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Fernando Lopes-Graça era um génio inconveniente e um tomarense dos quatro costados
Maestro António Sousa é o coordenador da Casa Memória Lopes-Graça

Fernando Lopes-Graça era um génio inconveniente e um tomarense dos quatro costados

Maestro António Sousa foi amigo íntimo do compositor nos últimos anos da suas vida.

No ano em que se comemora 115 anos do nascimento de Fernando Lopes-Graça, compositor, maestro e musicólogo, natural de Tomar, O MIRANTE falou com o Maestro António Corvêlo de Sousa, director artístico da Associação Canto Firme e coordenador da Casa Memória Lopes-Graça.

Como começou a sua ligação a Fernando Lopes-Graça? Sou admirador da sua obra desde a juventude e fui seu amigo íntimo durante muitos anos. Comecei a privar com ele muito tarde na sua vida, aos 70 anos, numa altura em que ele já não tinha família. Conheci-o depois do 25 de Abril de 1974. Ajudei-o na sua fase mais musicológica, desde arrumar partituras…no fundo, fazia todo o trabalho de sapa. Pelo facto de já não ter ninguém eu ia buscá-lo a Lisboa e ficava na minha casa. Foi assim até ao dia da sua morte, em 27 de Novembro de 1994, com 87 anos.

Como era ele? Era um excelente contador de histórias e passámos vários serões na conversa até de madrugada. Era um homem simpático e demasiado simples, como deveriam ser todos os génios.

Há quem diga que era uma pessoa difícil. Tinha um temperamento muito peculiar e isso originava relações de amor-ódio com as pessoas. Era obcecado pela verdade e pela rectidão, sem medo de dizer o que pensava. Era um homem indomesticável e, por vezes, inconveniente.

Fez muitos inimigos ao longo da vida? Não lhes chamo inimigos, mas arranjou muitas desavenças, principalmente com políticos. Tinha uma vasta lista de dirigentes políticos que desancava, cara-a-cara, chamando-lhes de vaidosos para cima.

E amigos? Tinha muitos? Nem por isso, talvez nem uma dezena, mas os que tinha eram bons amigos. Preocupava-se sempre em saber deles, enviava-lhes cartas ou telefonava-lhes nos aniversários. O Lopes-Graça costumava dizer que estava sozinho mas nunca só.

O que significava Tomar para ele? Vivia e sentia a cidade à maneira antiga. Era um verdadeiro tomarense dos quatro costados. Fazia questão de assistir sempre à festa dos Tabuleiros e fazia questão de trazer amigos de Lisboa para lhes mostrar o Convento de Cristo, a Mata Nacional dos Sete Montes, entre outros monumentos. Uma das suas frases mais conhecidas diz que Tomar é onde “o monumento completa a paisagem; a paisagem é o quadro digno do monumento”.

E no dia-a-dia quando estava na cidade como se relacionava com ela? Testemunhei o prazer que ele tinha em andar a pé pela cidade. Uma das coisas que ele mais adorava era contar as histórias de cada família de uma determinada casa. ‘Aqui morou fulano que andou metido com a não sei das quantas’, por exemplo. Também gostava de meter-se com pessoas na rua para saber de onde vinham e a que famílias pertenciam.

Ele trabalhou sempre? Trabalhou até ao último dia da sua vida. Às vezes olhava para o relógio, depois de longas horas de conversa, e dizia-me: ‘ó rapaz não tens nada que fazer?’ (risos). Almoçava a correr e estava uma tarde inteira ao piano a escrever música.

A sua obra está a cair no esquecimento? Apesar de tudo, penso que não. A obra do Lopes-Graça tem um problema que é o facto da edição das suas partituras ainda não estar feita. É tudo em manuscrito. Mas tenho reparado, na internet, que muitos coros internacionais estão a realizar concertos inteiros das canções regionais do Lopes-Graça. Lembro-me que os meus professores no Conservatório tinham aversão às suas músicas, por ser um compositor contra-corrente. Isso fez dele um compositor tabu. Hoje em dia já não é assim; houve evolução.

E em Tomar? Nós, na Canto Firme, privilegiamos as suas músicas, embora confesse que cantar Lopes-Graça não é para todos. É preciso coragem e ser um bocadinho fora da caixa. Ele era um compositor que preferia ir pelos caminhos mais difíceis e não se preocupava em “fazer bonito”.

Há 13 anos, em entrevista a O MIRANTE, prometia dar vida à memória de Lopes-Graça através da casa memória. Qual é o estado actual do espaço? Estamos a recomeçar depois da Casa Memória Lopes-Graça ter estado ao abandono cerca de sete anos. A Canto Firme assinou um protocolo com a câmara para dar uma nova vida ao espaço. A Casa Memória, para além do cariz simbólico por ter sido onde ele nasceu, tem um acervo museológico enorme, que vai ser tratado ainda este ano. Pelo menos para saber o que temos e até onde podemos ir. Queremos honrar a memória de um génio que fez muito pela cultura em Portugal e, especialmente, em Tomar.

Um dos maiores compositores e musicólogos do século XX*

Compositor, maestro e musicólogo português, Fernando Lopes-Graça nasceu em Tomar a 17 de Dezembro de 1906. Frequenta o Curso Superior do Conservatório de Lisboa e o curso de Ciências Históricas e Filosóficas na Faculdade de Letras de Lisboa. Esteve preso várias vezes por motivos políticos.
É autor de uma vasta obra literária incidente em reflexões sobre a música portuguesa e a música do seu tempo, mas maior ainda é a sua obra musical, da qual são assinaláveis os concertos para piano e orquestra, as inúmeras obras corais de inspiração folclórica nacional, o Requiem pelas Vítimas do Fascismo (1979).
A 9 de Abril de 1981 é feito Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada e a 2 de Fevereiro de 1987 é agraciado com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique. Morreu a 27 de Novembro de 1994, na Parede, Cascais.com 87 anos.
* Fonte: Wikipedia.

Fernando Lopes-Graça era um génio inconveniente e um tomarense dos quatro costados

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