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A paralisia de Lara congelou a vida dos pais 
Quando não tem consultas médicas Lara passa os dias na cama improvisada pela mãe na sala de estar

A paralisia de Lara congelou a vida dos pais 

Ser mãe e cuidadora de uma filha com paralisia cerebral é uma tarefa extenuante em que as alegrias são raras e a tristeza corrói a sanidade mental. No mês da saúde mental, e no qual se assinala também o Dia Mundial da Paralisia Cerebral, O MIRANTE conversou com Thelma Marques, que revela os custos emocionais e financeiros que a doença acarreta no seio familiar.

“A maior felicidade que tive nestes nove anos foi ver a minha filha aguentar-se em pé durante pouco mais de dois minutos. Tinha ela 6 anos. E isto é um misto de alegria e uma tristeza imensa”. As palavras são de Thelma Marques, mãe de Lara, filha de venezuelanos, mas residente há largos anos em Vale Alto, na freguesia de Minde, concelho de Alcanena. Lara sofre de paralisia cerebral.
Deitada numa cama improvisada na sala de estar, Lara está pouco atenta à conversa, mas sente a nossa presença. Range os dentes para deixar claro que está ali. A mãe percebe cada gesto, cada ruído, cada movimento, por mais pequeno que seja. Desde os 28 anos é esta a sua missão.
A paralisia de Lara congelou a vida dos pais. Ter um filho com esta doença acarreta custos catastróficos, muito além dos financeiros. A vida social fica em suspenso e ir de férias para longe está fora de questão. Lara tem com frequência infecções respiratórias, como é habitual quando se sofre desta patologia, e por isso não pode ficar aos cuidados de qualquer pessoa. “De um momento para o outro adoece e nem toda a gente sabe o que fazer”, explica Thelma. Andar de avião também não é aconselhado. “O ano passado fomos à Madeira e a Lara ficou com os meus pais e sogros. Foi a primeira vez que nos afastámos dela. Nos últimos dias já estava deserta para regressar”, conta.
Com 38 anos, Thelma tem a noção de que a sua vida mudou quando Lara nasceu. Deixou de trabalhar como operária fabril numa empresa em Minde, o casamento com Bruno Marques, pai de Lara, esteve por um fio. As idas ao café, cabeleireiro e compras terminaram por completo. “Sei que me desleixei. Sei que esta situação me pôs doente. As saídas que tenho são para ir ao psiquiatra tratar do que ainda me resta de sanidade mental. O resto, são idas constantes aos diversos hospitais onde a Lara tem consultas”, revela entre lágrimas.
Outra das consequências de ser mãe de uma menina com paralisia cerebral foi o duro golpe de ver familiares e amigos a desaparecerem. “Sem deixar rasto e motivo, continuaram a fazer as suas vidas, a saírem para um jantar ou um convívio e nunca mais nos convidaram. Sei que no início disse muitas vezes que não podíamos por causa da menina, podiam ter dado apoio, mas resolveram afastar-se”, lamenta.

“Na primeira semana do mês, já temos o saldo a zeros”
Mas solidariedade não tem faltado no seio desta família. É com a ajuda dos avós que se complementa o salário de Bruno, engenheiro informático e único sustento da casa. Thelma recebe 118 euros por ser cuidadora da filha. O apoio da Segurança Social é de pouco mais de 60 euros de abono de família. Cerca de 200 euros mensais vão directos para a farmácia. Outras centenas de euros são canalizados para suplementos alimentares, sem comparticipação do Estado, fraldas e dezenas de deslocações aos hospitais onde é seguida nas diversas especialidades. “Na primeira semana do mês, já temos o saldo a zeros. Muitas vezes tenho que pedir ajuda aos meus pais e sogros. O Bruno não gosta, mas tem que ser”, confessa Thelma.
Além desta ajuda, Lara recebeu de uma amiga de familiares uma cama articulada. Ao fim de mais de um ano de pedidos, a Segurança Social entregou uma maca-banheira à família e a cadeira de rodas especial para pessoas com paralisia cerebral chegou através de apoios de diversas empresas da região e de algum dinheiro que a família conseguiu juntar. As alegrias que vão dando ânimo a esta família são as altas que Lara tem a cada internamento. “Vivemos com uma faca apontada ao coração. Sempre que é internada pode estar na iminência de não sobreviver. Quando regressamos a casa, é uma bênção”.

Deficiência motora mais frequente na infância

A paralisia cerebral é a deficiência motora mais frequente na infância e afecta nos países desenvolvidos cerca de duas em cada mil crianças. Compromete a locomoção, postura, movimento, o uso das mãos e controlo da fala. A evolução das causas e a melhoria dos cuidados e dos apoios disponíveis tem permitido a sobrevivência generalizada das pessoas com paralisia cerebral até à idade adulta.
As causas são complexas e variadas. Sabe-se, no entanto, que não existe uma base genética, isto é, uma transmissão de pais para filhos. No caso de Lara podem ter tido influência as complicações anteriores ao parto, mas não há certezas.
Um estudo de 2018 conduzido pelo Programa de Vigilância Nacional da Paralisia Cerebral a crianças nascidas entre 2001 e 2010 e residentes em Portugal aos 5 anos, revela o registo de 1.719 crianças com esta patologia. Em termos regionais existiam, à data, 29 casos no Médio Tejo e 39 na Lezíria do Tejo.

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