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Dirigentes associativos a dormirem na fôrma e o governo a boicotar

O Governo não cumpre as leis da Assembleia da República e ninguém repara. Há intelectuais a escrevem nos jornais apanhados a movimentarem dinheiro como se fossem feirantes. Pela primeira vez na vida fizemos queixa do Estado. Ninguém acredita que é possível entalar os governantes. Veremos se é desta que levamos a Carta a Garcia.

Para os jovens de hoje a pandemia que vivemos ainda vai ser uma boa história para contarem aos netos. Para os velhos, como já é o meu caso, a coisa está preta. Nada de viagens, zero de piscina, nada de massagens, e com este frio de Inverno nem apetece podar as árvores; parece que voltei aos meus tempos de antanho quando andava sempre a mil à hora e era quase sempre casa trabalho, trabalho casa.
Se para um jovem a adaptação é canja, até por que mesmo na prisão um jovem está sempre a viajar, já os velhos como eu começam a ter medo até das formigas que vão atrás das migalhas de pão que nos caem no colo.
Felizmente existem os livros e os filmes; e a sorte de trabalhar num ofício que quanto mais lhe damos mais ele nos exige; Sempre me conheci ligado ao trabalho como quem é viciado no exercício físico ou em comer chocolates; o problema de hoje é a falta de energia e de cabedal para aguentar a jornada ao nível a que me habituei. Mas há uma dimensão espiritual no trabalho intelectual que só os criadores sabem explicar; e nem todos; colecciono biografias de grandes figuras públicas e muito poucos sabem transmitir por escrito o que adivinhamos na sua obra; três excepções de que me lembro ao correr do teclado; Luis Buñuel, Françoise Gilot e Stefan Zweig.
Nesta crónica está muito do entusiasmo na leitura de uma entrevista com Millôr Fernandes que morreu em 2012 numa noite em que eu viajava de avião com um livro dele no colo. A primeira notícia que recebi assim que aterrei no aeroporto de Lisboa foi a da sua morte. Nessa altura andava a ler os seus livros e a saber do tempo em que ele, e outros grandes criadores como ele, fundaram “O Pasquim” que ainda hoje faz história e é um exemplo que de poucos se servem para aprenderem a arte da comunicação. Conheci Millôr Fernandes nas livrarias a dar autógrafos mas nunca falei com ele nem tive oportunidade de lhe roubar conversa para o ouvir dizer o que ele disse em 2011 à jornalista Anabela Mota Ribeiro que eu já tinha lido algures: “primeiro casamento da minha vida, eu preservei: me livrou de todos os outros”.
Estou revoltado, que baste, com a forma como somos governados e ainda mais com a falta de juízo de quem nos governa. Não considero que estejamos a regredir mas acho que não evoluímos nada nos últimos anos e que perdemos o comboio dos países mais desenvolvidos.
Veja-se o caso da Justiça, dos mega processos que só servem para salvar bandidos de irem para a cadeia; dos intelectuais que escrevem nos jornais e depois são apanhados a movimentarem dinheiro vivo como se fossem feirantes de gado ou de trapos.
O caso mais gritante que posso testemunhar nos dias de hoje é a falta de cumprimento do Estado de uma lei que obriga todos os beneficiários dos fundos comunitários a publicarem nos jornais os contratos programa. Pela primeira vez na minha vida, se bem me lembro, fiz uma queixa contra o Estado. Substituí-me às associações do sector, cujos dirigentes andam a dormir na fôrma, na esperança de que pelo caminho consiga solidariedades que permitam que se faça justiça. Acho que me meti numa alhada porque nestes tempos de pandemia há coisas muito mais importantes para defendermos que o dinheiro que nos roubam ou as injustiças de que somos vítimas. Mesmo assim não me arrependo; se não for com a indignação de que forma é que conseguimos sobreviver? Atamos uma corda ao pescoço ou começamos a fumar uns charros para nos livrarmos da realidade?
Volto a Millôr Fernandes e a uma frase da entrevista já citada em cima, para acabar a crónica com o estímulo que só conhecemos em pessoas que nunca tiveram uma vida fácil: “Uma frase deve ter sujeito, verbo, predicados na ordem directa – a ordem indirecta deixa pró Camões. Fiquei uns dois anos ou três sem estudar, fui morar na cidade. Quando recomecei (...) primeira coisa que fiz: entrei para colégio nocturno. Trabalhava das oito da manhã às seis da tarde, sábado também. Pagava para estudar. Quando saía do colégio andava um quilómetro até pegar um bonde, andava uns três, quatro quilómetros de bonde, depois andava num trem uns vinte minutos até chegar em casa. Eu me chamava a mim mesmo de ‘piscina’, porque chegava, batia na parede e voltava para o trabalho”. JAE.

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