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O forasteiro que pinta de borla os espaços da aldeia onde vive

O forasteiro que pinta de borla os espaços da aldeia onde vive

Joaquim Patrocínio está há 19 anos em Vale de Figueira e ainda não conseguiu recrutar mais voluntários. Nasceu a 230 quilómetros de Vale de Figueira, onde agora vive, e trabalhou grande parte da vida em Lisboa. Há 19 anos trocou o barulho dos aviões que sobrevoavam a sua casa em Lisboa pela calma da aldeia do concelho de Santarém. Apesar de não ser da terra e de ainda trabalhar na capital, para onde ia e vinha todos os dias, tratou logo de dar o seu contributo, trabalhando de borla para a junta a pintar os equipamentos públicos.

Joaquim Patrocínio não podia ter um apelido que lhe ficasse melhor. É dos poucos cidadãos que trabalha voluntariamente e é o único na freguesia de São Vicente do Paul e Vale de Figueira. Encontrámo-lo a pintar a escola primária de Vale de Figueira para que esteja mais bonita na hora de receber os alunos após as férias. Aos 71 anos, Joaquim podia estar no café na conversa ou a passear para gozar a reforma, mas não tem feitio para tal e o seu prazer é mesmo trabalhar em prol da terra, sem receber um cêntimo. Mesmo sabendo que algumas pessoas duvidam que trabalhe mesmo de borla e que outras até achem que é “tontinho”.
A única coisa que lamenta o patrocinador do bom aspecto da localidade de Vale de Figueira, concelho de Santarém, é não ter nem ajudantes nem seguidores. Isso cansa-o mais do que o trabalho, às vezes ao sol e à chuva. Enquanto vai deslizando o rolo na parede que dá para o pátio da escola, de um branco esmorecido de não ver tinta há bastante tempo, conta que se apaixonou por Vale Figueira em 1999, quando decidiu procurar uma casa na zona de Santarém. Joaquim costumava passar pela região nas excursões para ir ver os jogos do Benfica e sentia que algo o puxava para passar o resto da vida por estas bandas, longe do bulício de Lisboa onde viveu quase uma vida.
Joaquim Patrocínio nasceu em Albernoa, a cerca de 20 quilómetros de Beja, e a 230 de Vale de Figueira. Assim que assentou arraiais na terra da foz do rio Alviela, ofereceu-se logo à junta de freguesia para pintar e arranjar tudo o que fosse equipamentos públicos. E não era por estar desocupado, porque na altura ainda trabalhava nas pinturas da construção civil em Lisboa. Antes de se reformar há dez anos, fazia a viagem todos os dias a viagem de ida e volta entre a aldeia e a capital, depois de ter deixado a sua casa perto do aeroporto de Lisboa.
O voluntário embrenha-se de tal forma no trabalho, que no dia em que tinha começado a pintar a escola, a mulher com que está casado há 50 anos, foi ao local lembrá-lo que era dia de irem almoçar ao restaurante da aldeia. E acabou por ajudar a intensificar o cheiro a alecrim, ajudando uma funcionária do estabelecimento de ensino a cortar os ramos dos arbustos que trepavam pela parede da fachada branca de barras amarelas, a partir dos canteiros de ervas e flores.
Já foram muitas as vezes que Joaquim desafiou outros habitantes a experimentarem ser voluntários, mas não consegue convencer alguém. Algumas vezes até tem de andar atrás do presidente da junta, Ricardo Costa, para ver se apressa a compra de tintas que está a precisar para começar outro serviço, como é o caso do centro de saúde que vai ficar com uma nova cara por estes dias. Joaquim faz uma pausa a meio da manhã, que começou cedo, logo após o nascimento do sol, para ir ao café beber uma cerveja. Cumprimenta quem por ali está a ler o jornal ou a beber café. Já no regresso ao trabalho confessa que há muita gente da sua idade que vai para os cafés matar o tempo. “Não tenho paciência para isso”, diz.

O forasteiro que pinta de borla os espaços da aldeia onde vive

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