Festival de Gastronomia foi o 25 de Abril da cozinha popular portuguesa
Oradores de conferência da Viver Santarém querem evento na Casa do Campino.
Portugal mudou profundamente a partir do 25 de Abril de 1974 e a gastronomia, como todos os outros sectores de actividade, começou a mudar também a partir dessa altura, mas a principal afirmação daquela mudança aconteceu entre 24 de Outubro e 3 de Novembro de 1981, quando se realizou a primeira edição do Festival Nacional de Gastronomia de Santarém.
Aquela opinião foi defendida por Armando Fernandes, Paulo Amado e Francisco Jerónimo, oradores que a empresa municipal Viver Santarém convidou para a conferência “Gastronomia Antes e Depois do 25 de Abril”, que decorreu online, na tarde de sábado, dia em que se celebraram os 46 anos da revolução e os 40 anos do Festival.
“O festival tem grande importância porque cria uma revolução. Foi um ovo de Colombo e contribuiu para o revigoramento da cozinha popular. O que foi levado para o festival foram as expressões mais genuínas desse tipo de cozinha”, defendeu Armando Fernandes, mestre em Cultura Portuguesa pela Universidade Nova de Lisboa e investigador dos hábitos alimentares das sociedades humanas e modos de transformar as matérias-primas em alimentos.
Para aquele participante no debate, que foi moderado pela directora executiva de O MIRANTE, Joana Emídio, a cozinha popular ganha outra visibilidade e outra importância a partir dali.
“Estávamos mais virados para gastronomias internacionais. Para conceitos como os do Hotel Avis, por exemplo, ou do Cota de Armas ou Tavares Rico, e o Festival Nacional de Gastronomia em Santarém, traz para a urbanidade a cozinha tradicional de raiz popular” sublinhou.
Para Francisco Jerónimo, membro fundador da comissão organizadora do Festival Nacional de Gastronomia de Santarém, a principal singularidade do festival foi concentrar no mesmo local gastronomia de todas as regiões do país, numa altura em que era necessário ir a cada uma dessas regiões para provar a comida típica de cada uma delas e as distâncias eram maiores devido à inexistência de boas vias de comunicação.
Paulo Amado, fundador do Congresso dos Cozinheiros, e director da revista Inter Magazine, também destacou o papel do Festival Nacional de Gastronomia enquadrado nas mudanças que ocorreram no país depois da revolução.
“Mudou tudo em Portugal. Aumentou o nível médio de rendimentos, o que ajudou a que existissem mais restaurantes. A marmita foi começando a ficar em casa. Aumentou a qualificação profissional, aumentou a tecnologia e surgiram novos equipamentos que permitiram aos restaurantes encarar o processo de confecção de outra maneira. É impossível enumerar tudo o que mudou” disse.
A necessidade de renovação do Festival Nacional de Gastronomia foi defendida pelos oradores como forma de o distinguir de outros eventos do mesmo género, muitos dos quais inspirados na experiência de Santarém. E, se nenhum deles quis avançar com ideias concretas sobre um novo figurino, todos concordaram que o festival deve continuar a realizar-se na “Casa do Campino” e que as entradas devem continuar a ser pagas.
Repensar para voltar a fazer a diferença
“A realidade mudou. Os restaurantes de algumas regiões também passaram a estar fora das suas regiões. Já não é preciso ir à região ou ao Festival de Gastronomia. Outras terras começam a fazer os seus festivais. O evento tem que se reinventar. Há alguns anos que se fala na introdução da gastronomia dos países de língua oficial portuguesa. Não sei se é a solução mas a par da ideia tem que haver mais investimento e mais profissionalização”, defende o director da Inter Magazine.
Armando Fernandes também defende a mudança e acredita que a actual situação resultante da pandemia vai influenciar as decisões. “O que está a acontecer vai-nos obrigar a repensar toda a restauração e nesse sentido todo o festival também vai ser profundamente repensado. Se Santarém tem a pretensão de ser a capital da cultura gastronómica em Portugal, uma ideia escorada no próprio festival, então o festival tem que mudar. Antes as pessoas diziam que iam a Santarém ao festival de gastronomia e agora dizem que vão a Santarém e que talvez passem pelo festival”.
Francisco Jerónimo lembra que a primeira edição do Festival de Gastronomia de Santarém teve para cima de 32 mil visitantes, sem promoção e sem que as pessoas soubessem antecipadamente o que iriam encontrar. “Muitos restaurantes presentes não representam as suas regiões e têm qualidade duvidosa. Alguns parecem cantinas. Isto tem que ser repensado para que o Festival Nacional de Gastronomia deixe de ser apenas mais um festival e volte a fazer a diferença”.
A conferência “Gastronomia Antes e Depois do 25 de Abril”, enquadrada no Programa de Celebrações dos 40 Anos do Festival Nacional de Gastronomia de Santarém, teve início às 17h00 com saudações aos participantes e ao público, feitas por João Teixeira Leite, presidente do conselho de administração da Empresa Municipal Viver Santarém e da vereadora da câmara municipal, Inês Barroso. Antes do debate actuou o grupo musical Três Bairros.
“O mundo da restauração é um mundo de mentiras. Neste momento estamos a viver uma época de experimentalismo. Abrem e fecham restaurantes como relâmpagos porque este experimentalismo só dá durante algum tempo”
Armando Fernandes
Há aquela ideia louca de que a cozinha moderna é uma ervilha no prato, mas a cozinha moderna portuguesa também é feita por gente esclarecida, que estuda e que entende o que é o país. Nunca vi a cozinha portuguesa tão valorizada”
Paulo Amado
“Hoje vamos a um restaurante de cozinha contemporânea, o chefe vem e do alto da sua pesporrência diz, diz, diz e não aceita ser contraditado porque ele esteve em Londres quinze dias e trouxe de lá um diploma a dizer que esteve em Londres. Bom, eu já fui a Londres”
Armando Fernandes