Morreu José Júlio: o toureiro de Vila Franca de Xira que se formou na Golegã
José Júlio foi toureiro durante mais de meio século e considerado uma das grandes figuras do toureio a pé. Morreu vítima da Covid-19. Seis meses depois de perder Mário Coelho, a cidade de Vila Franca de Xira viu partir outro ícone da tauromaquia nacional. Tal como aconteceu com Mário Coelho, também agora a Presidência da República e o Governo ignoraram a morte do toureiro.
O toureiro José Júlio, uma das figuras maiores da tauromaquia nacional e um rosto conhecido na comunidade vilafranquense, morreu sexta-feira, 29 de Janeiro, aos 86 anos, vítima de Covid-19. A Câmara de Vila Franca de Xira lamenta a morte do matador, considerando a sua partida uma “perda irreparável” para o concelho.
José Júlio contraiu a doença num surto ocorrido no lar da Misericórdia onde vivia há vários anos. Vila Franca de Xira despediu-se do toureiro no domingo de manhã na porta pequena do cemitério da cidade, com meia dúzia de aficionados e sem grandes ajuntamentos por causa da pandemia. Mesmo assim não faltaram nomes como Maria da Luz Rosinha, Alberto Mesquita e o presidente da junta de freguesia, João Santos.
José Júlio foi o segundo toureiro a morrer da doença em Vila Franca de Xira, seis meses depois da cidade chorar a partida de Mário Coelho. Tal como fez com Mário Coelho, também agora a Presidência da República e o Governo ignoraram a morte do toureiro.
Fez-se toureiro entre treinos e touradas clandestinas
José Júlio Venâncio Antunes, filho do bandarilheiro Júlio Antunes e sobrinho do forcado Venâncio, fez-se toureiro entre treinos e touradas clandestinas, antes da família saber das ganas do rapaz para a arte, escrevia o seu primo e escritor Alves Redol em “Sombra e Sangue”. Numa entrevista de vida concedida a O MIRANTE, em Outubro de 2009, e que está disponível no site do jornal, dizia que nunca conseguiu ser menino, depois de aos quatro anos ver morrer o pai num acidente de motorizada em Alhandra. A mãe sofria de doença grave e foram os pais de Alves Redol que o ajudaram a crescer. Foi na padaria da família Redol que começou a trabalhar ainda muito novo.
Sem dinheiro mas com ganas de vencer, lutou até conseguir aos 13 anos ter a primeira oportunidade no tentadero do Cabo de Vila Franca de Xira. Mais tarde foi para a Golegã para a casa do Mestre Patrício onde se preparou para ser matador de toiros. Emergiu nas arenas de Portugal e Espanha em finais da década de 50, conquistando a sua alternativa em Saragoça, a 11 de Outubro de 1959. Durante 50 anos manteve-se no activo, conquistando plateias em várias praças de touros de todo o mundo em que a tauromaquia ainda é uma tradição. “Sou um dos últimos dinossauros que ainda se põe diante dos toiros”, disse José Júlio a O MIRANTE aquando da sua despedida das arenas.
Em Fevereiro de 2019 a cidade inaugurou um busto em sua honra em frente ao mercado municipal, depois de também lhe ter dedicado uma exposição no Celeiro da Patriarcal durante uma edição do Colete Encarnado.
“Formei-me como homem e como toureiro na Golegã”
“Há sempre um outro homem dentro de nós. Um que empurra para diante e que quer vencer a batalha. Outro que puxa as pernas e não deixa tourear. É o medo. Só nasci em Vila Franca de Xira. Formei-me como homem e como toureiro na Golegã. Vila Franca de Xira tem um ambiente fechado, agrio [azêdo], de ciumeiras, invejas e mal dizeres. O aficionado é agrio para o que quer ser toureiro. O toureiro a pé é sempre um emigrante”, confessou na referida entrevista que pode ler online na edição de O MIRANTE pesquisando pelo tema e pelo nome do toureiro.