Rio Maior foi a cidade de conforto espiritual e intelectual de António Quadros
Filósofo, escritor, tradutor, homem de turismo, de música e do design, António Quadros encontrou em Rio Maior um local de recolhimento para pensar e escrever, longe do bulício da capital. Foi também esta cidade que disponibilizou um espaço para a abertura da fundação com o seu nome, onde nos encontrámos com a filha, Mafalda Ferro, para dois dedos de conversa.
A ideia de criar uma fundação partiu de Mafalda Ferro, filha de António Quadros, durante a tentativa de organização do espólio que mantinha em casa e deslumbrada com a riqueza cultural que os seus pais lhe legaram. “Nem tinha a noção do tanto que eles fizeram”, conta Mafalda a O MIRANTE, numa visita ao interior da Fundação António Quadros que ocupa a antiga sala de audiovisuais da Biblioteca Municipal Laureano Santos, em Rio Maior. Ajudada pelos irmãos e primos, reuniu todos os arquivos e as colecções de arte da família e, em 2009, realizou o sonho de abrir a fundação em homenagem ao pai.
Rio Maior foi a cidade que acolheu a sede da fundação. Foi também a cidade que António Quadros escolheu para se recolher, para pensar e para escrever, longe do bulício da capital. A ligação do escritor com o município começou nos anos 80 quando viu um anúncio de uma casa em Vale de Óbidos. Estava deteriorada, mas António Quadros viu nela potencial e acabou por recuperá-la. Inicialmente foi uma casa de fins-de-semana que, gradualmente, passou a ser lugar de tertúlias de vários filósofos. Depois da morte dos pais, Mafalda Ferro comprou a parte da casa aos irmãos e instalou-se nela com o intuito de ali se sentir tão bem quanto os seus pais sentiram.
A integração da fundação na biblioteca, num espaço amplo e luminoso, é para Mafalda uma mais-valia, pois permite-lhe usufruir dos serviços e do apoio dos colaboradores. A filha de António Quadros realça também o apoio da Câmara de Rio Maior, que isenta a fundação de várias despesas. Os poucos recursos de que dispõe chegam através dos amigos da fundação, da livraria online e das empresas que fornecem alguns serviços gratuitamente.
Rio Maior é o município onde a fundação se instalou, onde se sente bem e é acarinhada. “As pessoas dizem que é muito longe, mas estamos no centro, Portugal não é assim tão grande”, sublinha Mafalda, referindo, no entanto, como contras a fraca rede de transportes disponível e uma notória falta de espaço para uma fundação em crescimento.
Por norma, os investigadores optam pelo Verão para irem a Rio Maior, justamente quando diminui a frequências dos autocarros. “Agora com a pandemia ainda é pior”, salienta Mafalda mostrando descontentamento por uma cidade “tão desenvolvida, com tantas infra-estruturas e que continua em expansão”, não ter uma rede de transportes que facilite a vida dos riomaiorenses e de quem vem de fora. “A fundação perde muito com isto e o sector do turismo ainda mais”, afirma.
Inédito “Portugal Razão e Mistério” já está nas bancas
De portas fechadas no período do confinamento, a aposta no online foi crucial. Foram canceladas todas as actividades previstas, entre as quais, lançamentos de livros, exposições e colóquios. O livro “Portugal Razão e Mistério”, foi lançado a 21 de Março, o dia da morte de António Quadros. Estavam agendadas apresentações em diversos pontos do país, mas a pandemia não deixou.
É uma obra inédita que inclui os dois primeiros livros, e o terceiro incompleto, do autor, e textos de grandes nomes da literatura portuguesa que contextualizam a obra de António Quadros.
O livro termina com a última entrevista que deu a Antónia de Sousa, jornalista do Diário de Notícias, 10 dias antes de morrer. Ali fala dos planos da reedição desta obra e da tristeza que sente por não conseguir publicá-la. “Um livro obrigatório que foi feito com a alma dos livros”, afirma a filha do escritor, adiantando que, apesar das dificuldades dos tempos actuais, a obra tem sido bastante requisitada e ainda recentemente foi o livro de história mais vendido na FNAC.
Mafalda anseia agora pela entrega do Prémio António Quadros que está prevista para 11 de Novembro. Com uma temática diferente a cada ano, em 2020 será dedicado à música popular e entregue ao cantor, intérprete e compositor José Cid, que irá musicar poemas de Fernanda de Castro, assim que a pandemia o permita.
“Não sou filósofa, estou aqui para divulgar a obra do meu pai”
Mafalda Ferro confessa que a exposição pública a deixa nervosa e que se sente aquém do seu pai. Será sempre a filha do filósofo, escritor, tradutor, homem de turismo, de música e de alguém que criou o Instituto Superior de Arte e Decoração (IADE), que ainda hoje é considerada uma das maiores escolas de design do país.
“Quando penso o que este homem fez é extraordinário, quem sou eu para estar aqui a falar por ele? Por isso, deixo isso para os entendidos, não sou filósofa, estou aqui apenas para divulgar a sua obra, o que não deixa de ser um trabalho meritório”, conclui.
Divulgação da vida e obra do autor e da arte da época
A Fundação António Quadros é uma instituição sem fins lucrativos de apoio à investigação e divulgação da vida e obra de António Quadros e dos seus pais Fernanda de Castro e António Ferro. Reúne também os espólios documentais da obra de Augusto Cunha, Maria Germana Tânger, Manuel Tânger Correia e muitos espólios incompletos doados à fundação, essencialmente por particulares.
Ali se encontra também correspondência, fotografias e uma colecção de imprensa, com a maioria dos documentos disponíveis para consulta. Outra das fontes de interesse é a Biblioteca de Livro Antigo e diversas obras de arte da época, de cariz modernista. António Quadros nasceu em Lisboa a 14 de Julho de 1923 e faleceu na mesma cidade em 1993, aos 69 anos de idade.