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Engrácia Marques: “Só há mulheres na política por causa das quotas”
Engrácia Marques considera que o presidente ideal tem que ter tempo para a freguesia

Engrácia Marques: “Só há mulheres na política por causa das quotas”

Engrácia Marques é presidente da Junta de Alburitel há três anos. Venceu a freguesia nas eleições autárquicas de 2017 por 14 votos, voltando a colocar o PSD na liderança do organismo depois de doze anos de presidência de Elias Silva (PS). Afirma que nunca gostou de política e que só aceitou o desafio de concorrer à junta por respeito e amizade a Luís Albuquerque, presidente da Câmara de Ourém. É autarca a meio tempo e ganha 273 euros por mês. A sua grande paixão é levantar-se todos os dias e assumir as funções de directora técnica do Centro João Paulo II, onde trabalha há 27 anos. Em entrevista a O MIRANTE diz que a política é um mundo de homens e que as mulheres só lá estão por serem uma quota de género nos partidos políticos. Gostava de ser recordada como uma presidente de junta “porreira” que procurou fazer de Alburitel um pequeno jardim selvagem que merece visita obrigatória.

Tem o mestrado em Família e Sistemas Sociais. É mais difícil gerir a sua família ou a Junta de Alburitel?

Para ser presidente da junta é preciso ser altruísta e colocar o outro em primeiro lugar. Tal como no seio familiar. É difícil gerir as duas coisas ao mesmo tempo, embora, admito, não me posso queixar muito. O meu filho tem 23 anos, está na faculdade em Coimbra, e já não exige muito de mim. O meu marido é empresário agrícola, também pára pouco em casa. Hoje, por acaso, comemoramos 27 anos de casamento.

Vai haver jantar romântico?

Espero que sim. Hoje, felizmente, não me calha a mim fazer o jantar. Gosto de cozinhar e acho que o faço muito bem, apesar das críticas dos homens lá de casa. Estão mal-habituados (risos).

Como é que a chamam quando passam por si na rua?

Chamam-me de várias maneiras. Costumo dizer que é o nome que me define enquanto pessoa. Na rua quase toda a gente me chama de Engrácia, Engracita ou só Gracita. Há aquelas pessoas que, por me conhecerem em contexto de trabalho, chamam-me doutora Engrácia. Mas o que não gosto mesmo é quando me tratam por presidente.

Não se sente confortável nessa pele?

Sinto. Mas é uma posição temporária. É só um título. Não estou com falsas modéstias. Até porque gosto bastante do meu nome.

A presidência da junta já lhe trouxe chatices em casa?

A minha família é muito unida. Partilho os problemas com o meu marido e o meu filho. São eles que me ajudam a tomar algumas decisões.

Como deve ser o presidente de junta ideal?

Não sou eu. Tenho muitos defeitos e muitas lacunas. O presidente ideal tem de ter tempo para se dedicar à freguesia. Devia ser a sua única profissão. É muito difícil cumprir objectivos quando estamos mais de oito horas diárias a trabalhar para outra entidade. As juntas de freguesia não são só caminhos e estradas. Intervimos mesmo na comunidade, organizamos eventos.

É difícil trabalhar com pessoas com deficiência?

Trabalho há 27 anos no Centro João Paulo II, em Fátima. Foi sair da faculdade e ir para lá. Gosto muito do que faço mas compreendo que para quem está de fora seja difícil entender como é que posso gostar de um trabalho em que lido com realidades tristes e duras. Há uma explicação: não é por serem deficientes que têm de ser catalogados como uns coitadinhos. Para mim são pessoas normais.

Sabe o nome de todos os utentes?

Existem 192 utentes do centro. Posso às vezes fazer umas trocas, mas sei o nome de todos. Gosto de os abraçar e de ter uma relação particular com cada um. Uma das coisas que mais me tem custado durante a pandemia é estar proibida de os abraçar. Há utentes que estão ali desde os dois anos de idade. Vi-os crescer e há uma ligação afectiva muito forte.

Ser directora técnica de um lar residencial nos dias de hoje deve dar-lhe muitas insónias.

Nem imagina. Ter de olhar para as manchetes dos jornais todos os dias deixa-me com o coração nas mãos. Estamos sempre com a corda na garganta e em pânico. No nosso caso só tivemos uma pessoa infectada até agora. Espero que assim continue.

Voltando à vida de autarca. Como chegou à política?

Na verdade foi sem querer. O Luís Albuquerque, presidente da câmara municipal de Ourém, é meu amigo desde o ensino secundário. Desafiou-me para apoiar o projecto que, juntamente com o seu executivo, quer desenvolver no concelho. Eu aceitei porque me identifico com o projecto. No entanto, posso falar à vontade sobre o que quiser porque não tenho filiação partidária e não sou nada de politiquices.

Que opinião tem sobre o trabalho do executivo?

Acho que estão a fazer um excelente trabalho, principalmente porque se preocupam com as várias vertentes da gestão de um município: têm obra feita, têm melhorado o que estava mal, e mais importante ainda, preocupam-se muito com os problemas sociais do concelho.

Nunca está desiludida com a política?

Não estou mais desiludida do que já estive (risos).

Ourém é Fátima e pouco mais. Ou estou a exagerar?

Acho que há uma tendência para que seja assim. Fátima é dos locais mais visitados do país. Embora ache que a cidade está mal cuidada e tem sido muito mal tratada.

Por quem?

Por toda a gente. Cidadãos e os executivos municipais dos últimos anos. Tirando a zona do Santuário, Fátima é uma cidade feia.

“A política ainda é um mundo de homens”

Como é que se posiciona na Assembleia Municipal?

Fujo de intrigas e de confrontos. Os presidentes de junta falam pouco porque também estão numa posição ingrata. Imagine que eu presidia uma junta e era da oposição. Era chato. Nós estamos ali pela nossa terra e não para arranjar inimigos ou chatices.

Prometer é o grande erro dos políticos?

Se a pergunta for generalista, sem dúvida. A política das promessas e das desculpas só piora a visão que as pessoas têm dos políticos. Há falta de verdade e de humanismo na política.

O que prometeu às pessoas de Alburitel que ainda não cumpriu?

É preciso ter noção que não tenho poder para aparecer com as coisas feitas. Não depende só de mim. Uma das coisas que a população pede há muito tempo é a colocação de passeios na Estrada Nacional 113. Realmente, com o tráfego que existe, torna-se perigoso para as pessoas caminharem na estrada. Também gostava de estender o saneamento por toda a freguesia. Mas, mais uma vez, não temos capacidade financeira para agirmos sozinhos.

Como estão as contas da junta de freguesia?

Tendo em conta que o nosso orçamento anual é de menos de 90 mil, não estão mal. Os meus colegas Alfredo Silva, secretário, e Filipe Cortez, tesoureiro, fazem um excelente trabalho nesse aspecto. Pena é que tenhamos tão pouco dinheiro de sobra para fazer obra.

Já lhe meteram muitas cunhas?

Sim. É normal. Faz parte da proximidade do meu trabalho. Tem de haver é capacidade para dizer que não e saber distinguir as coisas. Uma junta não é uma instituição de solidariedade social.

Alburitel também sofre com o envelhecimento da população?

Nos últimos dez anos tem vindo a envelhecer bastante. E não há grandes perspectivas de fixação dos mais jovens. As empresas que existem não são atractivas para os jovens que investiram na sua educação. Fazem falta empresas que exijam mão-de-obra qualificada e bem paga.

O facto de estar às portas do IC9 e ter, recentemente, o Baloiço do Talegre como uma das atracções turística mais visitadas da região não deveria ser uma vantagem para a aldeia?

Potencialidades existem. Mas falta qualquer coisa para fixar as pessoas aqui. Não digo que as pessoas tenham de trabalhar e viver na aldeia mas tendo em conta os bons acessos, podiam trabalhar fora e ao fim do dia regressavam. Alburitel tem muita dinâmica.

Há associativismo?

Muito mais do que as pessoas pensam. Somos uma aldeia com pouco mais de um milhar de habitantes. Ainda assim temos a ACRA (Associação Cultural e Recreativa de Alburitel), a ACURETO (Associação Cultural e Recreativa de Toucinhos), o Grupo Motard Por Acaso, e a Associação de Caçadores. Fazem um excelente trabalho e a junta apoia sempre naquilo que pode.

Porque não há mais mulheres a presidir autarquias ou juntas de freguesia?

Tradicionalmente as pessoas ainda não aceitam uma mulher como chefe máxima, seja de uma câmara ou de uma junta. A política ainda é um mundo de homens. Nós somos só uma quota de género. É assim que me sinto.

Mas sente-se discriminada?

Não directamente. Mas é uma coisa que está presente na vida em sociedade.

Vai concorrer nas próximas eleições?

Não sei. Acho que não sou a pessoa ideal para este cargo. Devia ser uma pessoa com mais disponibilidade. Ainda estou a estudar essa hipótese.

O que não lhe perguntei que gostaria de responder?

Não sou uma política no exercício de um cargo ao serviço de um partido. Mas já que aqui estou quero marcar a diferença enquanto mulher que trouxe uma lufada de ar fresco na política do concelho de Ourém. Gostava se ser recordada como uma presidente de junta porreira e que procurou fazer de Alburitel um pequeno jardim selvagem que merece ser visitado por toda a gente.

Engrácia Marques: “Só há mulheres na política por causa das quotas”

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