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Censura continua presente embora se revista de outras formas
foto DR António Valdemar

Censura continua presente embora se revista de outras formas

Para assinalar a data em que se comemora o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, 3 de Maio, O MIRANTE conversou com António Valdemar, jornalista com a carteira profissional número 1, sobre o antes e o depois da democracia e as novas formas de censura que ameaçam o jornalismo.

Apanhou o fim da governação de Salazar, acompanhou a de Marcelo Caetano, o PREC e o princípio da democracia, como chefe de redacção do “1º de Janeiro” entre 1968 e 1980, mas quando perguntamos a António Valdemar, 82 anos, qual o episódio de censura em plena democracia que mais o marcou, o jornalista, a viver em Torres Novas, não hesita e recorda o caso da “censura” à medalha escolhida para evocar o centenário do 5 de Outubro de 1910 (ver caixa). Um episódio que aconteceu em 2010 e que, em seu entender, “manchou as comemorações do centenário da República” e é bem representativo de que continua a existir “lápis azul” em Portugal.
Tudo aconteceu quando a medalha vencedora do concurso alusivo ao centenário, promovido pela Imprensa Nacional – Casa da Moeda, acabou por não ser editada. Para António Valdemar e para o criador da medalha, o escultor João Duarte, não houve dúvida que a forma triangular, associada à maçonaria, terá sido uma das razões para a decisão.
“O escultor sabe que quem fez a República foi a carbonária e a maçonaria, isso vem em qualquer livro de História de Portugal. Em vez de fazer uma medalha redonda optou pelo triângulo, forma ligada à simbologia do próprio busto da República e da origem da República, onde prevalecem os valores de liberdade, fraternidade e igualdade, cunhados na medalha. Isto não faz dele maçónico”, conta António Valdemar, mostrando a mesma indignação de há dez anos, quando o assunto acabou por ser publicado em apenas dois ou três títulos (um deles O MIRANTE).
O jornalista trabalhou 16 anos em redacções sob intervenção da censura. “Passei pela censura de Salazar e pela censura de Marcelo Caetano que até foi pior, porque passou a ser especializada e mais difícil de enganar. No tempo do Salazar os coronéis não tinham especialização para ler determinados textos”, confessa António Valdemar alertando, no entanto, que “falar nos tempos passados é cair num saudosismo deplorável”.
A realidade agora é outra e, segundo o jornalista e estudioso de literatura e história, não se pode fazer uma análise comparativa porque existem novas formas de censura e de repressão para as quais é preciso alertar. Um exemplo que aponta são os vínculos laborais precários que unem jornalistas e meios de comunicação, onde muitas vezes a liberdade de expressão é ensombrada pelo receio do desemprego.
O jornalista fala também dos negócios que se estão a fazer neste momento em câmaras municipais e em ministérios à volta dos equipamentos de protecção individual para a Covid. Considera que ultrapassam os limites do bom senso e da decência e questiona se haverá coragem jornalística para averiguar o que se está a passar num país anestesiado e dominado pelo medo. “Há que averiguar com frieza as cumplicidades que se verificam neste momento, antes que isto passe, para depois não haver a desculpa que foi um período de excepção em que foram tomadas medidas excepcionais”, alerta.
António Valdemar recorda que também após a Revolução dos Cravos houve um período de caos nas redacções. “Nessa altura, não havendo os meios sofisticados de hoje, a espionagem e as escutas telefónicas atingiram dimensões surreais. Todos eram escutados, embaixadas, centrais sindicais, partidos políticos, as franjas de direita… foi uma coisa tremenda”, reforçando que o clima nas redacções foi muito desagradável logo a seguir ao 25 de Abril de 1974. “Depois de quase 50 anos de ditadura houve uma explosão, as pessoas não estavam preparadas. Era muito difícil ter confiança e mesmo quando havia alguma confiança havia dúvidas”.
Para António Valdemar, faz todo o sentido assinalar o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa e alertar para as formas sofisticadas de censura que continuam a surgir, a par de outro problema grave para o jornalismo actual que são as notícias falsas.

foto DR

A medalha da discórdia

No âmbito das Comemorações do Centenário da República (2010) a Imprensa Nacional – Casa da Moeda abriu concurso para a criação e elaboração de gessos para uma medalha comemorativa. O escultor João Duarte foi o vencedor de um grupo de 14 artistas. A Casa da Moeda fez o primeiro protótipo e levou-o ao presidente da Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República, Artur Santos Silva, momento a partir do qual o processo parou, garante João Duarte.
Questionado por O MIRANTE, o escultor refere que o seu trabalho, de forma triangular, foi bastante elogiado pelo júri pela sua originalidade, e não tem dúvidas que a medalha não chegou a ser cunhada por “prepotência” e “censura”.
Desde então tentou obter uma resposta cabal quer da Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República, quer da própria Imprensa Nacional – Casa da Moeda, não tendo obtido qualquer explicação.
Dez anos depois, há cerca de um mês, o escultor foi contactado pela Câmara Municipal de Loures que lhe pediu uma adaptação da mesma medalha para o município assinalar os 110 anos da Implantação da República. João Duarte não esconde que foi um trabalho que lhe deu enorme satisfação e que será com grande regozijo que, possivelmente, verá a sua medalha concretizada. “Se o processo com a câmara avançar terei todo o gosto em enviar uma medalha a Artur Santos Silva”, remata com ironia.

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