uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante
O primeiro autarca da nova geração a sair de cena devolveu a confiança a Alpiarça
Mário Pereira está à frente da Câmara de Alpiarça há 11 anos, quando a CDU a conquistou ao PS

O primeiro autarca da nova geração a sair de cena devolveu a confiança a Alpiarça

Mário Pereira, professor de história, provavelmente um dia vai estar na história da sua Alpiarça natal, que geriu ao longo de três mandatos. O seu maior capital, que pode figurar nalgum livro sobre a história política de um dos concelhos mais pequenos do distrito de Santarém, foi a forma como recuperou a estabilidade financeira do município e transmitiu uma imagem de seriedade da política. É dos novos autarcas, que surgiram quando a lei de limitação de mandatos correu com os presidentes dinossauros, o primeiro a sair de funções. Destronou o PS em 2009 e desde essa altura ficou de pedra e cal na câmara, com poucas obras para mostrar por a ter encontrado mais dívidas que dinheiro nos cofres da câmara, com 13 milhões de passivo perante um orçamento anual de sete milhões. Mário Pereira conquistou ainda o feito de ser na história do poder local democrático o que mais tempo se manteve no cargo de presidente, numa terra marcada pela luta política intensa.

Antes de entrar para a câmara disse que tinha sido um militante comunista pouco exemplar por não ajudar o partido. Já pagou a dívida?

Nessa altura já estava redimido. Referia-me a um período em que estive fora, a viver em Braga, e não tive uma participação activa na vida do partido. Voltei a viver em Alpiarça no ano 2000 e integrei logo as listas.

Considera-se um comunista de nova geração, um militante moderado, um ortodoxo?

O que procuro é desempenhar com o maior sentido de responsabilidade as tarefas que me são atribuídas. Procuro fazer o melhor enquanto eleito autárquico e responsável político do partido.

O ex-vereador do PS, Pedro Gaspar, disse uma vez numa entrevista que o senhor era um moço de recados do PCP. Quem manda mais, o partido ou o Mário Pereira?

O Pedro Gaspar não consegue definir-se a si próprio quanto mais definir os outros. O partido sou eu e os meus camaradas, alguns que são eleitos e nem são militantes. O partido não é uma entidade abstracta para dar ordens. Isso é uma criação idiota e essa observação é uma idiotice. O que fazemos é discutir as situações quando podemos e sempre que possível procuramos obter a opinião dos outros para encontrar uma solução que vá ao encontro dos interesses da população.

No início do seu mandato a sua secretária abandonou as funções repentinamente sem nunca se saber bem porquê. Agora foi o vice-presidente que renunciou ao cargo. Qual é o foco de instabilidade?

Se há estabilidade na câmara nos últimos 20 anos é connosco. Não houve grandes alterações. Em onze anos de gestão numa autarquia não se pode considerar estas situações como instabilidade. No tempo do PS houve alterações mais profundas nos executivos.

Ficou chateado com a saída de Carlos Jorge Pereira? Foi uma traição?

Tenho por princípio não comentar estas questões que acabam por ser mais de índole pessoal. Foi uma pessoa que trabalhou comigo onze anos e mantivemos sempre uma relação cordial e de proximidade. Houve situações de grande dificuldade em termos da vida política, social e económica e trabalhámos com uma ligação muito próxima, até defendendo-nos mutuamente.

Já voltaram a falar?

Não falámos mais. Não calhou.

Gostava que ele fosse o seu sucessor?

Nunca colocámos essa situação. Estas decisões são tomadas de forma muito alargada. A minha preocupação é em como lido e resolvo os problemas. Não é estar a projectar cenários eleitorais. O objectivo era os três representantes da CDU chegarem ao fim do mandato. Não aconteceu e a nova vereadora, Casimira Alves, está num processo avançado de integração.

Mas já deve começar a preocupar-se com quem vai representar a CDU nas próximas eleições.

Os momentos de transição são mais sensíveis. Esse trabalho ainda não começou. A CDU é a força política que tem quadros que melhor conhecem a realidade e com mais proximidade à população. Falando dos que têm trabalhado comigo, são pessoas sérias e ninguém tem algo a apontar. Estou tranquilo porque, possuindo os melhores quadros, a CDU fará a melhor opção tranquilizadora do futuro.

No actual executivo quem é que pode ser cabeça-de-lista?

Não queria antecipar-me à discussão que tem de ser feita no partido. O vice-presidente da câmara ou a presidente da junta de freguesia têm condições. Há quadros que garantem uma transição tranquila, mas não quero avançar com nomes.

Passou um inferno com o anterior vereador da oposição Francisco Cunha. Já enterraram o machado de guerra?

Isso já é passado. Nunca me tinha dado mal com ele, mas o Francisco Cunha assumiu-se como um populista, demagogo, que procurou provocar instabilidade e ruído. E conseguiu. Uma das mágoas que levo é não ter conseguido lidar da melhor forma com a atitude de provocação, com as situações que ultrapassaram o limite da educação e do respeito. Não tenho rancores e se calhar com ele até devia de ter por algumas coisas que me fez pessoalmente.

É dos novos presidentes o primeiro a sair de cena. Os outros ainda podem fazer mais um mandato. Isso deu-lhe alguma vantagem?

Apanhei durante quatro anos autarcas com muitos anos e que estavam para sair por força da limitação de mandatos. Essa interacção foi muito importante na minha gestão inicial. Não tive dificuldade em trabalhar com qualquer um. O presidente com quem tinha menor contacto era com o de Santarém, Moita Flores, que não aparecia nas reuniões da comunidade intermunicipal.

Agora que sai da câmara, vai ser cabeça-de-lista à assembleia municipal?

Não sei. O partido ainda não decidiu sobre isso e da discussão que se fizer sobre o assunto sairá a minha participação política no concelho. Não quero ficar ausente do que se vai passar e estou disponível para o partido para o que entenderem a nível local.

Se a CDU não ganhar as eleições, a transição vai ser pacífica?

Estou convicto que a CDU tem todas as condições para renovar a vitória eleitoral. É a força que está mais estruturada e organizada. Mas do ponto de vista institucional há que garantir as transições, como aconteceu antes, do PS para nós, com respeito e disponibilidade das pessoas.

Quando a CDU reconquistou a câmara havia um clima de guerra com o PS.

Havia discussão, diferenças de opinião, mas não havia posições extremadas do ponto de vista pessoal, apesar de às vezes parecer. Havia algum empolamento.

Voltar a ser professor chefiado pela mulher e a forma de lidar com o poder

O que vai fazer depois de deixar o cargo?

À partida vou fazer o que fazia antes de entrar para a câmara, que é ser professor, e estou disponível para dar o meu contributo político.

Está preparado para voltar a ser professor depois de 12 anos sem dar aulas?

Com as alterações no sistema de ensino, as mudanças naturais dos comportamentos das gerações, devo levar um grande impacto.

Gostaria de ficar a dar aulas em Alpiarça?

Dei aulas em Alpiarça durante três anos, quando regressei de Braga, e gostei. Tinha algum receio porque ia contactar com amigos e filhos de amigos. Agora sou efectivo no Agrupamento de Escolas de Fazendas de Almeirim. Vou ser dirigido pela minha mulher se ela se mantiver como directora, mas já tinha sido dirigido por ela durante dois anos que estive a leccionar na localidade.

Assusta-o deixar de ter poder?

Nunca tive a perspectiva do poder como instrumento pessoal, de afirmação pessoal. Há aspectos nas funções que nos aconchegam o ego, outros nem por isso. As pessoas sabem que não alterei o meu comportamento nem a perspectiva perante a vida por ser presidente.

As (más) relações com a Fundação José Relvas e a situação da AgroAlpiarça

Vai sair da câmara sem ter resolvido a questão da eleição do seu antecessor, o socialista Rosa do Céu, para presidente da Fundação José Relvas, que disse ser ilegal à luz do testamento, o qual a autarquia deve garantir que seja cumprido.

É uma questão que acaba por ser uma responsabilidade da assembleia dos 40 maiores contribuintes, que escolhe o conselho de administração. A situação é claramente contrária ao testamento de José Relvas, ao regulamento dos legados e aos estatutos, que não permitem que quem exerceu funções autárquicas seja do conselho de administração. Colocámos a questão na assembleia da fundação, que assim não entendeu. A alternativa era ir para tribunal, o que nunca tivemos vontade.

Porque é que não queriam entrar na justiça?

Porque está em causa uma instituição com prestígio e importante no concelho na área social e no apoio à população. Os custos em termos de imagem para o concelho e para a fundação seriam maiores que os benefícios da reposição da regularidade em termos testamentários. O mesmo já não entende o conselho de administração por mantermos uma prática que já existia no tempo do PS sobre a transferência de verbas dos legados. E avançou com uma acção judicial contra a câmara.

Porque é que não transfere para a fundação as verbas dos rendimentos dos legados, que a administração diz ter direito?

A câmara é depositária da receita dos legados e transfere para as funções sociais da fundação os montantes, após apuradas as despesas de manutenção dos bens. O valor que foi transferido por via do Legado de Manuel Nunes Ferreira durante os dois primeiros mandatos da CDU foi superior ao transferido nos últimos dois mandatos do PS, presididos por Rosa do Céu, actual presidente da fundação. Com o processo em tribunal deixámos de transferir até haver uma decisão.

Os legados são uma dor de cabeça para a câmara?

Na altura em que as pessoas deixaram bens à câmara e cujos rendimentos devem ser aplicados nas causas sociais a época era completamente diferente. Alguns dos rendimentos são da actividade agrícola que sofreu alterações profundas. A exploração das propriedades que eram de José Relvas dava para pagar, no início, a manutenção da Casa dos Patudos. O que hoje é impossível, sendo a câmara a suportar a diferença. Assim como os prédios em Lisboa, que têm rendas baixas, associadas à degradação dos edifícios que precisam de obras.

E a cooperativa AgroAlpiarça, detida quase na totalidade pela câmara, consegue manter-se?

Está a sofrer as dificuldades do sector agrícola e sujeita à flutuação dos preços de mercado dos vinhos e do azeite, mas os resultados líquidos têm sido positivos, o que não acontecia desde 2003. A AgroAlpiarça, quando assumimos a câmara, tinha um passivo elevado e com os bancos a quererem penhorar os tractores e as máquinas. De um passivo que chegou a ser de 700 mil euros, neste momento tem resultados positivos de cerca de 70 mil euros por ano. A cooperativa, que produz vinhos de grande qualidade, precisa de uma nova imagem e de promoção dessa imagem.

Além das obras na Casa dos Patudos e regeneração urbana, elege honestidade como marca da sua gestão

Teve uns mandatos com dificuldades financeiras. O que é que conseguiu fazer pelo concelho?

Fizemos o maior investimento de sempre na educação no concelho, com o centro escolar, e o maior investimento na Casa dos Patudos em mais de 100 anos e algumas obras de reabilitação urbana. Mas a nossa grande obra foi a recuperação financeira do município, que tinha uma dívida duas vezes e meia superior ao limite de endividamento, com mais de 13 milhões de euros de passivo, quando o orçamento da câmara era de sete milhões anuais. Não foi fácil porque ainda tivemos que aguentar os cortes do período da Troika.

Como é que conseguiu convencer os eleitores a votarem em si com poucas obras de vulto?

Foi sobretudo porque conseguimos dizer às pessoas de forma objectiva e clara qual era a situação real do município, quais eram os nossos objectivos e explicar como pretendíamos preparar o concelho para o futuro. Também contou o comportamento que tivemos, a nossa maneira de ser, a nossa humildade e seriedade. A população olhou para nós na câmara e na junta de freguesia como pessoas próximas e competentes a resolver os problemas.

Como é que vai deixar a câmara?

Vai estar incomensuravelmente melhor do que em 2009. Em 2019 chegámos ao objectivo de garantir a sustentabilidade do município. Neste momento temos uma folga de 3,5 milhões de euros em relação ao limite legal de endividamento. Baixámos a dívida em mais de oito milhões de euros e estamos a pagar a tempo aos fornecedores. Quem vier a seguir tem uma situação normalizada, mas tudo depende também das orientações da administração central para o poder local, porque um município como o nosso depende em grande parte das transferências do Orçamento do Estado.

Ainda tem tempo para fazer as obras que gostaria de ter feito?

Vamos executar até ao final do mandato, em Outubro, um conjunto de obras. Vamos intervir no centro cívico da vila, do mercado à igreja paroquial, vamos tentar desenvolver o parque ecológico dos Patudos com uma intervenção na barragem e a criação de uma praia. Vai ser feita uma intervenção na Escola José Relvas e vamos melhorar o estádio municipal, bem como executar vários asfaltamentos no concelho. São obras que gostaria de ter concluídas no final do mandato, mas não vai ser possível.

E além das obras?

Em termos sociais vamos deixar um concelho, mesmo num quadro de imprevisibilidade e crise, por causa da pandemia, mais estruturado. Basta ver a reacção que tivemos em relação à Covid-19. Somos o concelho com menos casos activos e isso também teve a ver, para além do papel da câmara e da junta de freguesia, com a intervenção das instituições e a acção das pessoas.

E qual é o panorama ao nível socio-económico?

Ao nível do desemprego, Alpiarça é em toda a região o terceiro concelho com menos desempregados. Temos quatro por cento de desemprego. Tivemos várias empresas nos últimos anos a instalarem-se no concelho e outras aumentaram a capacidade, como a Monliz que duplicou a sua actividade. Foi também importante a instalação do Continente, que permitiu a renovação urbana de um quarteirão e criou emprego. As exportações a partir de Alpiarça são anualmente de mais de 80 milhões de euros.

Está a fazer a apologia de que Alpiarça é um bom concelho para se viver.

O índice do poder de compra no concelho foi o que mais subiu em toda a região ao longo dos mandatos da CDU, em 8%. Passámos de 69% em 2009, quando entrámos na câmara, para 77% da média nacional em 2019. Isto também tem a ver com a nossa acção.

Se tivesse que escolher a sua marca, qual era?

São várias marcas, como a da intervenção na Casa dos Patudos, a recuperação financeira, que acabará por cair no esquecimento com o tempo, e a regeneração urbana, como é exemplo o novo jardim municipal. A nível pessoal, num contexto complicado, acho que chegou ao fim com a marca de uma pessoa honesta que fez o melhor que sabia e que podia.

Nunca foi pressionado ou abordado para alguma proposta desonesta?

Ou sou muito ingénuo e não percebi, mas não dei conta de situações dessas. Imaginei que isso pudesse acontecer e como iria reagir.

Alpiarça e Almeirim são de partidos diferentes, mas costumam fazer coisas em comum, obras com meios das duas câmaras… Como conseguem ter boas relações?

Temos uma relação de vizinhança muito próxima e não podia ser de outra forma. Procuramos sempre disponibilizar equipamentos e materiais a Almeirim e o mesmo acontece em sentido contrário. Também ajudamos e somos ajudados por outros municípios em eventos culturais e desportivos com equipamentos. Procuramos trabalhar com sinergias independentemente das cores políticas.

O primeiro autarca da nova geração a sair de cena devolveu a confiança a Alpiarça

Mais Notícias

    A carregar...

    Capas

    Assine O MIRANTE e receba o Jornal em casa
    Clique para fazer o pedido