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A revolta de ver os surdos postos de lado e a pica de os poder ajudar
Nuno Calado lamenta que a comunidade surda ainda continue a ser alvo de discriminação

A revolta de ver os surdos postos de lado e a pica de os poder ajudar

Nuno Calado é intérprete de língua gestual portuguesa na Escola Reynaldo dos Santos e uma cara frequente nos telejornais e na tele-escola. É também o rosto que tem ajudado a comunidade surda a perceber os discursos dos autarcas de Vila Franca de Xira. Leitor de O MIRANTE aceitou com agrado sentar-se à conversa com o jornal numa manhã chuvosa e ventosa, onde falou da importância do seu trabalho e do jornal para a comunidade. Lamentou que os surdos ainda sejam alvo de discriminação e elogia o bom trabalho do município para dar acessibilidade a todos.

A comunidade surda continua a ser bastante discriminada e isso revolta Nuno Calado, intérprete de língua gestual portuguesa na Escola Reynaldo dos Santos, em Vila Franca de Xira, que todos os dias quer dar o contributo para inverter esse cenário. Considera que há uma grande comunidade de pessoas surdas no concelho vilafranquense que precisam de perceber o que está a acontecer no seu território, a começar pelo que defendem os políticos locais. “Se queremos que sejam membros participativos da comunidade temos de lhes dar acesso e a possibilidade de, querendo, terem acesso a essa informação”, defende.
É por isso que, recentemente, começou a interpretar ao vivo as mensagens que Alberto Mesquita, presidente do município, tem deixado no site da câmara e está também a ser o intérprete de serviço durante as sessões das assembleias municipais daquele concelho.
“Não gosto de injustiças e, para ser franco, este trabalho é uma coisa que me dá pica e permite fazer algo para as combater. Revolta-me ver que os surdos são muitas vezes deixados de lado, como se houvesse cidadãos de primeira e segunda. Não pode ser. Estamos em dívida com os surdos. Pagam a mesma taxa audiovisual que nós mas onde está a acessibilidade para eles além dos telejornais?”, critica.
As escolas, considera, estão bem preparadas para os surdos mas no resto do dia a dia a comunidade surda tem acesso a pouco mais. “Numa ida ao Hospital, Finanças ou Segurança Social é sempre muito complicado. Há choques de comunicação, muita gente parece que está a falar com um estrangeiro”, lamenta.

Vila Franca de Xira tem feito um grande trabalho
O município de Vila Franca de Xira está a ser um exemplo nacional na oferta de acessibilidades e conteúdos adaptados para quem mais precisa, defende Nuno Calado.
“Vila Franca de Xira está muito adiantada em relação a tudo o que ainda está por ser feito no país. Têm conseguido um grande trabalho. Os outros concelhos deviam olhar para o exemplo de Vila Franca”, destaca. E refere que a comunidade estrangeira tem estado com os olhos postos em Portugal durante a pandemia de Covid-19, por sermos dos poucos países europeus que têm intérpretes de língua gestual nas conferências de imprensa das entidades de saúde. Algo que até aqui nem sempre acontecia.

Uma língua bela que não tem a atenção que merece
A língua gestual portuguesa é “uma língua maravilhosa” que infelizmente, para Nuno Calado, ainda não tem toda a atenção que merece. Há trabalho a ser feito para a promover, dinamizar e tornar ainda mais acessível a toda a comunidade. É nessa batalha que se tem empenhado. “A língua gestual não é como a língua oral. Tem uma estrutura distinta. Diferente dos outros países, é só nossa, com regionalismos diferentes. Exige uma grande criatividade do intérprete. Saber pegar numa língua visual e transformá-la numa língua quase oralizada. Muita gente não tem noção de que as duas são diferentes”, explica. É por isso que para muita gente que a desconhece e se limita a ver os gestos esta possa parecer confusa. É também mais difícil de aprender.

“O MIRANTE tem feito um bom trabalho”

Nuno Calado considera muito importante o papel que O MIRANTE desempenha na região e diz que a comunidade precisa de informação regional que, de outra forma, não obteria. “O MIRANTE tem feito um bom trabalho na divulgação da informação em pleno na região. Já conhecia o jornal e já dei por mim a fazer análises clínicas a lê-lo”, confessa com um sorriso. Nuno diz que mais do que nunca a informação regional é importante, incluindo para a comunidade surda. “Se não forem os jornais regionais quem vive aqui não tem informação nenhuma da sua terra tirando as generalidades nacionais”, nota.

Tudo começou com colega de escola

Nuno Calado tem 44 anos, é casado e licenciado em tradução e interpretação de língua gestual portuguesa. É natural de Cascais mas desde há vários anos está ligado a Vila Franca de Xira. Em primeiro lugar, enquanto intérprete de língua gestual portuguesa na Escola Reynaldo dos Santos. Mas a sua vida é itinerante e está onde há trabalho. Já passou pelo Canal Parlamento da Assembleia da República e é rosto frequente nos telejornais da SIC, RTP e TVI. Actualmente está também na tele-escola.
Somando-se a estes trabalhos faz também a interpretação em língua gestual das mensagens do presidente do município de Vila Franca de Xira e das sessões da assembleia municipal. O seu interesse pela língua gestual começou no ensino secundário quando tinha um colega de escola que era surdo.
Foi sempre aprendendo sobre esta forma de comunicação e chegou a ingressar na Associação de Surdos do Concelho de Sintra, onde esteve ligado aos órgãos sociais da associação. Gosta do pouco trânsito de manhã para entrar em Vila Franca de Xira, porque faz o movimento pendular inverso ao resto da população. Destaca as zonas ribeirinhas e avieiras como as mais espectaculares do concelho. Diz sem hesitar que as pessoas deviam conhecer Vila Franca de Xira e elege a proximidade com Lisboa como uma vantagem. “Há marcos na cidade que vale a pena visitar e é uma terra de gente muito simpática”, elogia. O problema, confessa, é o caos para conseguir estacionar o automóvel.

A revolta de ver os surdos postos de lado e a pica de os poder ajudar

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