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Idosos maltratados desculpam os familiares agressores por dependência emocional
Idosos desculpam os seus agressores por medo

Idosos maltratados desculpam os familiares agressores por dependência emocional

Dependência, dinheiro e amor na base do respeito ou falta dele perante os mais velhos. No Dia Mundial da Consciencialização da Violência contra a Pessoa Idosa, que se assinalou a 15 de Junho, O MIRANTE foi falar com instituições e idosos sobre um tema cada vez mais preocupante.

Mariana Branco sabe bem e sente na pele de noventa anos o quanto magoa a solidão depois de perder o marido com quem partilhou cinquenta anos de vida. Não tem filhos e os irmãos também fazem o que podem para lhe dar algum conforto. Com a partida do companheiro de uma vida, Mariana perdeu quase tudo o que lhe restava, sentindo-se tão sozinha e desamparada que sentia uma dor imensa a cada hora que passava e que só se curou com a entrada no lar. Está há oito anos na Casa de S. Pedro, um lar de idosos em Alverca, onde renasceu e recebe o carinho que a faz esquecer a dor no peito que sentiu quando se viu sozinha.
Em jovem nunca imaginou que viria a viver num lar porque imaginava que ia ser jovem sempre. Entre ter ficado em casa a receber apoio domiciliário, que o lar também proporciona, e o sistema de internato, prefere estar interna, porque “estar sozinha é muito triste” e magoa tanto ou mais que bofetadas. Sente saudades de trabalhar como costureira e de fazer crochet, prazeres roubados por um Acidente Vascular Cerebral (AVC) há cerca de um ano e que lhe deixou sequelas numa mão que perdeu a firmeza. Recebe visitas com regularidade do irmão e de alguns amigos de Alhandra, terra onde vivia, o que também a faz sentir-se mais acompanhada e ocupada.
Luciana Nelas, presidente da direcção da Casa de S. Pedro, não compreende porque tem listas de espera para o internato e não as tem para o apoio domiciliário. Comenta: “Eu acho que não há nada como podermos estar na nossa casa e termos o apoio que precisarmos. Em centro de dia temos 88 casos e é curioso que também não há lista de espera. Parece que há mais relutância em vir para centro de dia do que para internato”.
Na Casa de S. Pedro há uma Unidade de Demências desde 2014, gerida por psicólogos, pois estes casos necessitam de outro tipo de resposta por parte dos prestadores de serviços e cuidadores. Em cerca de vinte e cinco casos há uma média de cerca de nove a dez pessoas que estão nesta unidade, mas que mantém contacto com os restantes em centro de dia. Há também uma Unidade de Grandes Dependências que é especializada no tratamento de pessoas que têm um nível mais baixo de autonomia.
Mariana Branco sente que sempre foi respeitada por todos. Mas pode considerar-se que este é um sentimento de uma minoria. Luciana Nelas é da opinião que os idosos não são respeitados pela sociedade como deviam e conta que vê muito pouca gente a ceder o seu lugar nos transportes públicos a um idoso. Na opinião da directora da Casa de S. Pedro é necessário que se eduque a sociedade no sentido de aumentar o respeito pelo semelhante.
Uma forma de reduzir a violência a quem já perdeu as forças a dar tudo o que tinha na vida passa, no entender de Luciana Nelas, pela generalização do acesso a dispositivos de teleassistência por parte de todas pessoas que necessitem, a partir de uma certa idade. Uma forma de poderem alertar as autoridades em caso de perigo ou de maus-tratos. Mas muito provavelmente os agressores no seio da família vão andar muito tempo ou sempre incólumes por compaixão e medo das vítimas.

Idosos sujeitam-se com medo de ficarem sós
A directora técnica da Santa Casa da Misericórdia da Chamusca conhece bem as dificuldades em responsabilizar os agressores de idosos, sobretudo quando estes são filhos ou familiares muito próximos com quem as vítimas coabitam. Pelas mãos de Paula Monteiro já passaram inúmeros processos de violência física e psicológica contra idosos que acabam por dar em nada, porque quando o caso fica sério e as autoridades começam a intervir o idoso desmente tudo.
Isto acontece pelo grau de dependência, não só em termos de cuidados, mas sobretudo emocional. Paula Monteiro refere que os idosos com apoio domiciliário chegam a desabafar com técnicos da instituição, mas que com medo de represálias recusam-se a denunciar o caso às autoridades. Tanto nesta situação como quando desculpam os agressores dizendo às forças policiais que é tudo mentira, Paula Monteiro tem conhecimento que tal acontece porque os idosos têm medo de nunca mais verem esses familiares.

Luciana Nelas é directora técnica da Casa de São Pedro, em Alverca

Idosos em casa assistidos por novas tecnologias

Em Maio deste ano, por ocasião sessão de abertura da oitava edição do Ciclo de Conferências em Economia Social, intitulado “Mudar para Adequar”, organizado pela Misericórdia de Santarém, o provedor, Mário Rebelo afirmava que “as pessoas que hoje têm mais de 65 anos assistiram e fizeram parte de uma grande transformação a nível mundial e também elas utilizam novas tecnologias como o telefone ou o ipad. Por isso as respostas sociais têm que ser cada vez mais apelativas para as pessoas e as instituições têm que possuir estas ferramentas para disponibilizar aos seus utentes”.
O ministro da Segurança Social, Vieira da Silva, presente no mesmo evento, referiu que entre 2015 e 2080 Portugal perderá população, passando dos actuais 10,3 milhões para 7,5 milhões de pessoas, ficando abaixo do limiar de dez milhões em 2031. O número de jovens diminuirá de 1,5 para 0,9 milhões e o número de idosos passará de 2,1 milhões para 2,8 milhões de pessoas.

Paula Monteiro é directora técnica da Misericórdia da Chamusca

O dinheiro é uma fonte de maus-tratos

A directora técnica da Misericórdia da Chamusca, que também é representante da Rede Social, lembra que ao longo dos anos já lidou com muitas situações resultantes de queixas de maus tratos a idosos, por via das autoridades. Recorda algumas dessas situações, na certeza de que muitos dos maus tratos a idosos têm o seu foco no dinheiro. “Há famílias que sobrevivem com a reforma do idoso e este fica, por vezes, sem direito aos seus cuidados básicos de saúde, higiene e alimentação”, diz a
O MIRANTE. Paula Monteiro sente que em certos casos as famílias olham para os idosos como um fardo. Sobretudo se forem famílias disfuncionais, com problemas de alcoolismo, doença mental e com antecedentes de violência doméstica. Algumas destas vítimas da idade, negligenciados física e psicologicamente, já foram ou são assistidos na Estrutura Residencial para Pessoa Idosa (ERPI), da Misericórdia da Chamusca. Na maioria dos casos, quando é algum elemento da família a maltratar o idoso, a família acaba por perder o contacto e o interesse, assim que este é institucionalizado.

Maria de Lurdes Matias

Maria de Lurdes vive sozinha há trinta anos

Maria de Lurdes Matias, 90 anos, natural da Castanheira do Ribatejo, concelho de Vila Franca de Xira, vive sozinha em casa, desde os 60 anos. A família está longe, emigrada em França. Quando nos fala dos seus filhos, netos e bisnetos, a palavra saudade é repetida ao longo da conversa. “Fazem-me falta. Vêm a Portugal visitar-me algumas vezes no ano e falo com eles por telefone. Mas, por vezes, sinto-me só”. A falta da família que luta pela vida a um milhar de quilómetros é atenuada com os populares programas de televisão, que ocupam quase a maior parte do tempo da idosa.
O que mais preocupa Maria, que continua a fazer tudo sozinha, sem recorrer a serviços de apoio domiciliário, contando apenas com a ajuda de comerciantes, que lhe “levam as compras mais pesadas a casa”, é a segurança. A idosa que não se vê a viver num lar de idosos, já não conhece muita gente, aquela gente com quem conviveu ou de quem foi vizinha muitos anos. Gosta de conversar com jovens e garante que são eles que a sociedade deve educar, para que haja mais respeito pelas pessoas idosas. Reforça que “é preciso mudar mentalidades, pois ainda se vê por aí muitas famílias a desprezar e maltratar os idosos”.
É por estas e outras razões que em 2006 foi criado o Dia Mundial da Consciencialização da Violência contra a Pessoa Idosa que se assinalou a 15 de Junho. Uma iniciativa das Nações Unidas e da Rede Internacional de Prevenção à Violência à Pessoa Idosa, tendo como objectivos reflectir numa questão social sensível e acabar com a violência contra a pessoa idosa. Estima-se que em 2025 existam 1,2 mil milhões de pessoas com mais de 60 anos em todo o mundo.

Idosos maltratados desculpam os familiares agressores por dependência emocional

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