uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante
A maior ameaça à União Europeia são os egoísmos nacionais
Para Carlos Coelho a lógica do salve-se quem puder, dentro da União Europeia, não vai funcionar

A maior ameaça à União Europeia são os egoísmos nacionais

Carlos Coelho, 59 anos, foi deputado europeu pelo PSD de 1998 a 2019. Uma década a representar Portugal em Bruxelas foi o mote para a entrevista de O MIRANTE na véspera do Dia da Europa. Uma conversa onde o antigo presidente da distrital de Santarém do PSD defende que devíamos reclamar uma Europa mais solidária, com menos egoísmos nacionais. Fala também da plataforma Nossa Europa que junta pessoas de todos os quadrantes políticos e até de fora da política, na mesma causa: afirmar a cidadania europeia e aumentar a visibilidade das questões europeias na sociedade.

O que mais o marcou no percurso de duas décadas como deputado europeu?

Escolher um momento é sempre redutor, mas a circunstância mais permanente foi o facto de ter sido o relator do Parlamento Europeu para Schengen, para a liberdade de circulação. Cargo que tive praticamente esses vinte anos. A primeira taskforce constituída pelo Parlamento Europeu sobre Schengen foi presidida por mim. No Eurobarómetro que se faz a cada seis meses, quando se pergunta aos cidadãos europeus qual consideram ser a principal conquista do projecto europeu, a liberdade de circulação é sempre referida. Quando um português, ou qualquer outro cidadão europeu, em qualquer país da UE, deixa de ser um emigrante, um estrangeiro, e passa a ser um cidadão de direito, isso é valorizado como a principal conquista do projecto europeu.

O fecho recente das fronteiras devido à pandemia veio avivar a memória do que era o pré-Schengen?

O fecho temporário ajudou a recordar o quão importante é a liberdade de circulação. Mas mesmo com controlos fronteiriços as pessoas são tratadas como cidadãos. Um português em França, na Alemanha ou em Itália continua a ser um cidadão europeu e continua a beneficiar de privilégios e direitos que daí resultam.

Como surgiu a ideia da criação da plataforma cívica Nossa Europa?

Muitos países têm plataformas parecidas. Em Portugal as pessoas estão todas muito separadas por quintas, não necessariamente por partidos, mas por aquilo a que podemos chamar posições ideológicas, encostos ou esquinas onde se juntam muito por afinidades. Há pouca tradição de plataformas assim tão abrangentes que incluem personalidades como a eurodeputada Marisa Matias, António José Seguro, o antigo ministro Luís Pedro Mota Soares, Rui Tavares, Leonor Beleza, Luís Marques Mendes, Nuno Severiano Teixeira, e mesmo pessoas de fora da política como Luís Represas ou Rui Marques. Pessoas que se reconhecem neste esforço a favor da Europa, de afirmação da cidadania europeia e de aumentar a visibilidade das questões europeias na sociedade.

Com poucos meses de vida já é possível fazer um balanço do seu alcance?

Foi criada em Fevereiro e foi apresentada ao Presidente da República numa audiência que nos concedeu. Quando íamos iniciar as actividades chegou a pandemia e tivemos que suspender as acções externas. Fizemos um manifesto sobre o Dia da Europa e isso é uma forma de dizer presente e de deixar alguns alertas, quer sobre o ponto de vista da crise sanitária, quer sobre o ponto de vista da reconstrução da economia, quer dos direitos dos cidadãos. Há muito a fazer.

Tem sido bem aceite e estão a chegar contributos e questões?

Muitas pessoas enviaram-nos emails e contactaram-nos através das redes sociais a felicitar o projecto, não a interpelar no sentido de dar sugestões. Há três ou quatro questões e pensamos que haverá muitas mais quando abrirmos o site, que terá uma parte para interagir com os cidadãos. Estava previsto iniciar em Junho, mas agora não se sabe.

A crise do coronavirus está a enfraquecer a União Europeia, com cada país a tomar as suas medidas?

O manifesto que divulgámos a propósito do 9 de Maio chama a atenção para isso. O próprio Parlamento Europeu, na decisão que tomou em Abril sobre a crise, criticou o facto dos Estados-membros no início da pandemia terem dado respostas isoladas e não ter havido uma reacção eficaz e solidária.

Este ano o Dia da Europa é assinalado com a homenagem de diversas instituições europeias, online, ao espírito de solidariedade europeu no combate ao coronavirus. Sente que existe esse espírito?

Neste momento o que devíamos estar a reclamar era uma Europa mais solidária. É isso que precisamos. A lógica do salve-se quem puder não vai funcionar. Ou conseguimos uma resposta solidária e todos somos mais fortes ou todos ficaremos mais fracos.

O Brexit pode ter aberto o caminho para a saída de outros Estados-membros?

A saída do Reino Unido foi muito receada pelo efeito dominó que poderia provocar. Houve até quem elencasse os Estados que iriam sair a seguir. Na verdade o que se verificou não foi um efeito dominó mas antes um efeito vacina. Os outros Estados perceberam quais as consequências da saída do clube. Os britânicos pensaram que saíam e poderiam continuar a beneficiar de todas as condições como se ainda pertencessem à UE. É a mesma coisa que deixar de pagar as quotas do ginásio e querer continuar a frequentar a aula de yoga e a piscina. Não é assim que funciona. O que se verificou foi que os 27 Estados-membros, que têm muitas diferenças entre si, surgiram muito articulados na resposta. Houve um reforço da coesão europeia. Os países perceberam que é mais importante estar dentro do que estar fora.

Quais as ameaças actuais à união da União Europeia?

A maior ameaça neste momento são os egoísmos nacionais. Face ao medo, as pessoas querem encontrar respostas que são mais locais e nacionais em vez de respostas europeias. O que deveríamos estar neste momento a fazer era reforçar a sociedade europeia e as respostas conjuntas. Quer na resposta à crise sanitária, quer nas medidas para reconstruir a economia e para salvaguardar postos de trabalho, quer no que diz respeito à perturbação das liberdades essenciais que estão associadas à cidadania. Tudo isso são decisões e problemas que se colocam no plano europeu, para os quais devíamos estar a ter respostas europeias e não respostas diferentes de Estado para Estado.

Mas há uma grande diferença entre os diferentes Estados que compõem a UE?

Há clivagens entre Norte e Sul, Este e Oeste, entre os países continentais e do Centro e países que têm orla costeira. O lema da União Europeia é “Unidos na Diversidade”. Sabemos que somos diferentes, cada um tem culturas, línguas, experiências e problemas diferentes, mas temos que encontrar unidade dentro dessa diversidade. É isso que faz a força e a riqueza da Europa.

Depois de tantos anos como eurodeputado foi fácil regressar ao mercado de trabalho fora de Bruxelas? O que faz actualmente?

Estou a trabalhar em dois projectos que tinha há muito: o da plataforma de cidadania pela Europa e outro sobre Schengen, numa network com Bruxelas. Aceitei também um convite da Antena 1 para fazer um debate semanal com o Nuno Severiano Teixeira, moderado por Maria Flor Pedroso, o “Geometria Variável”. Estes são os projectos até ao final do ano, depois logo se vê.

Pondera voltar a candidatar-se ao Parlamento Europeu em 2024?

Ainda falta muito tempo, vamos ver.

A maior ameaça à União Europeia são os egoísmos nacionais

Mais Notícias

    A carregar...