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É preciso uma cabeça bem resolvida para largar o vício do tabaco
Nuno Faria em consulta de cessação tabágica com a pneumologista Paula Rosa

É preciso uma cabeça bem resolvida para largar o vício do tabaco

O tabaco é um vício que atinge perto de um quarto da população nacional. Para o largar há quem recorra a consultas de cessação tabágica normalmente assustado por alguma doença associada ao fumo. O MIRANTE conversou com as médicas Paula Rosa e Manuela Graça, de Vila Franca de Xira e Santarém, para perceber o papel dos profissionais de saúde na luta contra o tabagismo.

A funcionar desde 2012 a consulta de apoio intensivo à cessação tabágica do Hospital Vila Franca de Xira já recebeu mais de 1.100 utentes e só nos últimos dois meses de 2019 estavam a ser feitas 60 consultas mensais, demonstrando que são cada vez mais os fumadores a querer largar o vício. Nuno Faria, 40 anos, foi diagnosticado com doença pulmonar obstrutiva crónica e, por isso, aconselhado a deixar de fumar. No dia em que O MIRANTE visitou o serviço de pneumologia desta unidade, entrou na sua primeira consulta de cessação tabágica. Ficou dependente do tabaco aos sete anos e aos nove fumava quatro maços por dia.
Depois de uma entrada nas urgências dessa unidade hospitalar, por falta de ar, Nuno Faria passou a fumar 24 cigarros por dia em vez dos 48 habituais, mas sabe que tem de parar. “O trabalho deixa-me muito ansioso, porque lido com a morte todos os dias e fumar acalma-me”, conta o coveiro residente em Povos, Vila Franca de Xira.
Nuno Faria é o tipo de paciente mais comum que aparece na consulta de cessação tabágica. Segundo Paula Rosa, directora do serviço de pneumologia do hospital e coordenadora da comissão de trabalho de tabagismo da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP), “grande parte dos doentes vem porque já tem uma doença pulmonar obstrutiva crónica ou um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Há geralmente uma outra patologia que os traz a esta consulta”. A média de idades de quem mais procura este serviço fixa-se entre os 50 e os 60 anos.
A não obrigatoriedade de haver em cada unidade de saúde consultas de cessação tabágica é um obstáculo nessa luta. O Sistema Nacional de Saúde (SNS) determina que apenas uma unidade de saúde, em cada Agrupamento de Centros de Saúde (ACES), tem de ter esta consulta em funcionamento. O que, na opinião da pneumologista, demonstra que a “cessação tabágica não é uma prioridade para a saúde” e faz com que haja “uma grande lista de espera” levando a que alguns fumadores desistam. Um fumador “que decide que quer deixar de fumar não pode ter uma consulta dali a três meses porque, entretanto, a decisão pode ter sido alterada”.

20 por cento da população é fumadora
O SNS ainda não dispõe de um indicador do número de pacientes que conseguiram deixar de fumar com ajuda médica, o que dificulta a avaliação da taxa de sucesso. No Hospital Vila Franca de Xira, segundo Paula Rosa, essa taxa ronda os 30%. No Centro de Respostas Integradas do Ribatejo (CRI), em Santarém, a taxa de sucesso das consultas antitabágicas, em 2019, foi das mais baixas de sempre, ficando nos 15%, quando em anos anteriores rondou também os 30%. No país sabe-se que 20% da população é fumadora e que apenas cinco por cento deixou de fumar sem ajuda médica.
Grande parte dos fumadores foge das consultas “por medo de não conseguir deixar” de fumar, refere Paula Rosa reforçando a importância dos profissionais de saúde nas chamadas de alerta para os malefícios do tabaco e encaminhamento dos pacientes. “Fumar é uma doença e como todas pode ser necessário tratá-la com medicação”, destaca, salientando que o número de consultas por paciente vai sempre depender do “grau de dependência ao tabaco e a motivação que tem para deixar de fumar”.
O processo pode, por isso, ser mais ou menos longo e incluir ou não medicação para ajudar no controlo “da privação da nicotina” que se assemelha a uma síndrome de abstinência que pode levar a sintomas como a ansiedade, irritabilidade e tremores. Sobre a intervenção medicamentosa, Paula Rosa só lamenta que nem todos os medicamentos sejam comparticipados.
Segundo Manuela Graça, uma das médicas responsáveis pela consulta no CRI de Santarém, as mulheres são mais preocupadas com as doenças associadas ao vício do tabaco, sendo a maioria dos utentes do sexo feminino. Quanto às idades médias situam-se entre os 40 e 50 anos, embora haja utentes a partir dos 18 e até aos 70 anos.
Em situação normal, durante os três primeiros meses as consultas são presenciais, após seis meses as técnicas passam a contactar o utente através de telefone e após um ano voltam a ligar. “Muitas vezes é aqui que sentimos que perdemos o controlo das situações. Os utentes deixam de atender e muitas vezes perdemos o rasto”, refere Manuela Graça.
A consulta é composta por uma equipa de médicos, enfermeiros e psicólogos que desempenham um trabalho diferente para cada utente que chega. Na primeira consulta os fumadores estabelecem o chamado “dia D”, que fica marcado com a segunda consulta, para o dia em que começam a deixar de fumar. Segundo a médica, a taxa de sucesso é maior nos casos em que é usada medicação. Caso contrário, só mesmo “uma cabeça bem resolvida e direccionada” pode ser o suficiente para largar o vício.

Nicotina transmite falsa sensação de bem-estar e vaporizadores são uma ilusão

A substância presente num cigarro convencional que leva ao vício tem um nome: nicotina. “É traiçoeira e transmite uma falsa sensação de bem-estar” assim que chega ao cérebro através da corrente sanguínea. Mas o que provoca na verdade, explica a pneumologista Paula Rosa, é “desconforto, irritabilidade, ansiedade e falta de concentração, gerando constantemente compulsão para fumar”.
No que respeita aos novos tipos de tabaco, como o tabaco aquecido ou os vaporizadores, Manuela Graça é taxativa: “É uma ilusão total”. Opinião partilhada pela Direcção-Geral da Saúde alinhada com a Organização Mundial de Saúde. Segundo a médica de Santarém, há casos comprovados de mortes devido a pneumonias lipóides associadas ao consumo de substâncias que se encontram nestes produtos, especificamente nos vaporizadores, o que deverá continuar a acontecer porque “a indústria tabaqueira tem uma técnica de marketing fabulosa” que leva as pessoas a acreditar que não estão a fumar.

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