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Os empresários já não são um exemplo como eram dantes

Faltam mais empresários preocupados com o associativismo, que se substituam aos políticos na organização da sociedade. Quatro décadas depois da revolução vivemos os maiores escândalos financeiros cujos rostos são em grande maioria os dos dirigentes do pós 25 de Abril.

Nas últimas décadas desapareceu em Portugal, definitivamente, uma elite empresarial que faz falta ao país e ao futuro do país. Portugal perdeu empresários que noutros tempos pensavam o país e substituíam-se à classe política na organização da sociedade, naquilo que sempre souberam fazer melhor que é participar na vida colectiva das populações de proximidade.
As empresas eram escolas de engenharia, de gestão, etc, etc, muito melhores que universidades; eram os empresários ligados a vários grupos, e a vários ramos da economia, das mais variadas classes, que criavam modelos de gestão que tinham impacto na vida do país e na qualidade de vida dos trabalhadores e das suas famílias.
O 25 de Abril de 1974 em Portugal, e o ano de 1975 em Espanha, só para dar dois exemplos, trouxeram-nos liberdade e democracia, certamente as conquistas mais importantes do mundo dos últimos cem anos. Ao contrário do que seria de esperar, perdemos os grandes líderes do passado e herdamos alguns dos maiores falsários da história da humanidade que fazem lembrar os grandes facínoras dos tempos das barbáries. Não é por acaso que, só para falarmos de Portugal, temos o caso Marquês e o caso BES, que envolvem uma parte muito significativa de dirigentes políticos e empresariais do pós 25 de Abril.
A maioria dos grandes empresários de hoje já não é um exemplo para ninguém como foi Alfredo da Silva há 150 anos. Hoje os empresários de referência da região ribatejana, por exemplo, têm carros de marca escondidos nas garagens das vivendas, ganham milhões todos os anos, fazem obras nas suas mansões à custa dos apoios do Estado para o turismo, entre outras manhas, mas culturalmente e no exercício da cidadania são uns analfabetos, que correm todos os dias de Lisboa para Madrid, de Madrid para Berlim, solitários como lobos na serra, fugindo aos seus deveres sociais, como os animais em extinção fogem dos caçadores furtivos, vivendo e isolando-se para não morrerem apoplécticos nos resorts ou nas suas mansões com muros altos e longe dos lugares mais povoados.
Sou desde sempre um aliado dos empresários e também um deles; admito com orgulho que foi com os pequenos empresários que aprendi quase tudo o que sei de melhor. Tive esse privilégio de conviver com pequenos empresários que me fizeram perceber o valor da palavra dada e o mérito da honradez. Não posso negar, no entanto, que sou testemunha de um tempo em que muitos empresários se divorciam do seu estatuto de cidadãos e de agentes de transformação sócio-económicae cultural. As associações são um espelho desse divórcio. A falta de dimensão humana e cultural de muitos empresários, que só pensam no lucro e no estatuto; a falta de líderes com credibilidade, que saibam liderar homens e não só estruturas produtivas, é um dos problemas dos nossos tempos que não vamos conseguir resolver sem outra revolução de mentalidades.
O que muitos dos nossos empresários têm a mais nas contas bancárias e nos investimentos em carros de marca e imobiliário, têm a menos em ousadia, frontalidade, coragem e solidariedade. Só dão para a sopa dos pobres porque é barato e não causa chatice. Quando lhes cheira a trabalho colectivo, a política de proximidade, fogem de circulação como se vivessem, não no Entroncamento, em Abrantes ou Benavente, mas num palacete de Sintra.
Não é por vivermos em tempo de pandemia que vamos aliviar o valor das palavras que precisam ser escritas, e repetidas, se for caso disso. A pandemia devia ser uma oportunidade para nos questionarmos sobre o nosso papel em sociedade. Se a pandemia durar uma década, alguns de nós, que tiveram sorte no negócio ou no emprego que escolheram, vão morrer pelo caminho mais ricos do que estão agora. A grande questão é esta: de que lhes serviu terem enriquecido num tempo em que não puderam viajar, conviver, viver em família e em paz espiritual com os amigos e os familiares? JAE.

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