“As pessoas têm cada vez menos tempo e o associativismo acaba por ressentir-se”
José Jorge trabalhou mais de 45 anos na CP. Foi o seu único emprego. Aos 75 anos é presidente da assembleia-geral da Scafa (Cooperativa de Consumo dos Ferroviários e Aderentes) e pertence aos órgãos sociais há vários anos. Esteve mais de dois anos em Moçambique, na Guerra Colonial, mas não gosta muito de falar sobre o assunto porque mexe consigo. Não é crente mas casou pela igreja para fazer a vontade à esposa e às famílias de ambos.
Um bom professor é fundamental na vida de qualquer aluno. O meu professor da escola primária tinha o hábito de, durante as aulas, fazer uma pausa e dizer: “Vamos lá fazer o nó da cana”. O que significa que parávamos o que estávamos a fazer para conversar sobre a vida. Foi um professor muito especial porque tinha uma capacidade de diálogo fora do comum. Com as suas conversas e histórias ensinava-nos a ver a vida de outro ângulo.
Tenho boas memórias de infância mas a vida era muito dura naquela altura. Tenho mais um irmão e uma irmã e tínhamos que ajudar na labuta da casa. Os meus pais tinham um terreno e ajudávamos a tratar dos animais, a cultivar a terra e a colher o que semeávamos. Também brincávamos na rua com os amigos depois da escola. Jogávamos futebol, ao peão e ao berlinde. Mas os nossos berlindes eram diferentes. Os carvalhos têm uma saliência que cai da árvore à qual chamamos ‘bugalhos’. Era com esses bugalhos que jogávamos ao berlinde porque não tínhamos dos verdadeiros.
Fui funcionário da CP – Comboios de Portugal durante mais de 45 anos. Aos 15 anos comecei a trabalhar na Escola de Aprendizes da CP. Fui operário/torneiro/desenhador e técnico ao longo da carreira. Foi o meu único emprego. Estou reformado há mais de dez anos e pertenço aos órgãos sociais da Scafa – Cooperativa de Consumo dos Ferroviários e Aderentes – há vários anos. Actualmente desempenho o cargo de presidente da Assembleia-Geral da Scafa.
Entrei na política para tentar fazer alguma coisa pela comunidade onde estou inserido. Fui vereador da oposição, pela CDU, durante dois mandatos, no início da década de 80 do século passado. A política é sempre uma luta de classes. A primeira coisa que foi criada no meu mandato foi o Mês da Cultura, onde se realizavam várias actividades de pintura, teatro, música, entre outras. O objectivo dos políticos deveria ser melhorar o seu país mas, infelizmente, isso nem sempre acontece.
Muitas pessoas não confiam nos políticos mas depois também não votam. Quem não exerce o seu direito de votar nas eleições não pode queixar-se ou criticar quem foi eleito. Não se podem desresponsabilizar e depois criticarem o que acham que não está bem. Todos temos direitos e deveres e há quem esqueça os seus deveres.
Raramente falo sobre a Guerra Colonial porque mexe comigo. Estive mais de dois anos em Moçambique e houve coisas boas como o convívio com os camaradas e conhecer outros povos e outras culturas. Mas foi uma guerra sem sentido, que fez muitas mortes e deixou muitas mazelas a quem lá esteve.
As pessoas têm cada vez menos tempo para si e o associativismo acaba por ressentir-se. Há falta de gente para os órgãos sociais. Esta situação do coronavírus veio mostrar que afinal há tempo. As pessoas é que se esqueceram disso. Andam sempre a correr de um lado para o outro e agora são obrigadas a parar. Pode ser que depois desta pandemia as pessoas mudem e percebam que o que realmente importante é a família, o amor aos outros e o estar presente.
Casei pela igreja mas não sou crente. Fi-lo para fazer a vontade à minha esposa e às nossas famílias, que são religiosas. Cheguei a fazer a Primeira Comunhão e a Profissão de Fé mas perdi essa crença. Há muito tempo que não acredito nos deuses.
A minha esposa é uma excelente cozinheira e não dispenso a sua comida. Adoro quase tudo. Não resisto a um cozido à portuguesa e no Verão gosto de saborear uns caracóis com uma imperial fresquinha. Só não sou apreciador de carne de peru.
Sou adepto das novas tecnologias e tenho conta no Facebook. As redes sociais vieram aproximar os amigos que estão longe mas ao mesmo tempo afastam-nos das pessoas porque comunicamos através de um telemóvel ou computador. Faz falta o convívio ao vivo.
Custa ficar em casa ainda por cima quando está bom tempo. Temos que cumprir as regras e ficar em casa para combatermos o vírus, mas não é fácil. Só saio de casa para ir às compras. Vivo só com a minha esposa. Não tenho estado com os meus filhos e netos para ninguém correr riscos nestes tempos complicados que vivemos.