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“Os políticos deixaram de ter coragem para defender a tauromaquia”
Filipe Gravito integra a quadrilha de João Moura Júnior, mas continua a treinar com Ana Batista na herdade onde decorreu a entrevista

“Os políticos deixaram de ter coragem para defender a tauromaquia”

Sonhou tourear a cavalo, mas acabou por se tornar profissional do capote e das bandarilhas. Filipe Gravito deixa fortes críticas aos líderes políticos que puseram a afición de lado e diz que sem a festa brava o Ribatejo perde a sua identidade. Defende os toiros de morte e torce o nariz a ter de espetar bandarilhas em dorsos de velcro. Não o envergonha que um bandarilheiro seja um subalterno do toureiro.

Se ser toureiro a cavalo não fosse só para quem nasceu num berço de oiro com cavalos à porta, talvez tivesse seguido o seu sonho de menino. Mas Filipe Gravito não conseguiu desligar-se da ideia de um dia pisar uma praça e enfrentar um toiro. Aos pais pedia sempre o mesmo, que lhe comprassem o bilhete para assistir a uma corrida na praça de toiros de Salvaterra de Magos, de onde é natural. Quando não conseguia o que queria ia para as traseiras da praça para ver passar os artistas da festa.

Tem 25 anos e há seis que é bandarilheiro profissional. Tirou a alternativa na praça de toiros Palha Blanco, em Vila Franca de Xira, apadrinhado por Manuel dos Santos Becas. “Tourear a cavalo requer um investimento muito grande que só pessoas com grandes posses conseguem suportar. Além disso, era novo e os meus pais não estavam dispostos a fazê-lo”, começa por afirmar para explicar o que lhe mudou o sonho.

Aos 10 anos os pais inscreveram-no na antiga escola de toureio em Almeirim e aos 12 fez-se aluno da escola de toureio Joaquim Gonçalves, em Santarém. “A aprendizagem não foi fácil”, confessa, “apesar de poder parecer para quem vê de fora”. “Exige muita dedicação para apurar a técnica, saber armar bem um capote e dar o lace”, refere.

Filipe Gravito, diz que “o cavaleiro é que tem de brilhar e os bandarilheiros são os que estão lá para ajudar a que isso aconteça”. Têm de ser discretos, “saber levar bem os toiros” e de preferência sem muitos lances para não levarem com assobiadelas do público, que “não percebe que um bandarilheiro está apenas a seguir as ordens de um toureiro”. “Às vezes estou a saltar as tábuas e já me estão a assobiar. Tenho de fazer ouvidos moucos e dar os lances que o meu toureiro me pede”, diz.

Já não é do tempo em que nomes de ilustres bandarilheiros como o do maestro Mário Coelho apareciam nos cartazes das corridas. “Isso eram outros tempos, mas bons bandarilheiros ainda os há. Um bandarilheiro é um subalterno que está por trás de um cabeça de cartaz, mas é um elemento fundamental numa lide”, acrescenta, vincando que capotear apenas sobre ordens não o envergonha nem desvaloriza o seu trabalho.

Sobre se é difícil entrar nesta profissão, o bandarilheiro admite que possa sê-lo para quem não tem ligações a alguém que esteja no mundo fechado do negócio da festa brava. “Ou têm alguma cunha ou amizade com algum toureiro ou nem chegam a pisar uma praça. Nesta área o currículo só se faz a andar bem com os toiros em praça, a chegar lá e mostrar que queremos e sabemos fazer bem o nosso trabalho”, salienta Filipe Gravito, que tem dois novilheiros na família.

Morte na praça é mais digna que no matadouro

Defensor convicto dos toiros de morte, considera as corridas em Espanha “mais justas do que as corridas à portuguesa”. Porquê? “A morte de um toiro faz parte da lide de um toureio em praça. Além disso, o sofrimento é menor do que o da espera pelo matadouro”, diz. Nunca matou nenhum, mas já teve “a sorte” de tourear uma época no país vizinho, como bandarilheiro da quadrilha do rejoneador Sergio Glán. “Se gostava de o fazer, gostava”, confessa.

Sobre a lide sem sangue e com velcros no toiro para colocar as bandarilhas, em vez de as espetar, que chegou a ser proposta pelo Partido Socialista, a opinião do bandarilheiro é vincada: “Não faz sentido. Um toiro que não é sangrado vai congestionar, isto é, vai investir e correr sem parar até que morre sozinho, por cansaço e asfixia”, diz, destacando que já toureou com velcro ao serviço de João Soller Garcia, há dois anos na Califórnia, Estados Unidos da América.

Há quatro anos está às ordens do cavaleiro João Moura Júnior, mas foi com Ana Batista que deu os primeiros passos. “A Ana ensinou-me muito ao longo de seis anos”, diz para deixar claro que “a tauromaquia é sempre mais dura para uma mulher” devido aos “preconceitos num mundo de homens”. Nos bastidores de uma corrida, conta, ainda se ouvem comentários machistas.

É calado que passa praticamente o tempo da corrida. Entende o toureiro por gestos discretos que escondem muitas horas de treino conjunto e “uma boa amizade por trás”. Lida toiros particamente todos os dias e diz-se um “sortudo” por poder fazê-lo. Em praça, antes da pandemia, fazia uma média de 40 corridas por época.

Além de bandarilheiro trata e treina dos cavalos do cavaleiro tauromáquico, João Ribeiro Telles. É desse trabalho que ganha o salário mensal. “As corridas são um bónus” para os gastos com os fatos que chegam a custar mais de dois mil euros.

“Não vale a pena ter conversas com anti-taurinos”

Qual é o grande problema da tauromaquia?

A falta de apoio. Precisamos de quem nos saiba defender perante os ataques dos anti-taurinos. Precisamos sobretudo do apoio dos nossos políticos, mas muitos deixaram de ter coragem para defender a tauromaquia. O nosso Presidente da República, antes de o ser ia ver corridas de toiros. Cheguei a vê-lo nas bancadas da praça em Sobral de Monte Agraço. Agora nem nos apoia, nem nos defende, não faz nada.

Teme pela extinção da festa brava?

Não acho que vá acabar. Vão sempre haver corridas de toiros, pelo menos nas terras de aficionados. Sem toiros Salvaterra, Alcochete e outras morreriam completamente.

Empresários, toureiros e aficionados estão unidos nessa luta?

Cada vez mais nos estamos a unir. Acho que chegou tarde, mas mais vale tarde que nunca. Agora todos, à sua maneira, estão a fazer um esforço para que a festa brava não fique em risco.

O fim da tauromaquia continua a ser uma bandeira do PAN. Se o sentassem à mesa com André Silva que conversa teria com ele?

Preferia não ter conversa. Não vale a pena ter conversas com anti-taurinos, que não sabem do que falam e desconhecem por completo o que é a festa brava e as corridas de toiros. São tão ridículos que chegam a defender-se dizendo que os cavalos dos toureiros são maltratados e isso não é verdade.

Tem militância política ou é simpatizante de algum partido?

Nem uma coisa nem outra. Nunca liguei à política.

Quem manda na festa brava?

Sem dúvida os toureiros. São eles que escolhem onde querem e que toiros querem tourear. O empresário é uma figura importante, mas por mais que queira um toureiro a cabeça de cartaz se este não quiser, não vai.

Já lhe aconteceu lidar um toiro que não fosse puro de lide?

Não, isso já não acontece. Há um controle rigoroso, os toiros têm um certificado de pureza. Mas ainda oiço muitos toureiros dizer que lidavam toiros que saiam cinco e seis vezes em praça. Os empresários faziam-no por questões financeiras. Como já lá tinham o toiro guardavam-no, curavam-lhe as feridas e estava pronto para outra corrida.

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