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Politécnicos atacados e denegridos e uma comunidade a assobiar para o lado
Para Gonçalo Leite Velho está-se a criar um alarmismo desnecessário quanto à situação económica dos politécnicos

Politécnicos atacados e denegridos e uma comunidade a assobiar para o lado

Gonçalo Leite Velho, professor do Instituto Politécnico de Tomar e residente na cidade, é desde 2016 presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESup), que reúne professores de universidades e politécnicos e investigadores. O docente, de 45 anos, considera que as pessoas, a comunidade e o poder devem olhar mais para o potencial dos dois politécnicos do distrito de Santarém. Diz que não faz sentido pensar na fusão dos dois, mas sim na criação de uma rede com outras instituições de ensino superior para a zona centro. Considera que a crise de alunos tem a ver com dinâmicas de procura influenciadas por uma crise territorial, mas isso deve fazer as instituições reagirem. Como defensor dos professores, ou não fosse sindicalista, Gonçalo Leite Velho pede que deixem a classe trabalhar, acabando com as pressões e a chantagem, de modo a afirmar ainda mais os politécnicos a nível internacional.

Os politécnicos são vistos como entidades inferiores do ensino superior em comparação com as universidades. Porquê?

No distrito de Santarém importa compreender a força dos politécnicos e a qualidade das pessoas. Hoje já não existem diferenças significativas entre politécnicos e universidades. O Politécnico de Leiria consegue seis vezes mais receitas com estudantes internacionais do que o Instituto Superior Técnico, em Lisboa.

É viável uma rede de articulação de vários politécnicos a trabalharem em conjunto, por exemplo Santarém e Tomar com Leiria e Castelo Branco?

Faz sentido uma articulação de instituições da zona centro do país, envolvendo a Universidade de Coimbra. Existe um problema que é ter-se instituído um regime de competição em vez de cooperação. Existe demasiada rivalidade e as instituições estão muito centradas em si e muito preocupadas com o alarme despropositado criado pelo ministro Manuel Heitor, contribuindo para um ambiente de pânico e clientelismo no sector.

Os politécnicos vivem desfasados da comunidade, das cidades.

Nunca nos devemos deixar menorizar. Mas não deixo de notar que muitas vezes no distrito de Santarém há uma falta de sentido de comunidade orientado para algo de positivo, o que não vejo noutros locais do país. Parece que a comunidade ribatejana não está confortável com a modernidade e com aquilo que as instituições de ensino podem trazer para este distrito.

Como é que isso se resolve?

Neste momento em que estamos com dificuldades, cabe à comunidade ribatejana saber defender os seus, que são também os politécnicos. Não vi do poder autárquico alguma salvaguarda dos politécnicos e quem veio ao socorro destas instituições foram os deputados do PSD, Bloco de Esquerda e PCP, eleitos pelo círculo de Santarém. Custou-me que um vereador do PS de Tomar tenha dito que há gente a mais nos serviços públicos.

Os politécnicos não têm que se abrir também mais às comunidades?

Esta questão tem séculos. Devemos fazer mais e melhor. Mas é preciso perceber-se o valor que os politécnicos têm e o que podem dar à comunidade. Se nos é reconhecida capacidade para gerirmos programas doutorais de nível internacional a comunidade deveria compreender que tem aqui um grande valor. Os politécnicos são também um corpo diplomático internacional e a comunidade deve encontrar-nos para a sua própria internacionalização. Um jovem que vive no distrito tem aqui uma porta para fazer o seu percurso a nível internacional.

O que aconteceu para os politécnicos estarem em dificuldades, com problemas financeiros?

Com base nos relatórios de execução orçamental de 2017 e 2018 identificámos várias instituições que necessitavam de reforços. O problema são as que não têm saldos de gerência acumulados para fazer face ao tempo que demoram a entrar em caixa as receitas das propinas e também têm a ver com os fundos comunitários que financiam os TeSP (Cursos Técnicos Superiores Profissionais).

Mas a situação é grave?

Não como se quer fazer passar. Há um aproveitamento enorme e está-se a criar um alarmismo desnecessário. Está-se a denegrir os politécnicos e a enfraquecer a sua imagem. É estranho que se começou a passar a imagem de dificuldades e a identificar as instituições mais fracas na altura da assinatura do contrato de legislatura entre o Governo e as instituições de ensino superior públicas. É uma situação para criar desconforto nas mais frágeis e uma mensagem para as outras. Parece que quem se mete com o ministro leva. Isto não é uma forma de governar o ensino superior.

Provavelmente há escolas superiores a mais.

Não! Já conseguimos provar, quando todos faziam o discurso da desgraça, de que ia haver uma quebra demográfica, que conseguimos aumentar o número de alunos. Temos o fenómeno da emigração qualificada, em que o ensino superior é o passaporte de sucesso. Os politécnicos são dos maiores empregadores, com peso na economia dos distritos, e tentar contrariar isto é atentar contra uma periferia que já está em dificuldades. Há uma crise territorial.

É culpa da comunidade que os politécnicos não consigam ser o motor para elevar uma região?

Não, mas a comunidade deve ver os politécnicos como uma mais-valia com uma oferta de qualidade. Se o tecido socio-economico tem especificidades, convém sabermos trabalhar para conseguir puxar para cima. Estamos a 100 kms de Lisboa que é a área que mais atracção tem neste momento. Quando as pessoas que vivem neste território não acreditam nas suas instituições temos uma dificuldade.

O Politécnico de Santarém não tem contribuído para a boa imagem do ensino.

Houve várias situações que afectaram a credibilidade deste politécnico. A gestão destas instituições deve salvaguardar a sua credibilidade, que passa por aquilo que é o seu melhor, que são os professores. Existe uma conflitualidade interna que é catalisada pelo ambiente de crise e que só afunda estas instituições. Conflitualidade interna é diferente de democracia. É importante haver diferentes opiniões, não pode é haver mecanismos de coacção por haver diversidade de opinião. Esta situação vai muito além do Politécnico de Santarém, porque quando se fala em reestruturação estamos a ameaçar o que é fundamental, que é a relação contratual das pessoas, não estamos a criar um bom ambiente.

Um dos politécnicos do distrito pode fechar?

Isso é uma impossibilidade, mas a imagem destas instituições pode piorar. Quando uma pessoa está no chão não se vai lá dar-lhe pontapés. Há um mecanismo de chantagem sobre as instituições, na forma como são feitos os reforços orçamentais. O que é necessário é deixar as pessoas, os professores, trabalharem. Não podemos ter presidentes dos politécnicos a vir para a imprensa falar de restruturações, de despedimentos.

E há cursos que já não fazem sentido?

As dinâmicas de procura alteram-se. Há uma concentração de alunos nas áreas metropolitanas, sobretudo em Lisboa. Há áreas, como as engenharias, que estão a ter menos procura e podem vir a ter novamente. Temos capacidade instalada e importa acautelá-la. O Estado tem de ter um capital que é de longo prazo. À primeira dificuldade não se mandam áreas abaixo, é preciso saber reagir.

Os politécnicos deviam ser geridos por gestores e não por professores da casa?

Um gestor externo é sempre pior. Nas dinâmicas internas destas instituições há processos democráticos que podem ser melhorados. Em algumas vê-se que existem várias listas nas eleições, em que alguém traz algo de novo. No distrito vê-se uma dinâmica de continuidade.

Qual é a forma de os politécnicos enfrentarem o futuro?

O futuro é positivo se nos deixarem trabalhar. Será mais risonho se nos deixarem fazer aquilo que estamos aptos para construir, que é a dimensão internacional, a qualificação o melhor possível dos alunos e um conjunto de articulações que possam construir uma maior credibilidade para as regiões.

O percurso do professor que está no segundo doutoramento

Gonçalo Leite Velho vive em Tomar há vinte anos. Licenciou-se em Arqueologia na Universidade de Coimbra, tendo sido convidado para fazer o doutoramento em Paris e em Barcelona, mas escolheu Portugal e fez o doutoramento no Porto. No seu percurso académico coordenou e participou em projectos europeus, em áreas de inovação que ligam Arte, Ciência e Tecnologia. Participou em missões internacionais, como na de Stonehenge, e foi um dos coordenadores das escavações de Castanheiro do Vento, em Foz Côa, no recinto monumental da Idade do Cobre. Dirigiu o Departamento de Artes, Design e Comunicação do Politécnico de Tomar e foi director do Curso de Vídeo e Cinema Documental da Escola Superior de Tecnologia de Abrantes.
Há quem lhe atribua a autoria da primeira “coligação negativa”, que permitiu corrigir a lei do emprego científico, contra a vontade do ministro Manuel Heitor. Neste momento está a fazer um segundo doutoramento em Governação Inovação e Conhecimento, na Faculdade de Economia de Coimbra. Gonçalo Leite Velho cresceu na Figueira da Foz, filho e neto de comandantes da marinha mercante. Viajou por muitos países e foi-lhe marcante a experiência a bordo e os ensinamentos do pai, que o colocou a negociar bidões de óleo em troca de mangas com treze anos de idade. Considera que a liderança se mostra pelo exemplo e capacidade de trabalho.

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