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Pifó faz parte da história dos SMAS de Vila Franca de Xira
A entrega de João Santos ao serviço público foi pretexto para o município lhe conceder um voto de louvor

Pifó faz parte da história dos SMAS de Vila Franca de Xira

João Santos tem 65 anos; 47 foram dedicados aos SMAS de Vila Franca de Xira. Começou a trabalhar na empresa com 12 anos. Quando se reformou era chefe de serviços. Foi no trabalho que encontrou a família que nunca teve. A mãe morreu pouco depois do seu nascimento e o pai nunca lhe ligou importância. Sente mágoa por não ter gozado a infância mas admite que foi essa condição que fez dele o homem que é hoje.



“Pifó” é um dos nomes mais conhecidos no concelho de Vila Franca de Xira. João Santos, 65 anos, ganhou a alcunha na época em que jogava a ponta esquerda na União Desportiva Vilafranquense. Tinha 17 anos e era rápido como uma bala, conta.
João Santos começou a trabalhar nos SMAS (Serviços Municipalizados de Água e Saneamento) de Vila Franca de Xira com 12 anos, numa altura em que o antigo regime estava em queda e a empresa dava os primeiros passos. Foi Carlos Dias, à época presidente da autarquia, que lhe deu trabalho. João Santos cresceu sem referências. Perdeu a mãe à nascença e foi abandonado pelo pai. “Os SMAS tornaram-se na minha casa”, afirma.
O MIRANTE foi a casa de João Santos, em Povos, conversar com o homem que dedicou grande parte da sua vida aos SMAS. A esposa, Maria do Rosário, juntou-se à conversa para garantir que nenhum pormenor era esquecido.
O primeiro posto de trabalho foi como aprendiz de canalizador. Ganhava 48 escudos, pagos de 15 em 15 dias, e entregues à avó para ajudar a garantir o pão na mesa. O trabalho era de segunda a sábado, das 8 às 17, numa altura em que gozar férias era uma utopia. “Nem sabíamos o que isso era”, sublinha. Quando se aposentou, em 2014, levava para casa todos os meses cerca de mil e duzentos euros. “Não há melhor sensação do que receber um bom ordenado e saber que fizemos por merecê-lo”, confessa.
Até chegar a encarregado geral principal, as últimas funções que teve na empresa, foi aferidor de contadores, canalizador, (de primeira, segunda e principal) e mestre. No final de cada ano era certinho receber do conselho de administração da empresa um diploma com a classificação de ‘muito bom’. Foi sempre um trabalhador responsável e um chefe exigente, afirma, e na hora de dar raspanetes não perdia a postura. “Um bom chefe ou encarregado lidera pelo exemplo e nunca pela autoridade que o cargo lhe dá”, salienta.
A profissão trouxe-lhe muitas amizades, muitos momentos de solidariedade e de comunhão de sentimentos. Os seus melhores amigos eram os presidentes de junta; ligavam-lhe a toda a hora para ir desentupir caixas de esgoto ou resolver inundações em casas ou ruas da freguesia. Muitas vezes os principais rostos da autarquia também o acompanhavam; é amigo pessoal do presidente da câmara, Alberto Mesquita, e da ex-presidente Maria da Luz Rosinha.
Foi a Rosinha que ligou quando decidiu que tinha de deixar de trabalhar sem horários e a fazer de tudo um pouco. Durante uma madrugada inteira esmifrou-se entre Alverca, Póvoa de Santa Iria e Vialonga. No dia seguinte tinha de estar no escritório, pela manhã, para orientar meia centena de trabalhadores que tinha à sua responsabilidade. “Estava esgotado. Não aguentava mais”, assegura.
João Santos tem pena que as pessoas não concedam o devido valor a quem trabalha nesta profissão, e explica porquê: “Imagine-se a entrar numa caixa de esgoto, com 14 metros de profundidade, tão estreita que só os magros lá cabem, cheia de porcaria, e estar sujeito a qualquer momento a uma explosão devido ao gás acumulado. É muito duro”, sublinha.
A entrega de João Santos ao serviço público foi pretexto para o município lhe conceder um voto de louvor pelo empenho, competência e dedicação durante cerca de meia centena de anos à empresa municipal. Com a humildade que o caracteriza, Pifó diz a O MIRANTE que é ele quem tem de agradecer aos SMAS de Vila Franca de Xira pela oportunidade de ter uma vida digna para poder criar uma família. Sobre se tem saudades do trabalho, responde: “Nenhumas. Mas tenho muitas saudades das pessoas que trabalhavam comigo”, conclui.

Um homem de família que sente um amor incondicional pela mulher

A vida de João Santos dava um filme. A mãe, Maria Helena, faleceu pouco tempo depois do seu nascimento. O pai abandonou-o logo a seguir e nunca quis saber dele. “Soube uns anos depois, quando precisei que ele me assinasse uns papéis, que me cruzei várias vezes com ele na rua”, conta. É com mágoa que recorda a infância. Nunca teve referências que o ajudassem a escolher o melhor caminho para a sua vida. Foi o trabalho que impediu que se entregasse aos vícios comuns de um adolescente desgovernado.
Conheceu Maria do Rosário aos 19 anos. Estão casados há 46 e o amor e companheirismo mantêm-se intactos. “Esta mulher salvou-me a vida. Foi melhor do que se me tivesse saído o Euromilhões”, diz, com um sorriso no rosto. Maria do Rosário escutava a conversa atenta: “deves estar para me pedir alguma”, brincava.
Quando o repórter de O MIRANTE entrou na sua casa, em Povos, foi apresentado a toda a família. Orgulhosos, João Santos e Maria do Rosário, mostravam as fotografias e os diplomas de graduação dos filhos, João Santos e Ana Marta. Ana é professora e João é presidente de Junta de Vila Franca de Xira. Nunca opinam sobre o trabalho do filho. Abriram uma excepção ao nosso jornal para dizerem que se sentem vaidosos pelo trabalho que tem realizado na comunidade.
João Santos e Maria do Rosário estão à espera que a pandemia passe para voltarem a viajar. Entretanto vão cuidando dos quatro netos e ajudando os filhos. “A família é a melhor coisa do mundo. Infelizmente passei por muito, mas hoje sou um homem feliz”, remata.

À margem

O pai que tem orgulho nos filhos mas não se mete na política

O MIRANTE teve presença de peso na cerimónia de lançamento de um livro comemorativo dos SMAS de Vila Franca de Xira. Um elogio destacado de Alberto Mesquita a João Santos, sem o identificar como pai do actual presidente da junta de freguesia, soou familiar a um dos representantes do jornal na cerimónia. No final da entrega das medalhas pedimos a três personalidades ali presentes para identificarem o elogio especial do presidente da câmara e ninguém conseguiu dizer mais do que tínhamos ouvido. Foi à quarta tentativa que ficámos a saber que o senhor João Santos, ao fundo da sala, numa postura muito discreta, quase escondido, era pai de João Santos, actual presidente da junta de freguesia. Foi ele que, mais tarde, também nos avisou: “vão com calma quando o abordarem; ele não gosta de entrevistas”. Passou quase um ano; os leitores que avaliem se a conversa com o antigo extremo esquerdo do Vilafranquense valeu a pena.

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