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“O associativismo é fundamental para as terras do interior”
Personalidade do Ano Cultura - Sociedade Artística Tramagalense

“O associativismo é fundamental para as terras do interior”

Personalidade do Ano Cultura - Sociedade Artística Tramagalense

Manuel Grácio é o presidente da direcção da Sociedade Artística Tramagalense. Tem 74 anos mas é uma pessoa activa e apesar do declínio do associativismo, ou por causa dele, está disposto a manter-se na direcção da colectividade. Fala das dificuldades com realismo mas contrapõe sempre a esperança de serem encontradas soluções que atraiam mais pessoas à sede e às actividades desenvolvidas.

Como vai o associativismo no Tramagal?

Tem vindo a perder a dinâmica nos últimos anos. As novas tecnologias vieram roubar às pessoas o tempo que elas costumavam dedicar às colectividades. Hoje em dia a vida é mais acelerada e não há tempo livre para gastar com o associativismo. E o trabalho voluntário, não remunerado, é olhado de outro modo.

Conseguem recrutar jovens para as actividades da Sociedade Artística Tramagalense?

É muito difícil. O Tramagal está muito envelhecido. Os jovens que cá vivem ou estão em casa no computador ou jogam futebol. Nem todos têm interesse pela música ou pelo teatro. Além disso, quando crescem e vão estudar para fora muitos já não voltam ou voltam esporadicamente.

O abandono do interior é motivado pela falta de emprego?

Quando a Metalúrgica Duarte Ferreira laborava tinha mais de dois mil e oitocentos trabalhadores. O Tramagal tinha muita vida nessa altura. Depois da fábrica fechar as pessoas foram procurar emprego para outras terras e saíram daqui. Ficaram só os que são mesmo de cá e os mais novos também vão procurar emprego noutras localidades. Alguns vêm cá só dormir e outros optam mesmo por sair de cá.

Mas o espírito bairrista, o amor à terra, ainda perdura?

Tem vindo a desaparecer. Há pessoas da minha faixa etária, setenta anos, que gostam da terra e tentam dinamizá-la e fazer alguma coisa pelo seu desenvolvimento. Mas a vida vai evoluindo e as tradições vão-se perdendo. São tempos diferentes, mas o associativismo é fundamental para as terras do interior.

Como vê essa situação?

Tenho muita pena. Antigamente, à noite, a sala de convívio da sede da Sociedade Artística Tramagalense estava cheia. Durante muitos anos era aqui que estava a única televisão no Tramagal e as pessoas vinham todas para cá. A sede era o ponto de encontro das gentes do Tramagal. O principal local de convívio. Não nos soubemos adaptar aos novos tempos e não conseguimos ser uma alternativa às novidades que surgiram nas últimas décadas.

Quando é que há mais movimento?

Quando apresentamos uma peça de teatro nossa ou um espectáculo musical. Nessa altura a casa está sempre cheia, as pessoas aderem. O problema é que durante a semana não vêm. Só vem quem tem ensaio ou outras actividades, o que acaba por ser normal. Temos que encontrar soluções para conseguir que as pessoas venham também durante a semana.

O senhor é também o encenador do grupo de teatro. O que está a ser preparado?

Estamos a ensaiar uma peça chamada “Sexta-feira, 13” para estrear em Maio deste ano. Antes, em Março ou Abril, iremos apresentar “A que horas passa o autocarro?”.

Qual é o segredo para a longevidade desta colectividade que conseguiu atravessar dois séculos?

Foi bem iniciada e consolidada e sempre teve um conjunto de pessoas que lhe tem amor e que lhe dedica muito tempo e energia. Nos tempos actuais, apesar de tudo, ainda há pessoas, algumas das quais não são de cá, que fazem questão de estar aqui.

É possível a colectividade ter outros 119 anos de existência?

Não acredito nisso. Mesmo que haja mudanças radicais penso que a tendência é para as colectividades irem desaparecendo aos poucos.

Que balanço faz destes dois anos à frente da Sociedade Artística Tramagalense (SAT)?

Manter a colectividade a funcionar e aberta ao público já é um balanço positivo. A falta de apoios financeiros complica a actividade de qualquer colectividade. Temos um apoio de cerca de 7.500 euros por parte da Câmara de Abrantes, que é bom, mas é pouco para todas as despesas.

Como fazem para angariar mais dinheiro?

Costumo dizer que andamos com o boné na mão. Pedimos ajuda a algumas empresas do concelho e a outras também de concelhos vizinhos que nos vão ajudando. O tecido empresarial no Tramagal é pouco por isso vamos pedir ajuda a outras empresas de fora. Até agora temos conseguido orientar as contas mas tem que ser sempre tudo muito bem contado.

E pessoas para os corpos sociais?

Se houvesse dinheiro haveria muita gente interessada em estar na direcção e seria tudo mais fácil. Mas como não há dinheiro e temos que fazer muitas contas e andar a pedir patrocínios é complicado. A direcção tem nove elementos e se viéssemos todos diariamente para gerirmos isto já seria muito bom. O problema é que nem todos têm disponibilidade para vir cá com muita frequência.

Vai ser fácil renovar os corpos directivos?

Não vai ser fácil mas vai-se conseguindo. Temos que ter novas ideias para atrair pessoas. Arranjar espectáculos e outras iniciativas para dinamizar o espaço. Temos vários espectáculos todos os meses que normalmente têm casa cheia e isso enche-me de orgulho e satisfação porque é sinal de que mesmo com pouco conseguimos fazer um trabalho de qualidade.

O que aconteceria se, no associativismo, houvesse limite de mandatos como na política?

São duas realidades distintas. A grande maioria dos cargos políticos são remunerados. Se houvesse limite de mandatos no associativismo a maioria das colectividades fechava. Aqui, por exemplo, são quase sempre os mesmos. Só vamos rodando nos cargos. Gostaríamos que viessem pessoas novas, sangue novo, jovens, mas não conseguimos.

Pensa retirar-se da actividade associativa?

Tive alguns problemas de saúde complicados mas espero por cá continuar porque sou muito activo e não sei estar parado. As eleições para o novo mandato são no final de Fevereiro e, se não houver outra lista, serei novamente candidato. Isto mantém-me activo e faz-me bem vir aqui todos os dias, de manhã, à tarde e à noite.

Qual é o orçamento anual da colectividade?

Cerca de trinta mil euros. A Sociedade Artística Tramagalense tem mil e duzentos associados e a quota anual é de nove euros. Só trezentos têm as quotas em dia. Temos que gerir muito bem o dinheiro que conseguimos. Escolher o que é importante porque não temos dinheiro para tudo. Vamos adquirindo consoante a nossa tesouraria.

A sede é de 1956, precisa de obras de manutenção.

Muitas. Precisamos substituir o telhado que tem mais de meio século. O edifício tem infiltrações e precisamos reparar algumas paredes interiores. Temos que colocar janelas, a porta de entrada é a porta de uma garagem e também precisa ser substituída. Precisamos pintar todo o edifício no exterior. É preciso muito dinheiro para as obras.

Como o vão conseguir?

Assinámos um protocolo, com o apoio da Câmara de Abrantes, que envolve fundos comunitários para fazermos obras no palco do auditório. Metade das obras do palco já estão feitas mas o empreiteiro que as fez ainda não recebeu o dinheiro porque nós também ainda não temos o dinheiro. Quanto tivermos pagamos logo. Tenho a promessa do presidente da Câmara de Abrantes que vai haver obras, só não sabemos quando, porque o dinheiro do município também tem que ser muito bem gerido.

Uma colectividade que nasceu do amor à música de operários e do patrão

A Sociedade Artística Tramagalense foi fundada a 1 de Julho de 1901. É a colectividade mais antiga da freguesia do Tramagal e uma das mais antigas do concelho de Abrantes. A história da sua criação envolve quatro trabalhadores da Metalúrgica Duarte Ferreira, que tinham um conjunto musical chamado “Solidó,” e que costumavam tocar pelas ruas no 1º de Maio.

Graças à sua iniciativa o dono da empresa, Eduardo Duarte Ferreira, comprou os primeiros instrumentos e as primeiras fardas para a banda da colectividade, que então se chamou União Fabril. O empresário foi o fundador e impulsionador da colectividade e também o primeiro presidente da direcção.

Nessa altura quem faltasse aos ensaios pagava três tostões de multa. O maestro recebia 12 escudos por mês. A banda da União Fabril fez a sua primeira saída a 6 de Janeiro do ano seguinte, para comemorar o Dia de Reis. Em 1903 é criado um grupo de teatro.

A colectividade passou a designar-se Sociedade Artística Tramagalense em 1944. A sede inicial era num antigo barracão mas em 1956 foi inaugurado o actual o edifício onde ainda hoje é a sede, no centro da vila.

Actualmente, a colectividade tem uma escola de música, com cerca de três dezenas de alunos, dos seis aos 18 anos, e seis professores. Dessa escola de música saíram os elementos que formaram a Jovem Orquestra Sinfónica do Tejo - JOST. A Sociedade Artística Tramagalense também tem um grupo de teatro, um coro e uma escola de dança, estando em formação uma secção de aeromodelismo.

A Sociedade Artística Tramagalense foi distinguida, em 1966, com a Medalha de Ouro, da Federação das Colectividades de Cultura e Recreio e em 1993 foi considerada Entidade de Utilidade Pública pelo Governo.

Manuel Grácio é o actual presidente da direcção. Está ligado à colectividade desde os doze anos quando participou como actor amador numa peça de teatro. Actualmente, é também o encenador do grupo que apresenta, em média, dois espectáculos por mês. A sede da colectividade tem várias salas e um auditório com capacidade para 280 pessoas.

“O associativismo é fundamental para as terras do interior”

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