“O sucesso dos nossos alunos é o sucesso de toda a comunidade”
Personalidade do Ano Prestígio - Agrupamento de Escolas de Alcanena
O Agrupamento de Escolas de Alcanena tem sido muito falado por ter sido considerado o melhor da Europa a ensinar ciências e tecnologias. A directora do agrupamento, Ana Cláudia Cohen, explica a razão do sucesso e diz que o agrupamento tem também bons resultados noutras áreas. Na entrevista a O MIRANTE teve consigo José Fradique (J.F.), coordenador do Departamento de Matemática e Ciências Experimentais.
Gerir o trabalho dos outros é difícil?
Não. A única coisa que tenho presente é que somos todos diferentes. E que todos temos direito a ser como somos. Das duas uma: ou sou ditadora e digo para fazerem o que quero, correndo o risco de ninguém o fazer, ou consigo fazer com que sejam os próprios professores a quererem mudar, mesmo que uns demorem mais tempo que outros. Isto acaba por contaminar, no bom sentido, os alunos.
Qual a postura da generalidade dos professores?
De um modo geral o que eles transmitem é que já não acreditam em politiquices, nem em medidas externas, mas acreditam no Agrupamento de Alcanena. Isso faz toda a diferença. Acreditam nos seus alunos e no caminho que estamos a seguir, ainda que alguns estejam ou sejam mais reticentes. A cooperação profissional é muito importante, a começar pelo topo e isso aqui existe. Complementamo-nos muito bem. Eu sou directora, tenho como sub-directora, Mónica Rodrigues, e três adjuntos: Paulo Lourenço, Carlos Lopes e Ana Isabel.
Em que altura da sua vida decidiu ser professora?
Nasci em Torres Novas. Os meus pais eram professores e o mundo escolar sempre fez parte do meu crescimento. Apesar dos meus pais terem tentado que eu não fosse professora sempre senti que tinha este destino traçado. Desde os três anos que sinto quero ser professora. Quando acabei o curso (Línguas e Literaturas Modernas, Estudos em Inglês e Alemão) fiz o estágio no Liceu Pedro Nunes, em Lisboa, e depois vim para Alcanena. Já lá vão vinte e sete anos. Aqui fiz de tudo um pouco. Sempre fora da caixa e preocupada com as aprendizagens dos alunos.
Como chegou a directora da escola?
Passei por todos os cargos que poderia ter dentro da escola. Até presidente do conselho-geral, sub-directora e quando o meu colega se reformou assumi as funções de directora, mas sempre com um propósito muito claro de mudança de prácticas, desde que elas se traduzam em mais aprendizagem. A nossa missão é desenvolver uma cidadania activa e empreendedora e que o sucesso dos alunos seja o sucesso de toda a comunidade.
Qual a diferença entre ser professor hoje ou há trinta anos?
Ser professor é sempre bom, para quem gosta de ser professor. Obviamente que temos mais alunos do que tínhamos, passamos mais tempo nas salas de aulas, ganhamos menos do que há 10 ou 15 anos devido à restruturação dos escalões e trabalhamos muito mais. Mas quem é professor e tem a missão bem definida, que é fazer os alunos aprenderem, gosta sempre de ser professor. O trabalho que me compete é o mais fácil. É envolver, motivar e mostrar caminho. É não marcar reuniões por marcar. É reduzir as burocracias.
O Agrupamento de Escolas de Alcanena foi considerado o melhor da Europa a ensinar ciências e tecnologias. Que repercussão teve o prémio?
José Fradique (J.F.) - Temos tido contactos a nível nacional e europeu. Querem conhecer os projectos que desenvolvemos e saber que impacto têm nos nossos alunos. Mas este prémio não foi conseguido de um dia para o outro. Tem sido desenvolvido ao longo do tempo. Ao longo dos últimos dez anos.
Há alguma atenção das empresas ao que se passa na escola?
J.F. Os alunos já desenvolveram projectos com empresários de Alcanena e eles já viram que os alunos têm muito potencial. E pretendem que continuem a desenvolvê-los porque vêem um valor acrescentado para as suas empresas.
A nível de outras escolas da Europa que reacções tiveram?
Estive a semana passada em Bruxelas a propósito do projecto leadership for change (liderança partilhada). Somos cinco agrupamentos a nível nacional: Alcanena, Alvalade, Amadora, Marinha Grande e Barreiro. Pode parecer presunção dizer isto, mas acho que estamos muito à frente nesta área. Aquilo que pareceu uma novidade para todos os colegas europeus, nós já fazemos aqui.
E que é?
O trabalho com a comunidade, o trazer as empresas à escola, as parcerias com o Centro de Ciência Viva, com as indústrias do couro e com as universidades. Por isso é que também fomos considerados a melhor escola da europa a ensinar ciências. Nesta reunião até me vieram dizer que existem escolas interessadas para que lhes façamos mentorias.
O agrupamento vai ficar conhecido pelo ensino das ciências?
Não. Ganhámos o 1º prémio nas Olimpíadas da Economia há dois anos e o ano passado ficámos em 10º lugar nas de Geografia. Temos um clube de teatro que vai colocar uma centena de alunos em palco. Temos a orquestra. Temos muito sucesso no desporto escolar que é uma ferramenta muito importante no combate ao insucesso escolar. O agrupamento é aquilo que os alunos precisam que seja.
Essa orquestra de que falou tem quantos alunos?
São cerca de cinquenta alunos. A orquestra resulta de uma colaboração entre o Agrupamento e o Conservatório de Música Jaime Chavinha (Centro de Artes e Ofícios Roque Gameiro) e pretende ser mais uma mostra do trabalho desenvolvido no Regime Articulado do Curso Básico de Música. Os alunos que nela participam frequentam entre o 6º ano e o 9º ano de escolaridade. É importante na formação destes jovens. O facto de participarem na orquestra dá-lhes uma maior motivaçao escolar.
Que episódio marcante, envolvendo alunos, teve ao longo da sua actividade?
Tivemos um aluno que era um aluno completo. Estava no desporto escolar, no teatro, na orquestra, estava em todo o lado. Acontece que desceu a nota de uma disciplina e isso baixou-lhe a média no final do ano. Essa situação marcou-me pela negativa. Tive de reflectir com os meus colegas sobre ela. Estamos sempre a apelar à participação e à cidadania e depois quem o faz é prejudicado.
O problema da poluição em Alcanena não fica à porta da escola.
Na última situação de poluição tivemos uma atitude construtiva. Eu própria reuni com a presidente da câmara e com a administração da Aquanena. A presidente resolveu fazer a monitorização no Agrupamento. Chamei a atenção de alguns aspectos. Enviei e-mails aos meus colegas professores para lhes explicar o que se andava a passar e o conteúdo das reuniões.
Os alunos promoveram uma manifestação. Falou com eles? O que lhes disse?
Disse-lhes que eu própria faria o mesmo. Só lhes pedi para não se esquecerem que eram alunos deste agrupamento. Que tinham de a fazer de forma ordeira. Eles disseram o que quiseram dizer e foram ouvidos. Houve professores que foram, funcionários e pais.
A comunidade escolar tem tendência a compreender a poluição devido à importância das empresas para a região?
Não. Eles não desculpam os problemas ambientais, embora não queiram que os curtumes acabem. Uns são filhos de empresários, outros são filhos de operários. A vida deles depende da actividade. Na altura da crise houve estudantes a sofrerem com o desemprego dos pais. Eles só têm dito à camara e aos empresários que têm de ser encontradas soluções para tornar a permanência destas empresas sustentável na vila.
A ideia que passa é que o crime compensa.
Aquilo que os oiço dizer é que querem fazer parte da solução e ajudar a parte técnica dos curtumes a resolver a situação. Tenho pena que o tecido empresarial da área, ou mesmo a Aquanena, não tenha chamado ainda os alunos para um debate sobre formas de resolver a questão. Porque eles merecem depois de terem sido tão maduros a encarar estes problemas.
Como vê a luta dos professores a nível nacional?
Não sou muito corporativista. Tenho até receio que os interesses corporativos ponham em causa os direitos dos alunos. Sou sindicalizada e devemos lutar pelos nossos direitos enquanto professores, desde que não se meta no meio dos direitos dos alunos.
Como é que vê a disparidade entre o tempo de trabalho de um professor universitário e de um professor do secundário?
Os universitários têm menos horas de aulas mas aqui o professor também não tem o tempo todo de aulas. Pode ir até às 22 horas, mas há professores que só têm 14, consoante a idade e cargos que têm. Estou a falar de aulas porque todos têm que ter 35 horas de trabalho, com o trabalho individual incluído, que pode ser feito na escola ou em casa. Claro que antigamente estávamos habituados a horários mais reduzidos e não tínhamos tantos alunos.
Dos contactos que tem a nível internacional quais são os problemas dos professores?
Todos têm os mesmos problemas. O envelhecimento da carreira, a mobilidade. Nos outros países ainda é pior porque muitos professores têm que ter dois empregos para se sustentarem de forma mais confortável. Nesse aspecto somos uns privilegiados. Não é só nos Estados Unidos da América que se encontram estas realidades. Na Alemanha também há professores a acumularem trabalhos.
Abrir horizontes e fazer a diferença na vida dos estudantes
O Agrupamento de Escolas de Alcanena foi considerado o melhor da Europa a ensinar ciências e tecnologias. A distinção surgiu no âmbito do projecto STEM School Label (selo escolas STEM), financiado pela União Europeia, que criou uma rede de estabelecimentos de ensino que apostam no ensino das ciências, tecnologias, engenharias e matemática.
O resultado obtido é relevante porque, entre as mais de mil escolas envolvidas, representando 34 países, a de Alcanena foi a única que obteve a classificação máxima.
No Agrupamento de Escolas de Alcanena os projectos que colocam os alunos, desde o pré-escolar ao secundário, em contacto com a investigação científica, são promovidos há mais de uma década e ganharam um novo fôlego há cerca de dois anos com a introdução da autonomia curricular que permite que até um quarto do tempo lectivo possa ser gerido pelas próprias escolas.
Importantes têm sido também, segundo a directora, Ana Cláudia Cohen, as parcerias que o agrupamento estabeleceu quer com o Centro Ciência Viva do Alviela, quer com instituições de ensino superior como a Universidade Nova de Lisboa, as universidades de Coimbra e de Aveiro ou os politécnicos de Leiria e Santarém, que permitem aos alunos ter acesso a equipamento tecnológico para os seus projectos e acompanhamento por parte de investigadores daquelas instituições.