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Ninguém desenha cérebros numa carta de amor
António Adão, Fátima Oliveira e Inês Peixinho e João Seguro

Ninguém desenha cérebros numa carta de amor

É sabido e aceite cientificamente que o cérebro é o órgão que comanda as emoções, ainda assim é ao coração que recorremos para expressar sentimentos e estados de alma. A propósito do Dia Mundial do Coração sondámos alguns leitores para perceber de onde vem esta fama e se já tiveram o coração partido.

O coração é o órgão que surge associado aos sentimentos, à paixão, à compaixão, ao desgosto (coração partido), à surpresa (de coração na boca), ao suspense (de coração nas mãos) e à satisfação (de coração cheio), mas na realidade não passa de um músculo cuja função é bombear o sangue para todos os outros órgãos. O cérebro, sim, é responsável pelas emoções, mas ninguém desenha cérebros numa carta de amor. A propósito do Dia Mundial do Coração, que se assinalou a 29 de Setembro, sondámos alguns leitores de O MIRANTE para perceber se já tiveram o coração partido, o que lhes acelera o batimento cardíaco e o que já deixaram de fazer porque o coração não lhes permitiu.
António Adão, de Ourém, socorre-se do “especialista norte-americano mais consultado em todo o mundo” e garante que a culpa de se associar o coração à emoção é dos gregos. Para o jornalista, de 36 anos, Platão e Aristóteles terão sido os primeiros a defender o coração enquanto catalisador de sentimentos, acreditando no que nos diz o “doutor Google”. Por imperativos profissionais, António Adão diz que aprendeu desde cedo a distanciar-se de sentimentos incompatíveis com a imparcialidade, a justiça e a lucidez. O seu batimento cardíaco é acelerado pela namorada, pelo filho, pelo amor e pela paixão, mas também pela ansiedade, a injustiça, o medo e a raiva. Nunca deixou de fazer o que quer que fosse por sentir que pudesse ser prejudicial ao coração.
Deixou de fumar há cinco anos, mas não por conta de uma decisão directamente relacionada com os benefícios para a saúde, “ainda que seja indesmentível que o meu coração possa ter recuperado largos anos de vida desde então”, confessa. Entre as actividades que mais lhe puxam pelo coração refere os jogos de futebol, não como jogador, mas como espectador. “A clubite associada ao futebol é, de facto, a doença mais prejudicial ao coração. Pela irracionalidade e, sobretudo, pela cegueira que tolhe a razão aos milhões que padecem de uma doença que é aparentemente inofensiva, mas que tem consequências nefastas na sociedade, à conta de sintomas como amiguismos e compadrios que normalmente acabam no desvirtuamento da verdade”, remata.
Inês Peixinho, assistente técnica, e Fátima Oliveira, assistente operacional na União de Freguesias de Casével e Vaqueiros, não têm dúvidas que a imagem de um coração é mais apelativa e, por isso, mais utilizada quando se fala de sentimentos. Ambas confessam que já tiveram o coração partido, por um ou outro motivo. Na adolescência eram frequentes os desgostos amorosos e mais tarde lidaram com a perda de familiares.
Inês, 35 anos, fala de um desgosto muito particular. Andou durante anos a tentar ter filhos, sem sucesso, e outros tantos a tratar do processo de adopção de duas crianças. O que lhes acelera o batimento cardíaco é a ansiedade, “tanto para o bem como para o mal”. Em relação ao que já deixaram de fazer por causa do coração, referem o que deixaram de fazer em prol dos outros. “Por vezes deixamos de ser nós próprias para cuidar dos que nos rodeiam, maridos, filhos, pais”, confidencia Fátima, de 51 anos.
João Seguro, proprietário do café Dona Urraca, em Benavente, nunca teve o coração partido. Casado há 47 anos, diz que sempre foi correspondido no amor e é muito amor o que sente quando está com a família composta por três filhos, cinco netos e um bisneto. Durante o namoro escrevia cartas de amor à namorada, agora esposa, mas nunca desenhou corações. O que lhe acelera o ritmo cardíaco é ver o seu Benfica a perder, “fico logo desorientado”. Confessa que a espera pelos resultados dos exames da esposa, que tem problemas de saúde, também lhe causa ansiedade e altera o ritmo cardíaco, embora com os seus 69 anos ainda tenha um coração forte que nunca o impediu de fazer nada. Enquanto assim for, continuará a abrir o café todos os dias às 07h00 em ponto.

Vítor Paulo Martins

Também se morre de “coração partido”

Embora a dor do “coração partido”, normalmente associada à perda de um cônjuge ou parceiro romântico, não implique um defeito físico no coração, existe uma patologia conhecida como miocardiopatia de takotsubo (síndrome do coração partido) em que um incidente traumatizante desencadeia no cérebro a distribuição de substâncias químicas que enfraquece o miocárdio.
De acordo com o médico cardiologista e arritmologista Vítor Paulo Martins, director clínico da Clínica do Coração, em Santarém, e director do serviço de Cardiologia do Hospital de Santarém, este é um diagnóstico frequente. “Todos os meses temos situações dessas”, refere, acrescentando que antigamente não se conhecia esta patologia, mas desde que foi identificada é fácil diagnosticá-la.
Trata-se de um enfarte do miocárdio “igualzinho ao enfarte clássico”, mas que não resulta da oclusão de uma artéria. Normalmente é causado pelo stress e por situações muito intensas que afectam o coração. O falecimento de um familiar, um assalto, ou um acidente grave são situações que podem espoletar um incidente destes. Apesar de ter uma taxa de mortalidade semelhante ao enfarte “clássico”, e de provocar os mesmos sintomas como dor no peito e elevação dos marcadores cardíacos, Vítor Martins refere que normalmente se a pessoa recupera tem muito bom prognóstico, podendo curar-se completamente, ao contrário do que acontece no enfarte clássico que deixa sempre sequelas.
Para o cardiologista, o coração granjeou a fama de comandar as emoções e comportamentos por ser o órgão responsável pelo nosso estado de saúde de um modo global. “Se sofremos do coração sofremos de tudo o resto. O coração está sempre no centro das nossas atenções e dos nossos problemas”, refere.
Na sua experiência como clínico sabe que, por regra, o que acelera o ritmo cardíaco, tirando as excepções em que há uma arritmia patológica, é o stress: “Descansar pouco, trabalhar muito e não ter tempo para relaxar”.

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