Os ribatejanos têm um espírito guerreiro que ajuda na competição
Fábio Cameira é de Vila Franca de Xira e é um talento emergente na canoagem. Falhou a participação nos próximos Jogos Olímpicos por poucos segundos e já partilhou pódios com o campeoníssimo Fernando Pimenta. Treina as camadas jovens do Alhandra Sporting Club para poder meter comida na mesa e tudo o resto é por sua conta.
Resiliência, ambição e espírito de luta são os valores que Fábio Cameira, canoísta do Alhandra Sporting Club (ASC), incute todos os dias nos seus treinos. Quem o conhece diz que o jovem de 25 anos tem garra e qualidade para ser um nome grande da canoagem nacional e partilhar o palco com Fernando Pimenta ou Emanuel Silva. Apenas cinco atletas vão aos próximos Jogos Olímpicos, em 2021, no Japão, e Fábio falhou a meta por alguns segundos. Foi taco a taco e por isso acredita que a sua oportunidade está ao virar da esquina.
“Tem tudo a ver com a mentalidade. No ASC temos uma cultura de vencedores, queremos ser melhores para o futuro, não nos acomodamos. Essa mentalidade vem das pessoas, os ribatejanos têm uma mentalidade vencedora, um espírito de luta, somos guerreiros, nunca deitamos a toalha ao chão e se cairmos, caímos de pé”, conta a O MIRANTE.
Fábio Cameira nasceu em Vila Franca de Xira, vive na Castanheira do Ribatejo e treina em Alhandra. Quando as correntes e o vento tornam o Tejo difícil de remar em Alhandra, opta por treinar na Vala do Carregado. Treina 15 a 20 horas por semana e o único vencimento que aufere vem de um part-time no ASC a treinar as camadas jovens de canoagem.
Começou na modalidade obrigado pelo pai, a 31 de Março de 2003. Era um miúdo tímido que brincava sozinho e o pai quis melhorar a sua sociabilidade. Passado pouco tempo apaixonou-se pela modalidade e não mais parou, somando já mais de meia centena de títulos nacionais e algumas boas prestações no top 5 de campeonatos da Europa e do Mundo.
“Vivo e respiro canoagem. Um atleta tem de ter bicho carpinteiro, ser uma pessoa com ambição e uma mentalidade aberta para abraçar novos desafios e tentar superar-se todos os dias”, defende. Uma das desvantagens que sente face à concorrência, além da falta de remuneração, é não ter um plano de água parada para poder treinar. O Tejo é demasiado ondulado e com correntes para conseguir ter boas prestações.
Já integrou a selecção nacional de pista de velocidade durante alguns anos e chegou a ser aposta da Federação Portuguesa de Canoagem para a vertente K2 1000 metros para ir aos Jogos Olímpicos. Uma decisão de secretaria acabou por ditar o abandono nacional dessa categoria e a aposta apenas em K4 500 metros e K1 1000 metros, onde está Fernando Pimenta.
Investir num atleta é investir no país
Fábio Cameira lamenta que o país não invista tudo o que podia nas diferentes modalidades. “Gastar dinheiro com um atleta não é gastar, é investir no país”, considera. E lamenta que a federação da modalidade não esteja a realizar a aposta que devia nas camadas mais jovens e no futuro. “Dos atletas profissionais para todos os outros existe um grande vazio, a federação não está a apostar no futuro. Isso será preocupante. Só investir no Pimenta pode ser excelente a curto prazo, mas são atletas que terão o seu fim. Não apostar nos restantes poderá deixar-nos numa situação em que depois não temos nada para apresentar. Espero estar enganado, porque adoro canoagem e detestaria ver a modalidade a cair”, critica.
O atleta diz ter os pés assentes na terra quando o apontam como futuro nome olímpico e defende que ainda é preciso muito trabalho para alcançar medalhas. “O Pimenta é bastante dotado, diferente de todos os outros. Na distância dele não dá hipótese a qualquer um. Fiquei em segundo, atrás dele, no campeonato nacional de pista em velocidade porque consegui ser mais forte que os outros que vinham atrás de nós”, confessa.
Fábio defende que os Jogos Olímpicos, apesar de todo o entusiasmo que suscitam, não são o expoente máximo do desporto. “Um campeão do mundo de surf ski ou maratona [variantes da canoagem] não é inferior a um campeão olímpico. O que torna os jogos especiais é só acontecerem de quatro em quatro anos. Porque nem sequer é a prova mais competitiva que existe, pois estão apenas os pré-seleccionados. Vejo um campeonato do mundo tão bem cotado como uns olímpicos”, opina.
Há alguns anos foi desafiado pelo Sporting Clube de Portugal para integrar a sua equipa de canoagem mas não aceitou. “As regalias que me davam não eram maiores que as do ASC e aqui tenho uma dívida de gratidão para com eles”, confessa.
Fábio quer continuar a estudar para tirar uma licenciatura em desporto. Não é pessoa de noitadas e diz que prefere ficar em casa a descansar do que andar em bares. E diz que nunca perdeu amigos por causa disso. Conseguir manter disciplina na comida é que é o mais difícil.
“A canoagem é das modalidades que mais resultados tem trazido para Portugal nos últimos anos e merecia ser mais destacada e apoiada. Não podemos ser o parente pobre dos olímpicos portugueses, ainda que sejamos sempre muito bons a fazer muito com pouco”, conclui.
O Tejo mata e exige respeito
Há gente que não gosta do rio Tejo, diz o atleta, por este ter ceifado inúmeras vidas nos últimos anos. Ele próprio cresceu a ouvir os avós contarem-lhe que o lodo sugava pessoas e que se assemelhava a areias movediças. “Hoje sabemos que isso não é verdade. Mas é preciso saber andar no rio, as margens são traiçoeiras. Muita gente tem uma má ideia do Tejo. É perigoso, mas para quem anda aqui desde os oito anos é como se fosse uma piscina”, conta.
Fábio Cameira diz que o Tejo mata e exige respeito, até para quem está habituado. Quando todas as normas são cumpridas não há motivo para alarme ou medo. Mas quando se facilita os desastres acontecem. “É exactamente como o mar, podemos entrar mas temos de lhe reservar respeito”, diz.
O jovem já venceu várias medalhas municipais nos galardões de mérito desportivo e elogia a Câmara de Vila Franca de Xira dizendo que tem feito um bom trabalho na promoção do desporto e actividade física. Mas gostava de ver Alhandra mais viva, com gente nova e casas renovadas que trouxessem novos moradores para a vila. “Está muito envelhecida”, lamenta.