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Na família Isidro dos Santos a campinagem já conquistou cinco gerações
Joaquim e Luís dos Santos, pai e filho, dedicam-se à campinagem

Na família Isidro dos Santos a campinagem já conquistou cinco gerações

São poucos os que querem trabalhar no campo e muito menos a lidar com gado bravo. Ser campino não é fácil, mas na família Santos dá-se uma espécie de milagre e em cada geração há um apaixonado pela arte da campinagem. Esta é mais que uma família, é uma força que mantém viva uma profissão, à moda ribatejana.

Há cada vez menos campinos e a tendência é as pessoas afastarem-se da dureza do trabalho no campo, mas há quem contrarie as estatísticas. No Ribatejo, a família Isidro dos Santos vive as lides da campinagem há cinco gerações. Pai, filho e neto são os guardiões da família que continua a manter viva as tradições de um povo que tem como bandeira os toiros, os cavalos e os campinos.
Joaquim dos Santos, 67 anos cheios de prática e sabedoria, põe de pé uma vedação com a ajuda do filho, Luís dos Santos. “Na campinagem faz-se um pouco de tudo. Faz-se o que é preciso”, começa por dizer. É domingo, o último do ano. Dentro dos portões da Herdade da Adema, propriedade da Ganadaria Palha, no Porto Alto, é o barulho dos martelos que marca o ritmo do dia de trabalho que começou com o nascer do Sol. Não era para ser assim, mas um campino “tem de estar onde e quando é preciso”, justifica.
Ser campino é um modo de estar na vida. “É um amor que se ganha e já não se larga”, diz. Toda a vida esta família viveu em ganadarias. Joaquim passou por várias. Nalgumas teve boas casas, noutras “uma cabana de caniços”. “Pior foi quando o toiro furou a cabana com um corno e ficou por cima da minha barriga enquanto dormia. Não dei por nada até a minha mãe pegar numa vara para o afugentar”, lembra.

“Foi a vida de campino que me escolheu”
O filho Luís nasceu na Ganadaria Palha, há 47 anos. Nunca conheceu outro lar ou trabalho apesar de ter sonhado ser jogador de andebol. “Foi a vida de campino que me escolheu e agora já não a largo. Está enraizada no sangue da família e outra não conheço que tenha tantas gerações na campinagem, que não tenham sido quebradas”, diz. Também “não se conhece outra que viva há tantas gerações numa ganadaria”.
Com quatro anos já montava e a arte da campinagem foi-lhe ensinada pelo pai e pelo avô, Joaquim Isidro dos Santos, falecido em 2017, aos 91 anos. A prova, diz, de que esta vida “traz saúde e sossego”. “Também discutimos, como qualquer família”, nota. Depois vinca: “Mas somos muito unidos, em casa e no trabalho”.
Luís é casado, há 23 anos, com Maria de Fátima dos Santos, uma azambujense que lhe saltou à vista enquanto dançava no rancho. Também ela trabalha na ganadaria como empregada doméstica, juntamente com a mãe de Luís, Gracinda dos Santos. Têm dois filhos e o mais velho, Rui dos Santos, de 22 anos, decidiu seguir as pisadas da família, iniciadas pelo seu tetravô.

“Ter um filho no meio de toiros é andar de coração nas mãos”
Luís dos Santos ainda tentou demover o filho quando este lhe disse que também queria ser campino. “É uma profissão que exige muita dedicação e financeiramente não é boa”, justifica. “Disse-lhe para tirar um curso e para se deixar deste trabalho”, onde a dureza do campo é sentida diariamente. Ele, teimoso, ficou ainda com mais vontade. “É a paixão dele, está-lhe no sangue”, diz com orgulho.
Rui tinha dois anos quando o sentaram pela primeira vez no dorso de um cavalo. Depois, apanhou-lhe o gosto. “Não queria saber de livros. Se soubesse que íamos tratar dos toiros inventava que lhe doía a barriga para não ir à escola”, conta o avô. Insistiram para que estudasse e fosse bom aluno, “mas afinal não foi”. Ensinado pelos homens da família estreou-se na campinagem aos 18 anos, naquela herdade. “Dizia-lhe muitas vezes para ser calmo e bom trabalhador. E ele é”, afiança o avô. Rui mudou-se há três meses para a herdade ao lado, a da Companhia das Lezírias.
O campino mais novo da família já correu as praças com o pai, a lidar conjuntos de cabrestos, trajado a preceito, para recolher os toiros para os curros. Se assusta ter um filho no meio de toiros? “Ter um filho no meio dos toiros é andar sempre com o coração nas mãos, a tentar protegê-lo”, confessa Luís. É que “nesta vida nunca se sabe quando os toiros estão mal dispostos”.
Na família todos sabem disso e têm no corpo marcas para os recordar. Joaquim dos Santos já perdeu a conta às vezes que levou cornadas ou partiu as costelas. De uma só vez foram quatro. E de tão frágeis que estão até se partem a rir. “Não é brincadeira, não. Estava no circo e ri-me com tanta vontade que parti uma mal curada”, conta.

O sol é o ponteiro do relógio
Os campinos da família não andam de relógio no pulso. Guiam o dia de trabalho pelo sol e o horário de almoço pelas horas da barriga. E se nalgumas herdades as máquinas fazem o trabalho na Ganadaria Palha ainda se carrega em ombros os sacos de trinta quilos de ração e se guarda os toiros a pé ou a cavalo numa herdade com 600 hectares e mil cabeças de gado.
Para Joaquim dos Santos os tempos não mudaram. Continua a usar o traje de trabalho, composto por camisa, suspensórios e calça de cós alto. “Nunca vesti outras, nem quero. Estas guardam melhor a barriga”, atira, confessando que para além do modelo que traz vestido tem apenas mais um fato que comprou para o casamento da filha. O filho e o neto preferem as calças de ganga.
Joaquim mantém os hábitos de outros tempos quando o trabalho era pago à semana, 98 escudos, não esquece. Nunca tirou férias, mas deu várias voltas a Portugal, Espanha e França acompanhando a ganadaria nas corridas de toiros. “Andei de avião, barco... se não fosse a festa brava provavelmente nunca tinha andado”, diz. Outros não terão a mesma sorte. “Acredito que isto vá morrer um dia, mas não será no meu tempo. Não pode ser”. Depois emociona-se e diz: “Represento esta ganadaria como se fosse minha, sinto-a como minha”. Os olhos brilham, antes de rematar. “Sou de uma família de campinos com muito orgulho”.

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