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Na piscina esquecem-se os limites e a vida ganha outra dimensão
Alhandra Sporting Clube é o único clube no concelho de Vila Franca de Xira com atletas federados de natação adaptada

Na piscina esquecem-se os limites e a vida ganha outra dimensão

São atletas paralímpicos de natação. Na água esquecem que não têm pernas, os ataques de epilepsia ou que vivem com uma doença que ainda não tem nome. O MIRANTE assistiu a um treino de natação adaptada do Alhandra Sporting Clube e falou com os atletas Carlos Mendes, Camila Neves e Diogo Marques.

É dentro de água, nas Piscinas João Batista Pereira, em Alhandra, onde treina três vezes por semana, que Carlos Mendes, de 58 anos, se esquece que não tem as duas pernas. A primeira vez que entrou na piscina precisou de ajuda. Hoje faz tudo sozinho. Aproxima-se da água, tira as duas próteses, as ligaduras e mergulha. “A natação adaptada foi a melhor coisa que me aconteceu na vida desde que sou amputado”, diz antes de se preparar para nadar 1.200 metros.
Foi há 16 anos que a diabetes lhe mudou a vida e os sonhos. A adaptação ao novo corpo foi difícil, mas após a fase de reabilitação percebeu que podia voltar a ter uma vida activa. Mas encontrou entraves. “Tentei procurar um desporto adaptado na zona e não havia. Entusiasmava-me pensar que podia jogar basquetebol, mas além de não haver não tinha a cadeira de rodas. Infelizmente, um deficiente ou tem dinheiro para comprar o material e as próteses que precisa, ou tem a sorte de ter alguém que invista nele, ou fica pelo caminho”, diz.
Com a idade que tinha quando foi amputado, acredita, já ninguém ia investir para fazer dele um atleta paralímpico. Quem sabe por obra do destino, descobriu, há seis anos a natação adaptada do Alhandra Sporting Clube. “Para nadar não preciso de nada, a não ser do meu corpo. Trabalho mais a parte superior e às vezes mexo o que me resta das pernas, mais a nadar costas e bruços”, conta.
“A nadar fico calmo, esqueço-me de tudo o que se passa lá fora”, atira Diogo Marques, de 21 anos, diagnosticado com epilepsia e atraso cognitivo e que, tal como Carlos Mendes, é um dos 12 atletas federados em natação adaptada do Alhandra SC. Nadar e competir não o livram de ter ataques, mas tanto ele como os seus treinadores sabem o que fazer. Não tem medo, apenas vergonha de que outros possam ver o seu corpo tremer. “Mas já disfarço bem”, diz.

Ainda se acredita pouco no desporto adaptado
Na natação adaptada do Alhandra Sporting Clube, existente há seis anos, nadam atletas com deficiências motoras, intelectuais, auditivas e visuais. Doze são federados, oito estão em formação e três em pré-competição. Para Susana Ferreira, treinadora, não há dúvidas que qualquer pessoa com as suas limitações nada ao nível competitivo bastando, para isso, querer e, claro, encontrar um clube onde se pratique a modalidade. “Aí é que está a dificuldade. Somos o único clube no concelho de Vila Franca de Xira com atletas federados de natação adaptada e o único no Ribatejo. A maior parte dos clubes está no norte do país, por isso, as nossas competições são quase todas no distrito do Porto”, refere.
“Se fossemos mais a querer entrar, se ao menos fizessem acções de sensibilização nas escolas, talvez mais clubes investissem no desporto adaptado”, defende Camila Neves, de 18 anos, que voltou a nadar no Alhandra SC. Para a doença hereditária que a pode deixar cega, devido a descolamento da retina, ainda não existe nome. E para a Federação Portuguesa de Natação também não existem parâmetros de competição onde se possa enquadrar: nem na natação pura, nem na natação adaptada, ou seja, compete, mas não pode ganhar medalhas. Mesmo assim, não desiste. “Pelo contrário, mantenho sempre a esperança de que a federação possa criar uma classe para doenças como a minha”.
No treino a que O MIRANTE assistiu, Camila e Diogo nadaram 3.250 metros, com um novo objectivo: a competição em águas abertas. “Aqui a superação acontece todos os dias e este é o nosso novo foco”, diz Diogo Marques. A treinadora completa: “Há em cada um deles melhorias a olhos vistos, sobretudo ao nível das competências sociais e na autonomia. Para alguns nadar até é secundário, porque só o entrar no balneário sozinho, equipar-se e fazer toda essa rotina que para nós é normal, já é superação”.
Mas há uma realidade que é inegável: “o desporto adaptado não tem nem de perto o financiamento que tem o desporto para os que não têm qualquer tipo de dificuldade”. As certezas são de Diogo Serra, treinador de natação adaptada no Alhandra SC, e comprovadas pela dificuldade em encontrar pequenos clubes onde se pratique desporto adaptado.
O desporto, defende Susana Ferreira, tem que ser um caminho possível de seguir para qualquer pessoa com deficiência. “Mas ainda há muito trabalho a fazer” pelo Estado português, municípios e pelos clubes “que não podem ter medo de os receber”. Mas também em casa de cada família onde mora alguém com uma deficiência ou incapacidade e na “própria pessoa com deficiência que tem de perceber que também pode o que os outros podem”.

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