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Exigência dos cidadãos para com o poder autárquico é muito baixa
Jorge Gaspar acredita que é possível fazer mais e melhor pelo Cartaxo

Exigência dos cidadãos para com o poder autárquico é muito baixa

Jorge Gaspar é vereador da oposição na Câmara do Cartaxo pela coligação PSD/Nós Cidadãos. Nasceu e viveu em Lisboa até há 10 anos quando trocou o bulício da capital pela paz do campo em Casais da Amendoeira. Diz que a estratégia do PS, que é poder no Cartaxo há mais de quatro décadas, tem passado apenas por ganhar eleições, levando o município à falência e hipotecando o desenvolvimento do concelho.


Vivia na zona de Lisboa até há uns anos. Por que razão escolheu o Cartaxo para viver? Veio à procura do sossego do campo?

Num certo sentido também. Vivíamos em Lisboa e vínhamos cá ao fim-de-semana, pois já cá tínhamos casa. A dada altura pensámos: e por que não fazer ao contrário, vir viver para aqui e ir a Lisboa quando tivéssemos saudades? E assim foi! A minha mulher era procuradora no DIAP em Lisboa e agora está aqui no Cartaxo. Foi uma opção de vida trabalhada em família.

Viver no campo também tem os seus transtornos como a poluição das pecuárias, os buracos nas estradas e a escassez de serviços públicos essenciais. Já se habituou a isso?

No concelho do Cartaxo há problemas ambientais que não têm que ver só com as pecuárias mas também com despejos de esgotos no rio Tejo, com uma taxa de cobertura de saneamento básico que é ainda das mais baixas do país. E não vejo que as coisas possam melhorar rapidamente. Não me habituei a isso nem me habituarei. Mas aqui no Cartaxo, e é bom que sejamos honestos na análise, o nível de exigência de cidadania apontou a sua bitola para baixo.

Refere-se à pouca exigência dos cidadãos quanto à classe política ou em relação à qualidade de vida que têm?

A variadíssimos níveis, nomeadamente no que toca a qualidade de vida, mobilidade, circulação na cidade e no concelho. O nível de exigência cívico para com a classe política vigente é também muito baixo. E depois, naturalmente, a resposta aponta também para uma bitola baixa e de fraca qualidade.

O PS governa o município do Cartaxo há mais de quatro décadas e apesar da sua gestão financeira desastrosa os eleitores continuaram a dar o seu voto de confiança aos socialistas. Não é frustrante ser oposição neste quadro?

Não é frustrante. Estou cá porque quero. Mas efectivamente a grande mais valia do PS no Cartaxo não é a obra autárquica, é sim a mãozinha do símbolo do PS. A gestão autárquica socialista reduziu o concelho à situação de ruptura financeira em que se encontra há anos. Com a agravante de não haver uma obra que demonstre exactamente onde foi investido o dinheiro.

Há o nó de acesso à A1, o estádio municipal do Cartaxo...

Mas nada disso chega para justificar o buraco financeiro que se cavou e que coloca em causa não só o presente mas também o futuro do concelho por mais de uma geração.

Qual é o interesse em ser candidato a uma câmara falida, atada de pés e mãos em termos financeiros?

O interesse pessoal não é nenhum. É o gosto pela participação cívica e política numa comunidade que merece toda a atenção. Há muitas limitações financeiras mas, como sabemos em muitas vertentes das nossas vidas, muitas vezes o dinheiro não resolve os problemas, só os agrava. Despejar dinheiro em problemas sem ter solução para os mesmos só cava mais fundo o buraco. Na vida autárquica do Cartaxo há um conjunto de problemas estruturantes que não se resolvem com dinheiro, resolvem-se com vontade política.

Por exemplo?

Se me perguntar porque não vêm empresas para o Cartaxo não é por falta de dinheiro. Não há uma estratégia de desenvolvimento económico e social no Cartaxo... Há uns meses perguntei ao presidente, numa reunião de câmara, qual era a estratégia de desenvolvimento que tinha para o concelho e ele respondeu que era ganhar eleições. Resposta taxativa.

Mas a Câmara do Cartaxo até investiu num parque de negócios e num nó de acesso à A1 nessa zona para atrair empresas. Se elas não vêm a responsabilidade não parece ser só dos autarcas.

O Valleypark é um empreendimento privado onde o município tem uma participação de 22 ou 23%. Do ponto de vista da política pública municipal, o que se passa é que a Câmara do Cartaxo não investiu ainda o que devia lá ter investido, nomeadamente em infra-estruturas. Sendo as infra-estruturas insuficientes, isso condiciona muito a captação de investimento.

O concelho do Cartaxo tem passado por dificuldades a nível económico nas últimas décadas com o encerramento ou insolvência de empresas de que a Fleximol é o último caso.

Não há aqui nada de paranormal. A Câmara do Cartaxo é governada desde o 25 de Abril pelo mesmo partido, que se limita a gerir o poder. Uma coisa é gerir um município com uma estratégia de desenvolvimento, outra coisa é gerir as relações de poder para manter o poder, como um fim em si mesmo. É isso que se passa no Cartaxo. A estratégia do PS é ganhar eleições.

Porquê a coligação do PSD com o partido Nós Cidadãos, que não tem qualquer expressão autárquica no concelho nem no país?

Tenho dos partidos uma visão instrumental. Os partidos políticos servem as comunidades, não são um fim em si mesmo. Devem servir as comunidades da melhor forma possível e encontrar, do ponto de vista político, as soluções que julguem mais adequadas. Os cidadãos estão paulatinamente a afastar-se da esfera política, o que é um erro. Porque a política entra-nos pela casa dentro sem darmos por isso e tem influência crescente nas nossas vidas. Basta ver os impostos... E, nessa visão de termos os partidos como instrumentos, aqui no Cartaxo o que procurámos foi alargar o espaço para lá do PSD.

Foi inclusivamente buscar para número dois da lista Nuno Nogueira, um vereador que pertencia ao movimento independente Paulo Varanda.

Não fui buscar. Conversámos os dois e entendemos que poderíamos juntos construir uma alternativa ao PS. Independentemente de não termos ganho, o que, convenhamos, seria muito difícil de um dia para o outro, julgo que foi uma boa solução. Permitiu abrir a participação política a um conjunto de cidadãos que, de outra forma, poderiam estar completamente desligados.

O resultado nas urnas decepcionou-o?

Não. Não tenho frustrações e também não tenho grandes ilusões. Procuro ser realista. Subimos 26% face às eleições de 2013, tivemos mais 800 votos. Recordo que em 2017 o PSD teve o pior resultado autárquico de sempre a nível nacional. Ficámos a pouco mais de cem votos de eleger o terceiro vereador. Acima de tudo, não estou desiludido porque a minha visão das coisas é de serviço. E temos dado ao longo destes três anos, apesar de estarmos na dita oposição, um contributo muito importante com propostas concretas.

Quer dar exemplos?

Propusemos que as reuniões de câmara passassem a ser transmitidas em directo na Internet. O que foi conseguido. Assim, ao invés de termos três ou quatro pessoas nas reuniões de câmara, podemos ter muitos mais cidadãos a assistir em directo ou visualizando depois. Apresentámos outras propostas já aprovadas mas infelizmente ainda não executadas, como a redução em 90% das taxas urbanísticas para jovens até aos 35 anos que queiram viver no Cartaxo e a comparticipação, pelo município, das refeições escolares das crianças de famílias numerosas, com três ou mais filhos.

“Não é aos gritos que se resolvem os problemas”

Em 2021 há novamente eleições autárquicas. Gostava de voltar a ser candidato?

Até Outubro de 2021 ainda falta muito tempo. Logo se verá. O PSD do Cartaxo vai ter eleições, a distrital também, eu também tenho a minha vida...

Mas gostava de voltar a ser candidato ou não?

A questão vai colocar-se no momento próprio. Ainda é prematuro.

Alguns companheiros de partido acham que devia fazer uma oposição mais crítica e assertiva, nomeadamente nas reuniões de câmara. O que acha disso?

Não sei que companheiros são esses... O PS diz precisamente o contrário. Já por três ou quatro vezes fui acusado de protagonizar dos momentos mais baixos da política no Cartaxo. Algures no meio estará a verdade. Mas não deixo nada por dizer, embora entenda que não é aos gritos que se resolvem os problemas. Tenho uma postura construtiva.

Como é a sua relação com o presidente da câmara?

É uma relação pessoal cordialíssima.

Já se conheciam antes de serem adversários nas autárquicas?

Não. Conhecemo-nos nos debates da campanha eleitoral.

Não ser um cartaxeiro de gema tem tido alguma influência na sua vida política e autárquica. Por vezes há bairrismos exacerbados e ainda se olha com desconfiança para quem vem de fora.

O bairrismo não faz mal nenhum desde que não seja exacerbado. Acho que somos dos sítios onde nos sentimos bem e felizes. E é claro que me sinto feliz aqui porque se quisesse ir viver para outro lado qualquer ia. Sinto-me bem no Cartaxo, por isso considero-me cartaxeiro. Hoje o mundo é global, a mobilidade é global e gostava que mais pessoas de fora viessem para aqui viver. Todos temos a mesma importância e os mesmos direitos.

“Presidente não teve capacidade política para resolver problema com a Cartágua”

A concessão da água e saneamento à Cartágua continua envolta em polémica e a aquecer o debate político.

Não tenho nada contra, em tese, quanto à concessão da água e saneamento básico a privados, desde que funcione. Mas o que temos aqui no Cartaxo é um processo muito estranho.

Estranho em que sentido?

Temos um contrato de 2010; temos um primeiro aditamento ao contrato em 2011; temos um segundo aditamento em 2013, ano de eleições, todos eles visados pela ERSAR e pelo Tribunal de Contas; e temos um terceiro aditamento que chumbou na ERSAR, em 2017, também ano de eleições, tendo já como presidente de câmara Pedro Ribeiro. O que temos hoje no Cartaxo é um contrato que vigora desde 2013 e em relação ao qual o presidente esteve contra. Daí ter havido depois um terceiro aditamento, que acabou chumbado. Estamos em 2020, passaram sete anos e continua em vigor um contrato com o qual o presidente não concorda. Em sete anos não se resolveu o problema, que só se agrava com o tempo.

Porquê?

Este é um jogo de espelhos entre a Cartágua e a Câmara do Cartaxo. Desde 2013, ambas as partes sabem que o contrato está em vigor mas não o cumprem nem ninguém faz nada para que o mesmo seja cumprido. Um município falido, como o do Cartaxo, abdica desde 2013 de cerca de 700 mil euros de rendas por ano que a concessionária tinha a pagar ao município. E ainda não se fez nada para as recuperar. É só fazer as contas...

Mas a câmara também não está a cobrar aos consumidores o tarifário previsto.

Exactamente. Por isso é que digo que é um jogo de espelhos. Ambas as partes não cumprem o contrato e nenhuma das partes faz com que o contrato seja cumprido. Do ponto de vista político, o que está à vista é a incapacidade do presidente de câmara para resolver o problema. É um problema muito grave, embora as pessoas não tenham noção disso. A qualquer momento a Cartágua tem duas possibilidades de reequilíbrio contratual, isto é, de unilateralmente exigir o aumento do preço da água. Isso decorre do incumprimento do contrato e de uma causa mais recente que é a circunstância de uma das ETAR que construiu, a da Ereira/Lapa, não ser comparticipada por fundos europeus. E não tendo essa comparticipação, o que está previsto contratualmente é que a empresa, que tem de investir capitais próprios na ETAR, pode fazer repercutir isso no contrato.

E por que razão não foi essa ETAR financiada pela União Europeia?

Porque não se fez a candidatura. E a dona da rede de água e saneamento é a Câmara do Cartaxo. Temos estudado muito este dossiê e depois do Verão apresentaremos uma proposta de solução para o problema da água e do saneamento básico no concelho do Cartaxo.

Demitiu-se do IEFP e do Sporting por não estar agarrado aos lugares

Jorge Gaspar nasceu em Lisboa em 30 de Março de 1970. Tem 50 anos, é casado, tem três filhos e vive nos Casais da Amendoeira, freguesia de Pontével, desde 2010. Formado em Direito, é professor do ensino superior em Lisboa, onde residia antes de se mudar para o Ribatejo. Entre outros cargos, foi director nacional do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) entre 2013 e 2016. Apesar de ser militante do PSD, com a mudança de Governo foi reconduzido no cargo em 2015 pelo ministro socialista Vieira da Silva, com quem tem uma relação pessoal “muito boa”. Acabou por sair no ano seguinte por não concordar com a linha estratégica que estava a ser definida para o IEFP. “Não estou agarrado aos lugares só para dizer que sou presidente disto ou daquilo”, afirma.
Foi também membro do Conselho Fiscal e Disciplinar do Sporting Clube de Portugal, entre 2013 e 2018, durante as direcções de Bruno de Carvalho. Demitiu-se por divergências com o então presidente no dia seguinte a um jogo entre o Atlético de Madrid e o Sporting, após publicações de Bruno de Carvalho no Facebook bastante críticas para com alguns jogadores. Começava aí uma crise interna nos leões que perdura até hoje.

Exigência dos cidadãos para com o poder autárquico é muito baixa

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