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O homem reservado que é capaz de pôr uma sala a rir quando sobe ao palco
António Silva Mendes é actor amador há várias décadas

O homem reservado que é capaz de pôr uma sala a rir quando sobe ao palco

António José Silva Mendes é um dos melhores actores amadores da Chamusca

Tem uma carreira artística de quase sessenta anos. Começou no Teatro de Revista e teve muitos papéis em peças dramáticas. Foi sempre actor amador e foi dirigido por todos os encenadores da sua Chamusca Natal. Tem uma casa de móveis há cinquenta anos mas está a sair de cena da sua vida profissional. Do teatro não vai sair nunca.

A tinta das paredes da sala está a cair. Há uma estante sem livros, um espelho de corpo inteiro com rodas como os das antigas alfaiatarias e modistas, uma cristaleira sem vidros, um suporte em madeira para vasos e um carrinho de servir bebidas. Cada peça é de sua nação. Em cena, sentados a uma mesa escura, próximos um do outro, estão um jornalista e um actor amador. A luz do pequeno gravador acende-se e o diálogo tem início. Vai durar 58 minutos com dois pequenos intervalos.
António José Silva Mendes, 77 anos, um dos mais conhecidos actores amadores de teatro da Chamusca, provavelmente o mais cómico de todos os da sua geração, começa a falar. Saltita de tema para tema. Por vezes hesita. As maiores falhas acontecem quando quer referir nomes. Nessas alturas improvisa. Passa à frente. Faz o que sempre fez quando está em cena e tem uma branca. “Nessas alturas uma pessoa não se pode calar. Por vezes digo coisas sem sentido até me surgir uma palavra que me volte a colocar no sítio certo”.
O pano está a fechar-se sobre a sua actividade profissional de comerciante de móveis, ao fim de cinquenta anos. O jornalista adia por alguns minutos a parte da conversa relativa ao teatro. Quer alguns dados biográficos. António José Silva Mendes aceita a sugestão. Nunca foi de discutir os guiões. Os ensaiadores pediam e ele fazia o melhor que sabia. E trabalhou com todos os ensaiadores dos grupos de teatro da sua terra.
“Nasci na Chamusca em 16 de Novembro de 1940. Sempre aqui vivi. Tenho um irmão mais velho que emigrou para Angola e só regressou quando foi a independência. Eu sempre aqui vivi. Podia lá ter ido visitá-lo mas nunca fui. Fiz a escola primária mas não fiz o exame de admissão ao liceu. Desisti. Nunca gostei muito da escola”, confessa com um sorriso.
O relato segue pausado. “O meu pai, Eduardo Lima, era pedreiro. Tinha uma sociedade de construção e era sócio numa serração. Meteu-me lá a aprender o ofício. Quando casei o meu sogro tinha uma fábrica de malhas aqui ao lado, tinha uma outra loja de utilidades e vendia móveis. Convidou-me para vir para os móveis e aqui estou a fechar o negócio”.
É uma manhã de sábado e pouca gente passa na Rua Câmara Pestana, em frente à porta envidraçada da loja em liquidação. As aparentes falhas de memória em relação a nomes não são da idade. António José Silva Mendes sempre teve aquele problema. O que lhe valia quando começou a representar era o “Ponto”.
O “Ponto”, elemento responsável por “assoprar”, em voz baixa, as falas que deviam ser repetidas, em voz alta, pelos actores e que estava escondido do público num alçapão situado no centro-baixo do palco, já quase não existe mas existia quando António José Silva Mendes começou a representar e salvou-o de muitos embaraços.
“Um dia, já não me recordo quando, tive uma branca e por mais que improvisasse não conseguia encontrar o fio à meada. Aproximei-me tanto da caixa do ponto que quase meti a cabeça lá dentro”, conta a rir.
Não se lembra do nome do primeiro “Ponto” que conheceu mas diz que era um hortelão que vendia couves em Alpiarça e que por isso tinha que se levantar muito cedo. “Nos dias em que os ensaios se prolongavam noite dentro ele acabava por adormecer. Um dia até caiu do palco mas felizmente não se aleijou. Ele era muito bom. Muito bom mesmo. Soprava as falas muito bem. Tivemos depois um outro que não era tão bom. Não conseguia sussurrar e o que ele dizia aos actores ouvia-se nas primeiras duas filas”.
A entrada de António José Silva Mendes para o teatro começou por um convite para ser contra-regra numa peça que estava a ser ensaiada pelo Grupo de Teatro Amador do Montepio. Era ele que marcava a entrada e saída dos actores em cena e diz que chegou a ensaiar um ou outro pequeno papel mas a peça, que se chamava “Os Pimentas”, não chegou a ser apresentada.
“Era para ir à tropa quando começou a guerra mas acabei por não ir. Os meus pais chegaram a falar com alguém mas não sei se não fui por causa desse pedido ou por outro motivo. Safei-me é o que interessa. Em vez da tropa tive o teatro”.
A estreia como actor foi numa Revista, género teatral de gosto popular constituído por quadros marcados pela sátira social e política, separados por números musicais e de dança.
“Nessa altura, quem dinamizava o teatro na Chamusca era o João Samouco da Fonseca, que agora vive em Lisboa. Ele escrevia as peças, as cantigas, ensaiava. Era muito criativo e inteligente e também muito exigente. A Revista onde tive os primeiros papéis chamava-se “Cepa Torta”. Quem a representava era o Grupo Cénico do Montepio União Chamusquense. Foi um sucesso tão grande que fizemos uma digressão. Fomos de Ponte de Sôr a Vila Franca de Xira com passagem por muitas outras terras e sempre com sucesso”, recorda.
O Grupo Cénico do Montepio União Chamusquense, apesar de amador, mobilizava para cima de sessenta pessoas. Era uma grande estrutura que confirma a ideia de que a Chamusca é uma terra de artistas e artesãos. Os cenários, o guarda-roupa, a iluminação improvisada a partir de projectores feitos com latas da antiga fábrica do tomate, a Spalil, controlados por uma mesa de mistura feita por um dos elementos...tudo era feito por voluntários.
A música para os textos de João Samouco da Fonseca era feita por um correeiro chamado António Arrenega. Muitas músicas das várias revistas apresentadas com grande sucesso foram gravadas e passavam na Rádio Ribatejo. “Os cenários tinham dez metros por sete e eram feitos por verdadeiros artistas. Pintores, desenhadores, carpinteiros. E ninguém faltava aos ensaios porque o ensaiador era muito rigoroso e todos lhe tinham respeito”, explica.

“Enquanto me convidarem e eu puder irei sempre ser actor”

Quando andava na escola António José Silva Mendes não era um miúdo com graça e nunca se lembra de fazer pantominas ou de tentar fazer rir, fosse quem fosse. Na sua vida profissional também não é de andar sempre a contar piadas. “Falo com muita gente e sou simpático mas de um modo geral até sou reservado”, diz.
Quem o viu encarnar personagens simplórias no teatro de revista diz que não há outro actor amador que tenha tanta graça como ele. “Os encenadores diziam-me para fazer assim ou assado e eu fazia e realmente verificava que a sala ria com gosto. As pessoas achavam-me muita piada”.
Quem nunca achou muita piada aos ensaios até tarde foi a sua esposa, Eduarda Maria. O MIRANTE quer saber se não seriam ciúmes uma vez que havia mulheres no Grupo. O actor jura que não. “Confesso que uma das razões porque fui para o teatro foi por haver lá raparigas. Estávamos em 1960/61, os tempos eram outros e eu tinha vinte anos. Tive alguns namoricos mas nada sério. A sério foi com a minha mulher que, por acaso, não conheci no teatro porque ela nunca sentiu inclinação para representar apesar de gostar de ir ao teatro”.
Devido à sua experiência como actor continua a ser convidado por companhias amadoras do concelho ou ligadas ao concelho. Recentemente participou em algumas sessões de “Mil e Uma noites”, um projecto conjunto da Chamusc’Arte, (Chamusca), Poucaterra (Entroncamento) e Teatro da Meia Via (Torres Novas).
Antes, foi actor em algumas peças da Companhia de Teatro do Ribatejo e do Grupo Fatias de Cá, de Tomar. Fez de Neruda na peça O Carteiro de Pablo Neruda; foi mordomo na peça de Shakespeare “Sonho de Uma Noite de Verão”. E fala dos outros desafios teatrais que o aguardam se quiserem contar com ele para os enfrentar.

“Ideia de recriar as entradas de toiros nasceu no Centro Cultural Chamusquense”

Um dos momentos altos da Semana da Ascensão na Chamusca é a entrada de toiros pela Estrada Nacional 118 que, dentro da vila, tem o nome de Rua Direita de S. Pedro.
Aquela recreação é feita para lembrar os tempos em que os toiros que eram lidados na tourada de Quinta-Feira vinham da Ganadaria até à Praça escoltados por campinos e entravam na vila, de madrugada.
Com a adopção do transporte dos animais em camionetas acabou aquela prática e foi só nos anos oitenta que a ideia de pôr de novo os animais a atravessar a rua surgiu. Quem a teve e concretizou foram elementos do então Centro Cultural Chamusquense.
Cinco ou seis anos mais tarde os dirigentes do mesmo solicitaram à câmara municipal que assumisse aquela tarefa por ter mais meios para o fazer. Na altura era presidente da autarquia Sérgio Carrinho (CDU) e foi com ele que se cimentou o actual figurino, tanto da entrada como da festa da Ascensão, que normalmente só decorria em dois dias.
Durante anos o responsável pela entrada era o ganadeiro António da Úrsula, de Santo Estêvão, que fornecia os animais (normalmente três toiros e vários cabrestos). Toda a operação logística e a nível de segurança era supervisionada pelo presidente da autarquia e pelo vice-presidente, Francisco Matias.
A entrada da Chamusca é a única entrada de toiros, das várias que são feitas, que implica o corte de uma estrada nacional durante vinte minutos.

A primeira e a última vez que a mãe foi ver o filho pegar um toiro

Natural de uma terra de tradições taurinas, António José Silva Mendes é, muito naturalmente, aficionado mas confessa que nunca se aproximou muito de um toiro, nem sequer de um novilho. E também não foi forcado quando era jovem como alguns amigos dele.
“Eu não fui forcado e o meu filho Filipe também não. Quem foi forcado foi o meu filho do meio, o Nuno é que foi forcado. Nessa altura eu acompanhava o grupo dele muitas vezes. A mãe não costumava ir mas um dia levei-a comigo a uma corrida na Figueira da Foz. Foi ela e a minha filha Maria S. João. Infelizmente aquilo correu mal e o Nuno, que era primeiro ajuda, ficou muito maltratado. A mãe chorava, a irmã gritava e foi a última vez que foram. Eu confesso que o facto de acompanhar o grupo não era só por gostar de ver touradas e ter orgulho no meu filho mas também porque ficava sempre preocupado quando eles iam pegar”.
António Mendes chegava a ir com amigos ver touradas a Espanha porque gosta muito do toureio a pé mas agora, com a idade já a pesar nas pernas, prefere assistir às transmissões através do Canal “Toros”. “Vejo todas as que são em Madrid e Sevilha”, revela.

O homem reservado que é capaz de pôr uma sala a rir quando sobe ao palco

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