Professora defende autonomia, brincadeira e o “não fazer nada” na infância
Carmen Abrantes, de 42 anos é directora técnica e coordenadora pedagógica da Associação para o Desenvolvimento Integrado da Criança, em Samora Correia.
Na Associação para o Desenvolvimento Integrado da Criança, em Samora Correia, o apoio ao estudo é fundamental, mas também é privilegiado o tempo livre das crianças para a brincadeira e a criatividade fluírem naturalmente. Esta é a filosofia da instituição, defendida por Carmen Abrantes, 42 anos, directora técnica e coordenadora pedagógica deste ATL, criado há 17 anos.
“No nosso projecto pedagógico não podemos fugir ao apoio nos trabalhos de casa durante os períodos lectivos, mas entendemos que as crianças precisam igualmente de actividades não dirigidas. Precisam de brincar e até de não fazer nada, se for essa a sua vontade. Aqui privilegiamos muito o tempo livre, porque lá fora os miúdos estão sempre a ser dirigidos para alguma actividade extracurricular, seja o atletismo, kempo, andebol ou futebol. Faz falta tempo para organizarem as ideias deles e serem crianças”, defende.
Filha de emigrantes portugueses em França, Carmen Abrantes só conheceu Portugal aos quatro anos, quando ela e a família vieram viver para Samora Correia. Antes de perceber qual seria a sua vocação profissional trabalhou em fábricas, lojas de roupa, num escritório e numa loja de fotografia. O “click”, como lhe chama, só se deu depois de ter contactado com crianças, como animadora cultural, na Escola Fonte dos Escudeiros, em Samora Correia. “Depois de experimentar o ensino não formal, o meu interesse foi flagrante. Achei que devia aprofundar os meus conhecimentos e, por isso, fui estudar Ensino do 1º Ciclo do Ensino Básico, na Escola Superior de Educação de Santarém”, revela.
No seu tempo académico, Carmen já trabalhava na associação e depois de concluir os estudos foi convidada para ser coordenadora pedagógica. Aceitou, mas passado três anos acabou por sair para se lançar noutros desafios profissionais. “Fazia-me falta trabalhar directamente com as crianças e por essa razão troquei uma situação estável, para encarar novos desafios. É algo de que não me arrependo, pois ganhei experiência, abri os meus horizontes e fez-me dar ainda mais valor a esta instituição”, explica.
Crianças devem adquirir responsabilidade e autonomia
Carmen Abrantes defende que as crianças devem adquirir autonomia e ganhar mais responsabilidades a partir dos 10 anos e os pais devem permitir e facilitar esse crescimento. “A falta de segurança é um problema que enfrentamos pelo avanço e globalização. Os miúdos cada vez menos sabem andar na rua, mas essa responsabilidade também faz parte do seu crescimento”, justifica.
A Associação para o Desenvolvimento Integrado da Criança funciona como ATL para crianças dos seis aos 12 anos, na sua sede e na Escola Básica do Porto Alto e Escola da Fonte onde prestam o mesmo serviço através de uma parceria entre a Câmara de Benavente e a Associação de Pais do Agrupamento de Escolas de Samora Correia. “O objectivo é assegurarmos as pontas, das 07h00 às 19h00, enquanto os pais ainda estão a trabalhar. Muitos não conseguem ter um horário laboral compatível com a oferta escolar pública e é aí que nós entramos em acção”.
Na opinião de Carmen é no período de pausas lectivas que a instituição revela a sua filosofia. “Temos a educação pela arte como pedra basilar no nosso trabalho e é especialmente nos períodos de férias que desenvolvemos vários ateliês, ao nível da expressão plástica, do teatro, da música, privilegiando a brincadeira na rua, como jogar à bola, à caça ao ovo, às casinhas e ao faz-de-conta”, explica.
Nesta instituição não entram novas tecnologias e é raro a televisão estar ligada. A internet é utilizada exclusivamente para trabalhos de pesquisa e nenhuma criança possui a palavra-passe. Nesse ATL prefere-se a brincadeira pura, onde as crianças são desafiadas a entrar no mundo imaginário e a expressar a sua criatividade. Carmen lamenta que algumas estejam tão apegadas às novas tecnologias, mas garante que uma simples brincadeira ainda as conquista.
“As crianças estão habituadas ao fast food, a ter tudo no momento. O nosso papel é que adquiram a capacidade de investir a cada dia num projecto, de teatro ou expressão plástica, por exemplo, para que percebam que não se pode ter ou construir tudo no momento. É uma preparação para a vida real onde vão ter de lidar com a frustração e não conseguirem ter acesso a tudo no imediato”, defende.