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“As rivalidades doentias são más para o associativismo”

“As rivalidades doentias são más para o associativismo”

João Gaudêncio foi o galardoado deste ano com o Prémio Carlos Gaspar, atribuído pela Junta de Freguesia de Samora Correia. Um tributo a um homem que tem dado muito do seu tempo ao movimento associativo da cidade. É presidente da Casa do Povo e integra os corpos sociais de três outras associações.

João Gaudêncio Falua Gomes nasceu a 3 de Outubro de 1940 em Samora Correia e ali tem vivido até hoje, sempre comprometido com a comunidade e com o movimemto associativo local. Começou a trabalhar como aprendiz de carpinteiro aos 11 anos, o que o levou a ter de deixar a escola, mas tirou mais tarde um curso de contabilidade. Teve a sua empresa da área durante mais de 30 anos e já se encontra reformado. Ligou-se ao associativismo não com o objectivo de fazer dinheiro ou de saltar para a política mas por querer servir a terra e as suas gentes.

Hoje dirige a Casa do Povo de Samora Correia, é um dos responsáveis da Sociedade Filarmónica União Samorense (SFUS), pertence ao Conselho Fiscal da Fundação Padre Tobias e da Associação Recreativa e Cultural dos Amigos de Samora e está envolvido em muitos outros grupos da terra. A Junta de Freguesia de Samora Correia distinguiu-o no dia 13 de Abril com o Prémio Carlos Gaspar, atribuído anualmente a personalidades ou instituições que se tenham destacado pelos serviços prestados à comunidade.

Quando se começou a interessar pelo movimento associativo? Aos 18 anos, quando entrei na SFUS. Comecei naquelas comissões que se formavam para auxiliar nos eventos. Depois do serviço militar voltei para seccionista de ginástica. Toquei bateria na banda da SFUS durante 10 anos, mas tive de a deixar por causa da minha vida profissional. Estive sempre mais ou menos ligado às associações cá da terra, nem sempre no executivo porque a minha vida profissional não permitia, por vezes tinha de ser no conselho fiscal ou na assembleia geral mas pertenci quase sempre.

E também esteve ligado ao desporto? Sim, quando era jovem também tive paixão pelo futebol e joguei na Casa do Povo e na antiga FNAT, que é hoje a INATEL. Fui treinador do Samora. E hoje quando tenho tempo ainda gosto de ir ver os jogos.

Os desafios que o associativismo enfrenta hoje são os mesmos de antes? Não, porque a sociedade civil deu uma volta de 180 graus. Os meios são outros e costuma-se dizer “quanto maior é a nau maior é a tormenta”, mas a maior dificuldade mantém-se e é sempre a falta de dinheiro.

E como se supera essa dificuldade? É algo com que nós todos, todas as colectividades e associações, lutamos sempre. Tentamos não deixar morrer as coisas em Samora Correia, as tradições e especialmente a música, que é uma coisa que amo. Claro que não fazemos as coisas sozinhos, é preciso equipas e outros colegas a trabalhar connosco para conseguirmos fazer alguma coisa. E são essas equipas que agora faltam porque os jovens têm outros divertimentos.

E já não querem estar tão ligados às colectividades? Não, porque Samora está perto de Lisboa e dos grandes centros de divertimento. Hoje a maioria dos jovens com 18 anos tem carta e carro, desloca-se com facilidade para aqui e para acolá. Para os que trabalham, o trabalho torna-se mais stressante do que era antigamente e quando chega à sexta-feira querem é ir desanuviar, não querem vir meter-se no ensaio da banda. Mas temos cá duas escolas de música para ver se conseguimos agarrar os jovens, uma escola que funciona onde era a sociedade antiga, uma escola de teclas e cordas e guitarras e órgão e a escola de instrumentos de sopro que funciona nas novas instalações.

E ao entrarem para as escolas depois ficam com vontade de continuar na SFUS? Sim, mas há sempre uma parte que vai saindo. As raparigas vêm para aqui até aos 18 e depois começam a namorar e se o namorado não gostar da música ou tiver outros afazeres e gostarem de ir passear ao fim-de-semana para as discotecas e para aqui e para ali, elas saem. Os rapazes aguentam-se mais, mas em 20, podem cá ficar 3 ou 4. Tenho tentado mantê-los cá, mas nem sempre consigo. Mas estou orgulhoso de ter aí já um jovem que faz parte da banda e também faz parte da direcção e outro jovem muito promissor que é secretário da direcção. Enfim, temos feito o possível para que eles sigam o caminho do associativismo.

Que características são essenciais no associativismo? A pessoa tem de ser humilde para aprender com os mais velhos. Eu fui humilde e aprendi muito com o Carlos Gaspar. Ele estava na biblioteca na antiga SFUS e era um homem muito experiente. Através da biblioteca e da leitura e conversação, fomo-nos embrenhando nisto da escola que ele criou. Aprendi muito com ele e os jovens têm também muito a aprender connosco que cá andamos há mais tempo.

E de que forma tentam contornar o problema da falta de dinheiro? Vamos organizando iniciativas. Não temos interesse em ter uma orquestra que não se mostre. Fizemos aqui actividades no Dia do Pai, no Dia da Música, e vamos às escolas para ver se entusiasmamos mais os jovens e as crianças a virem, pois a partir do momento em que eles estejam cá, começam a ver como isto funciona e há uns que se interessam. E precisamos que haja novas gerações porque nós estamos a ficar velhos e precisamos que venham pessoas novas.

As autarquias apoiam financeiramente o suficiente ou podiam fazer mais? O dinheiro nunca chega mas a Câmara de Benavente e a Junta de Samora dão-nos apoio financeiro e logístico. Temos um rancho folclórico que se desloca de norte a sul do país no autocarro da câmara por um preço razoável, e a banda e a orquestra também. E a junta também ajuda, mais às vezes com a logística do que monetariamente. Os instrumentos são caros, é preciso pagar-se aos professores, por isso o dinheiro nunca chega mas não posso dizer que temos razão de queixa com a câmara e a junta.

As associações funcionam também como uma forma de manter as pessoas unidas? Sim mas em Samora há alguma desunião. Não quer dizer que nos outros lados não haja mas há alguma desunião cá entre as colectividades. Às vezes há um bocado de bairrismo doentio e isso é muito mau para as associações e não ajuda nada nem ninguém. As pessoas devem estar unidas, devem combinar as festas, devemos ir às festas dos outros e os outros virem às nossas. É uma coisa que não compreendo, há vezes em que ouço “ah, se aquele rancho for não vou” ou “se aquela banda for não vou” e não percebo isso.

Mesmo entre os mais novos há essa rivalidade? Há menos e nós queremos que acabe. Queremos que os mais novos se unam para que haja mais entreajuda nas várias associações e para que se possa combinar eventos. Se as coisas não forem assim é Samora Correia que perde.

E há rivalidade entre colectividades de diferentes áreas? Há porque a rivalidade não é entre as colectividades propriamente ditas, porque são abstractas, mas entre as pessoas. As pessoas é que têm de se mentalizar de que devem fazer o melhor que podem e sabem pela colectividade que estão a dirigir mas deixar os conflitos pessoais para trás das costas. Nós estamos aqui para defender o emblema e as questões pessoais não podem ter lugar aqui. Mas às vezes é um pouco como um combate de boxe: é preciso encaixar, mais do que dar. Engolir sapos, não vou nessa conversa: é preciso encaixar, perceber o que a pessoa quer e chegar a consenso, a falar com a pessoa.

Como se sente por receber o Prémio Carlos Gaspar? Sinto-me muito honrado porque é um prémio com o nome de um homem com quem convivi e com quem aprendi, um grande samorense. É uma distinção ao meu trabalho ao longo dos anos, é a distinção de uma vida.

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