer por motivos financeiros. Vejam bem onde chegámos em 2017, tenho vergonha deste resultado civilizacional. Isto tem que nos incomodar e não temos a “desculpa” de ser lá longe: são os nossos vizinhos, colegas, amigos e família. Que raio de “coisa” é esta em que vivemos? Esta realidade não pode deixar ninguém descansado. Cada um dos candidatos a autarca que este ano nos vão bater à porta tem muito que se inquietar com isto. Tudo o resto é muito secundário. A realidade alimentar nacional conduz a graves problemas de saúde e outros males associados. Pode ler-se no referido estudo: “os portugueses com maus hábitos alimentares são os que mais revelam sintomas depressivos e também os que fumam e bebem com mais frequência.” Mas não nos iludamos, não existe só uma questão alimentar, pois vivemos num mundo que tudo desperdiça e estraga. Perdemos a mais elementar noção dos bens comuns que são essenciais à vida. A água é algo que pouco ou nada se paga, saindo pela torneira e escoando-se pelo ralo, num ciclo sem fim. A chuva é-nos apresentada como uma coisa má e de risco. Preveem-se algumas pingas e o “alerta amarelo” é natural; o anormal é chover e isso não faz falta nenhuma às alfaces, cultivadas sabe-se lá como, que chegam de milhares de quilómetros a um custo que não paga uma folha.
Com a energia é o mesmo, barata e acessível, sem qualquer espécie de problema associado: é um bem adquirido e seguro. Sobre outros recursos naturais, como o solo, então nem vale a pena falar. A pergunta mais comum, a este respeito, é: “solo, isso é o quê?” Que a abençoada biodiversidade que nos sustenta nos perdoe.
Carlos Cupeto
Universidade de Évora