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Há resorts a imitar as aldeias e deixam-se morrer as verdadeiras
Vanda Cordeiro diz que é inaceitável que não exista um barco a subir o Tejo desde Lisboa e que acha estranho que o Ribatejo não seja conhecido internacionalmente como região

Há resorts a imitar as aldeias e deixam-se morrer as verdadeiras

Vanda Cordeiro, empresária na área do turismo, gere o Convento de Santo António, na Chamusca, um turismo de luxo numa casa construída há cinco séculos e cheia de história. Numa conversa com O MIRANTE falou da falta de visão dos políticos para a importância do rio Tejo, da falta de divulgação da marca Ribatejo e da crise no sector que está entregue a duas grandes multinacionais.

Os profissionais da indústria da hotelaria estão preocupados com o modo como os políticos têm respondido à actual crise no turismo. Vanda Cordeiro, empresária turística, defende que o Governo deve ter coragem para tomar medidas sem precedentes, de modo a garantir que multinacionais como o Booking e a Expedia sejam chamadas a participar na sua recuperação para que os mais pequenos possam sobreviver. Para além desta intervenção, o Estado tem também a obrigação de impulsionar o turismo através da criação de melhores infra-estruturas e da divulgação do que de melhor as regiões têm para oferecer.
Vanda Cordeiro, natural de Ulme, Chamusca, assume-se como uma empresária direccionada para a criação de novos negócios e para a revitalização de projectos com falta de posicionamento no mercado. Este foi o mote para fundar o Convento Inn, um projecto de hotelaria situado na Chamusca, que explora o Convento de Santo António, um edifício cheio de memórias construído há cerca de cinco séculos.
A conversa com O MIRANTE decorreu na manhã de uma sexta-feira, na sala principal do edifício, outrora uma igreja. A entrevista foi realizada ao som de música clássica e acompanhada por um chá de menta servido pelo senhor João, um dos seus colaboradores permanentes.
Depois de ter viajado pelo mundo (EUA, Itália e Grécia), Vanda Cordeiro regressou há cerca de dois anos ao seu país de origem com o objectivo de colocar o Ribatejo no mapa. “Sabia que não ia ser fácil. Há falta de infra-estruturas, e, pior do que isso, o Ribatejo nem sequer é reconhecido a nível internacional como uma região. Acho isso uma barbaridade”, sublinha.
A empresária diz que a história e a cultura da região merecem mais consideração porque as diferenças em relação às outras regiões são evidentes. E dá o exemplo da região do Douro, que era desconhecida até montarem uma máquina que a posicionou no mercado. “O mesmo vai ter de acontecer com o Ribatejo. Temos de deixar de ser os parentes pobres do país”, afirma. A Casa dos Patudos, o Castelo do Almourol, a Reserva Natural do Boquilobo e as igrejas são apenas alguns exemplos do que há para potenciar.
“As informações têm de chegar às pessoas para que comprem o produto. Estão a ser feitos resorts a imitar as nossas aldeias quando as verdadeiras estão a morrer”, afirma, para demonstrar que a melhor forma de desenvolver o turismo é criar condições para que as populações das aldeias se consigam autossustentar. “Devíamos começar a comprar os banquinhos de palha aos nossos vizinhos, em vez de gastar fortunas a mandá-los vir do estrangeiro”, exemplifica.

Falta de aproveitamento do rio Tejo
Vanda Cordeiro diz que o rio Tejo é um dos melhores exemplos para explicar o desleixo das entidades em relação ao potencial turístico da região e do país. A afinidade com o rio mais extenso da Península Ibérica, que atravessa dezenas de localidades, nasce da sua paixão pela literatura e pela história das localidades ribeirinhas. “Não é aceitável que não exista um barco a subir o rio desde Lisboa até ao Arripiado, por exemplo. Era uma forma de fomentar o turismo básico, menos corporativo, que é o que toda a gente procura”, explica.
Do seu ponto de vista, o desassoreamento do rio e a forma como as marachas devem ser preservadas seria o mais importante para reverter a situação. E volta a dar o Douro como exemplo: “Quando o rio Douro começou a ser navegado, quem ia de propósito para o Porto começou também a ir para as zonas rurais à volta. Alguém tem de perder tempo a pensar no assunto”.

O oligopólio das agências de viagens online
Para a empresária, o sector turístico está nas mãos das grandes empresas de reservas online devido aos novos hábitos. A pandemia, e a crise que surge como consequência, pode ser um bom ponto de partida para o turismo se reinventar e não estar à mercê das máquinas que controlam um mercado que é naturalmente familiar. “Estamos a ir para a guerra com uma fisga. As agências de viagens online, como a Booking ou a Expedia, manipulam toda a distribuição de alojamento. A única forma de minimizar os efeitos deste oligopólio é estabelecer um tecto máximo às comissões cobradas pelas plataformas digitais que, neste momento, ronda os 25%. E o Governo pode ter voto na matéria. Caso as agências internacionais decidam deixar de trabalhar com Portugal há uma solução: “O Estado cria uma plataforma própria, só para distribuição de produtos portugueses, e o dinheiro fica todo no país”.

A importância dos municípios no turismo

Para Vanda Cordeiro há uma grande lacuna na quantidade e qualidade de material informativo disponibilizado pelos municípios. Aspectos da cultura ribatejana como a tourada, a monda do arroz ou o turismo religioso estão a ser mal divulgados. “Os guias turísticos disponíveis para consulta são muito fracos. As igrejas são um bom exemplo de como os municípios podiam trabalhar mais em prol da divulgação dos seus monumentos históricos. “As igrejas na Chamusca estão fechadas. Em Santarém a mesma coisa. Vão dizer-me que a responsabilidade é das paróquias, mas se os municípios colocassem alguém a cuidar desses locais, iam atrair mais turistas certamente”, refere.

Adaptação a um mundo de luxo

Vanda Cordeiro emigrou com 17 anos, formou-se em economia política, trabalhou nos média durante vários anos e entrou para o mundo do negócio turístico em plena crise de 2008. Na altura foi convidada a trabalhar para um grande hotel em Santorini, Grécia. Ao longo de cinco anos foi subindo nos quadros da empresa e, actualmente, à distância, trata de tudo o que tem a ver com vendas e posicionamento no mercado. Tem ainda a função de gerir conflitos e os vários tipos de egos dos clientes, sendo que muitos deles são figuras famosas. “Desde que estou no ramo percebi que o luxo é simplicidade. É poder comer a fruta directamente da árvore. É isso que vende. A sociedade de hoje olha muito para a capa do livro e menos para o seu conteúdo”, sublinha.

Um espaço que marca a diferença

O Convento de Santo António foi fundado em 1519 pelo Rei D. Manuel I. Depois de pertencer a várias famílias, e de sofrer muitas alterações ao longo de cinco séculos, o Convento foi comprado por Carlos do Amaral Netto, proprietário, político do antigo regime, e segunda figura do país antes do 25 de Abril de 1974, por ser o presidente da Assembleia Nacional. A propriedade foi herdada pelo seu filho, Miguel do Amaral Netto, que aceitou transformar o Convento num espaço ainda com mais personalidade, que mistura a arquitectura, arte e o espírito do presente e do passado. “Este templo é o sítio ideal para mentes curiosas se perderem num lugar encantado”, afirma Vanda Cordeiro, acrescentando que “os jardins são um dos atractivos, mas também há a piscina, uma das melhores vistas para a Lezíria e para o rio Tejo, e ainda uma biblioteca; quem visita o Convento Inn vai sentir-se dentro de um verdadeiro museu”, remata.

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