Fez seis mil quilómetros para ser julgado em Santarém e acabou absolvido
Cidadão romeno colaborou com a justiça numa situação de que não há memória no tribunal. Até se conseguir encontrar o arguido, que na altura ficou a aguardar julgamento com a medida de coacção menos gravosa, a de termo de identidade e residência, o tribunal teve de recorrer a várias diligências até chegar ao Sistema Nacional de Informação Schengen, que em contactos internacionais descobriu o paradeiro de Tofaleanu, actualmente com 49 anos.
Este caso pode não ser raro na justiça portuguesa mas foge à normalidade. Não há notícia que alguma vez tenha acontecido no Tribunal de Santarém um arguido estrangeiro ter viajado seis mil quilómetros (ida e volta) para ser julgado em Portugal. Mas o facto é que o romeno Tofaleanu Gheorghe apresentou-se aos juízes em Santarém, para responder pelos crimes de furto e de falsificação de documentos, quando a justiça portuguesa não raras as vezes não consegue levar à sala de audiências arguidos de nacionalidade portuguesa por não conseguir localizá-los. Neste caso o romeno, que trabalhou em Portugal e regressou ao seu país de origem após ter ficado doente, acabou por ficar com o cadastro limpo porque o crime de furto já tinha prescrito e foi absolvido dos de falsificação.
O caso tem origem em Setembro de 1998, quando Tofaleanu, então com 30 anos de idade, trabalhava na construção da ponte Salgueiro Maia, entre Santarém e Almeirim, inaugurada em 11 de Junho de 2000. Foi nessa altura que o trabalhador foi acusado de ter furtado um cheque com o vencimento de um colega português que também estava nas obras da ponte e de ter levantado o cheque com o nome de outra pessoa de nacionalidade romena, a quem tinha retirado o passaporte, tendo falsificado a assinatura. Desta forma, dizia a acusação do Ministério Público, conseguiu levantar na agência de Santarém do então Banco Pinto & Sotto Mayor os 177 contos do cheque (cerca de 882 euros).
Em Outubro de 2001 o tribunal declarou o arguido contumaz, ou seja impedido de tratar de documentos nas instituições portuguesas, e emitiu mandados de detenção, sem qualquer efeito. Um ano depois o juiz manda averiguar se o nome consta das bases de dados do Serviços de Identificação Criminal e da Segurança Social, tendo obtido respostas negativas. Fez ainda uma tentativa de localização junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras que não conhecia a pessoa “porque não estava referenciado”.
O gabinete nacional de informação do espaço Schengen, a quem o tribunal recorreu posteriormente, foi quem desenrolou o processo ao informar em 2015 que o arguido tinha sido localizado num controlo policial de fronteira, em Petea, na Roménia, tendo sido registada a morada da sua residência actual. Com esta informação Portugal contactou as autoridades romenas para que estas notificassem Tofaleanu da data do julgamento, marcada para Outubro de 2016. Este compareceu na audiência e depois de prestar declarações foi dispensado de estar presente na leitura do acórdão, que lhe foi comunicado por escrito.
Mas o que é que aconteceu para que o tribunal não soubesse do arguido? Segundo o processo, em julgamento Tofaleanu explicou que esteve cerca de um mês a trabalhar para uma das empresas envolvidas na construção da ponte, de onde saiu com problemas de saúde. Foi submetido a uma cirurgia ao fígado e depois de recuperar da operação ainda trabalhou seis meses em Portugal, em Portimão, no Algarve, antes de voltar à Roménia.