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“A magia de um espectáculo acontece ao vivo e não em casa a ver televisão”
Personalidade do Ano Cultura Masculino - Grémio Dramático Povoense

“A magia de um espectáculo acontece ao vivo e não em casa a ver televisão”

Personalidade do Ano Cultura Masculino - Grémio Dramático Povoense

Os dirigentes do Grémio Dramático Povoense acreditam ser capazes de mostrar a mais pessoas que vale a pena sair de casa para assistir a um bom espectáculo ou para participar em actividades promovidas pela colectividade. Não consideram dramático terem que concorrer directamente com tudo o que desmotiva muitas pessoas, porque sabem que o que fazem é demasiado importante para baixarem os braços. Nesta entrevista, com muita energia, participaram, além do presidente da direcção, Jorge Feliciano, Agripina Moreira, José Ferreira, Francisco Pimentel, Tomé Inácio, Eliseu Pinto e Patrícia Soso.

Os políticos falam de economia, de empregos, de salários, investimento, impostos. Qual a importância da cultura para o país?

Um país que não investe na cultura é coxo e pobre de espírito. Quando não há investimento na cultura é porque tudo está mal no país. Podem dizer o que quiserem e podem vir com as matemáticas todas, mas se a cultura não tiver apoio e reconhecimento não se promove a evolução da sociedade. De que vale falarmos de rendimentos quando fica para trás o espírito da colectividade e da cultura? É a pobreza total.

O que faz crescer o Grémio Dramático Povoense?

O que faz evoluir e crescer uma associação é a sociedade civil. É preciso colaborar, trabalhar, estar disponível, gostar de fazer coisas pelos outros. Isso é o associativismo. E é isso que nem sempre acontece. Ter o prazer do sentimento de pertença. As pessoas são muito individualistas hoje em dia, mas a cultura não está doente. Os utilizadores da cultura é que estão doentes.

Ser dirigente de uma colectividade deveria ser um trabalho pago a tempo inteiro?

É uma velha questão. A partir do momento em que se profissionalize a gestão vão começar a aparecer pessoas sem gosto pelo que fazem mas sim pelo negócio. Mas também é um facto que as associações vão definhando se não houver uma contrapartida que faça as pessoas ficarem nos cargos. O associativismo é a arte de todos os dias saber fazer milagres.

A que se deve a dinâmica que o Grémio Dramático Povoense tem revelado nos últimos anos?

Muito esforço, persistência, carolice, dedicação e empenho de todos os que diariamente dão um bocado de si em prol do Grémio e da cultura. A nova sede faz a diferença enquanto sala de teatro, deu-nos nova visibilidade e isso gerou uma nova dinâmica. O grupo passou de dez para quarenta elementos no teatro e há nove anos que temos o grupo de música popular Flor de Chá. Temos dado, em conjunto, um grande salto qualitativo. Infelizmente perdemos a banda filarmónica há três anos mas ganhámos novas actividades. No teatro concretizámos a abertura de uma nova escola de teatro e a criação do Casulo, o nosso grupo profissional. Na escola de teatro temos hoje 36 alunos com idades entre os três e os 15 anos. No grupo Flor de Chá são já 13 membros.

A população conhece o vosso trabalho?

As pessoas conhecem o Grémio mas não sei dizer se conhecem o nosso trabalho. Às vezes ainda sou surpreendido por pessoas que me perguntam onde fica apesar de viverem na Póvoa há trinta anos. A grande dificuldade sempre foi trazer as pessoas para a zona histórica da cidade onde estamos situados. À noite temos um parque de estacionamento a cem metros do Grémio que está sempre vazio por isso estacionamento não é um problema. Só que o sofá fica mais perto da televisão do que o parque de estacionamento do palco do Grémio.

Isso não acontece apenas na Póvoa de Santa Iria.

É uma questão transversal a toda a sociedade. As pessoas acomodam-se e mesmo algumas das que se interessam só vão a espectáculos que são muito mediatizados. A Póvoa sofre por ser um dormitório e não se sente o bairrismo de outros tempos. Ainda há pessoas que não se sentem integradas a cem por cento. Por vezes preferem ir a Lisboa do que atravessar a estrada e virem aqui ver um espectáculo.

Como se combate esse fenómeno?

Insistindo. Desenvolvendo uma dinâmica cultural que espevite a curiosidade da população, mostrando-lhes que perto das suas casas também há espectáculos de grande qualidade. As pessoas precisam de interiorizar que há boas ofertas próximo delas.

Hoje em dia chegam cansadas do trabalho e sentam-se no sofá a ver televisão.

É aqui que O MIRANTE, enquanto jornal da comunidade, tem uma função importante de dar a conhecer à população as boas ofertas que existem no território. Esta nova evolução, que inclui a criação da escola de teatro, permitiu que muita gente nova tenha começado a vir ao teatro. O facto de haver muitas crianças a iniciarem-se no teatro também é bom, porque se criam hábitos nas famílias.

O que vos motiva para continuar?

Neste momento há demasiados projectos em curso para serem abandonados. Para andarem precisam de apoio e do nosso trabalho. Ver as coisas acontecer acaba por gerar maior motivação. Gostamos de ver as pessoas a apresentar projectos. É óptimo haver gente nova a querer assumir as direcções das colectividades. Os mais velhos já deram bastante do seu tempo e é importante que os jovens percebam que precisam de ajudar também.

Um dos projectos mais ambiciosos é o Casulo, a vossa companhia de teatro profissional. Como está a desenvolver-se?

A ambição é continuar a fazer crescer o grupo. Estamos a preparar uma nova peça - “As mulheres ácidas” - que entra em ensaios este mês para estrear em Março. Depois seguem-se dez sessões no teatro Comuna em Lisboa. É uma peça que vai ser feita sem qualquer financiamento estatal, totalmente a custo do Grémio. Vamos ter nomes grandes do meio, como a actriz Rita Calçada Bastos e o apoio de Vítor Rua, fundador dos GNR. A cenografia, por exemplo, é da Rute Osório de Castro, que faz cenários para o teatro São Luís e o Dona Maria. Todos aceitaram fazer isto com o Grémio, por terem gostado do projecto. Ficamos muito felizes com isso.

Como conseguem?

É uma questão de mostrar às pessoas a qualidade do projecto e as ambições que temos. Este ano celebra-se também o centenário do nascimento de Bernardo Santareno, para o qual fomos convidados pela Fernanda Lapa e vamos estrear uma peça dele no final do ano, integrada nessas comemorações. O Santareno visitou uma vez o Grémio, quando fizemos uma peça do Sttau Monteiro. A PIDE censurou partes da peça mas o Grémio apresentou-a na íntegra, mesmo com a GNR à porta…

Qual é o vosso maior desafio?

Manter o Grémio vivo e aumentar o número de espectadores. Vemos à nossa volta associações a definhar e algumas a desaparecer. Não é isso que queremos. A nossa ambição é honrar o passado desta casa. Estamos a competir com meios digitais e com o conforto de casa. Temos de perceber qual a melhor maneira de fazer alguém levantar-se do sofá e vir ao nosso auditório para ver que a magia do teatro acontece ao vivo e não num ecrã.

Com que género de espectáculos?

Não é oferecendo espectáculos popularuchos, mas sim o que entendemos ser melhor para todos, ou seja, espectáculos diferenciadores do que existe em Lisboa, mas com qualidade. Temos de saber trazer uma pessoa pela primeira vez e isso faz-se oferecendo qualidade. Se há uma pessoa que se lembra, num determinado dia por conjugação dos astros, de vir ao teatro e não gosta do que vê, nunca mais volta e diz aos amigos para evitar. Tentamos ao máximo agradar ao maior número de pessoas.

Como está o Grémio financeiramente?

Estamos equilibrados e seguros. Mas precisamos de uma carrinha para assegurar as deslocações. As contas foram reequilibradas ainda no tempo do anterior presidente, o Rui Benavente. Nunca fazemos planos a longo prazo porque a vida vai mudando e os propósitos mudam. Não vale a pena sonhar com uma sala com 500 lugares para a Póvoa se depois só há um espectáculo por ano e não se enche meia casa. Quem tem essa ideia e defende um auditório desses é quem nunca vi sentado nas nossas cadeiras.

Uma casa de cultura e de liberdade

Fundado há 130 anos, a 19 de Agosto de 1889, o Grémio Dramático Povoense é uma das mais antigas colectividades do concelho de Vila Franca de Xira. Nascido ainda antes da criação da própria freguesia, acompanhou o crescimento da Póvoa de Santa Iria marcando, de forma indelével, pela sua intervenção cultural e social, diversas gerações de povoenses.

A colectividade foi local de luta pela implantação da República e palco da resistência antifascista, através de reuniões clandestinas e de peças de teatro levadas à cena sem cortes impostos pela censura.

Divulgar a cultura portuguesa e garantir o acesso da comunidade a espectáculos de qualidade que, de outra forma, só estariam ao dispor na vizinha capital, Lisboa, têm sido alguns dos objectivos da associação ao longo dos anos.

Actualmente o Grémio oferece à comunidade diversas actividades desportivas como zumba, pilates e ioga, mas também actividades culturais como a Palco – Escola de Artes Teatrais do Grémio, onde todos podem aprender teatro e artes cénicas. E conta também com o Casulo - Núcleo de Artes Performativas, uma nova estrutura de teatro profissional, nascida em Maio de 2019, e com o grupo de música popular Flor de Chá.

Desde 2014 que a colectividade funciona num novo auditório, o espaço cultural Fernando Augusto, na zona histórica da cidade. Além de acolher vários espectáculos é também palco para o Festeg – Festival de Teatro do Grémio, um evento que é já obrigatório no calendário teatral do norte de Lisboa.

“A magia de um espectáculo acontece ao vivo e não em casa a ver televisão”

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