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Fazer vinho com os pés num tanque de lavar roupa
Fazer vinho artesanalmente é uma arte a que já poucos se dedicam

Fazer vinho com os pés num tanque de lavar roupa

José Sequeira, 71 anos, de Benfica do Ribatejo, Almeirim, é dos poucos que ainda se dá ao trabalho, e muito, de fazer vinho em casa para consumo próprio e para dar de beber aos amigos e familiares. O processo não podia ser mais rudimentar, tão rudimentar que nem se usam mangueiras para encher os recipientes onde o vinho vai ficar a ganhar corpo até Novembro.

À sombra das árvores do quintal de José Sequeira repousa um tanque de cimento revestido a azulejos garridos. Houve tempos que serviu para lavar a roupa. O líquido que agora entra no recipente com pouco mais de um metro quadrado é o que resulta da pisa das uvas. Filho de produtor de vinho, José Sequeira, 71 anos, continua a preferir fazer o seu vinho em casa. É já dos poucos que se dá a este trabalho manual. Durante uns anos ainda foi fazendo vinho na adega que era do pai. O espaço está fechado há anos. Já não cheira a vinho, mas a pó. Mas quem nasce no meio não consegue passar sem o cheiro da fermentação das uvas, das mãos pegajosas do mosto.
As uvas esmagadas já tiveram tempo para repousar no tanque. Foram três dias a apanhar ar. Segue-se um serão para meter o líquido em jarricans de plástico. Um complexo processo, por ser tão rudimentar. Não há mangueiras. São horas a tirar o vinho do tanque com uma medida, uma espécie de púcaro que leva uns seis litros. É despejado para uma bilha metálica, que por aquelas zonas se chama quarta. E desta é transportado para os jarricans, onde vai apurar o sabor. O cheiro a vinho mistura-se com o odor adocicado das flores do jardim de casa.
A produção que o reformado da construção civil faz em casa, nos Cortiçóis, Benfica do Ribatejo, terra do concelho de Almeirim, que dizem dar bons vinhos brancos, não é branco nem tinto. É uma espécie de palheto que resulta das uvas brancas e tintas das poucas carreiras de vinha que tem ao fundo do quintal. O néctar produzido à moda antiga, sem tecnologias, com a ajuda de familiares, é apenas para consumo próprio e para dar a provar a amigos, lá para Novembro.
José Sequeira começou aos 11 anos a ajudar o pai na vindima e na produção de vinho. Apanhava os cachos, ajudava a levá-los até à adega, pisava os bagos com os pés e depois colaborava no engarrafamento. “Era um momento de convívio entre quem vinha ajudar. Trabalhava-se muito mas éramos felizes”, recorda. O que sabe e usa na produção caseira aprendeu com o pai e depois com o sogro. Gosta de vinhas e de beber, mas preferiu trabalhar na construção civil, mas nos tempos livres continuou sempre a ajudar a família nos trabalhos do campo.
São já poucos os que se dedicam à produção artesanal de vinho. Os velhos vão morrendo e as propriedades ao abandono no campo são muitas. “Os filhos não querem saber de vindimas. Dá muito trabalho. Não têm tempo, mas acima de tudo, não têm vontade”, considera José Sequeira. Continuar a fazer vinho em casa não só para manter a tradição, mas porque o trabalho manual dá-lhe um sabor diferente. Nas adegas os vinhos são filtrados, o que lhe “retira as gorduras” e parte do sabor genuíno. “Em casa não faço nada disso e o vinho sabe muito melhor”, realça ao acrescentar que “vinho deste já há pouco por aí”.
Em tempos chegou a produzir para vender à adega cooperativa. Agora, diz, o que se ganha não é apetecível. Só para quem ainda tem grandes propriedades. José Sequeira não bebe de outro vinho que não seja o seu, agora menos que em outros tempos. Nunca adicionou açúcar ao vinho. Há uns tempos adiciona uns produtos para evitar que o néctar azede, a conselho dos técnicos da adega cooperativa, que lhe analizam o vinho. Este ano a produção deve chegar aos 220 litros. Chega e sobra para beber às refeições ou em algum petisco até ao fim do ano.

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