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No tratamento das sequelas da Covid-19 cada pessoa é um caso e está-se sempre a aprender
Filipa Miguel

No tratamento das sequelas da Covid-19 cada pessoa é um caso e está-se sempre a aprender

Filipa Miguel é uma das médicas que está a acompanhar doentes que tiveram Covid-19. É a especialista em medicina geral e familiar do Hospital CUF Santarém que faz a primeira abordagem e investiga as sequelas dos doentes. O acompanhamento das pessoas que estiveram infectadas, através da consulta pós-Covid, é importante para que possam voltar à sua vida normal o mais rápido possível, mas também para os médicos conhecerem cada vez mais as implicações da doença.

O acompanhamento de doentes que tiveram Covid-19 é um dos maiores desafios para a medicina?

É um desafio por ser uma situação nova. Temos a noção de que existem doentes que ficam com sequelas após a doença, mas não há a certeza de quanto tempo essas sequelas podem durar, nem da percentagem de doentes que recuperam totalmente. Todos os meses saem estudos sobre o assunto e estamos todos a aprender.

As consultas para doentes que estiveram infectados também servem para se aprender mais sobre a doença.

Cada doente é uma aprendizagem. Existem não só as sequelas físicas, como também as mentais relacionadas com o confinamento, com o isolamento, com a situação de pessoas que estiveram internadas.

Que profissionais de saúde é preciso envolver para se tratar um doente com sequelas?

A primeira abordagem é feita por um médico generalista, de medicina geral e familiar. Depois, consoante o resultado do estudo podemos ter necessidade de fazer parcerias com outras especialidades como a pneumologia, cardiologia, neurologia, psiquiatria ou otorrino.

É uma das doenças mais exigentes então?

Há situações mais exigentes que a Covid-19, mas é sem dúvida uma doença que precisa de alguma atenção, até porque há muitas doenças virais, mas nunca tínhamos visto uma coisa assim.

Quais são as principais queixas dos doentes?

A queixa mais comum é o cansaço. As pessoas sentem que não recuperaram totalmente, às vezes um mês ou dois depois. Há também queixas de tosse persistente, intolerância ao esforço físico e dores de cabeça.

O que se faz para ajudar a superar as sequelas?

O tratamento depende dos casos. Quando se detectam algumas anomalias específicas o doente é encaminhado para a especialidade que fará o tratamento. Quando não se detectam, acompanhamos a pessoa dando conselhos sobre o estilo de vida, como deve retomar gradualmente a actividade física, como normalizar o sono e controlar sintomas de ansiedade ou sintomas depressivos.

Uma pessoa que teve a doença deve ter mais cuidados?

Tendo em conta que se trata de uma doença que ainda não é bem conhecida, não podemos estabelecer com segurança que as pessoas que foram infectadas não são potencialmente uma fonte de contágio. Sabemos que as pessoas produzem anticorpos que as protegem de voltarem a desenvolver a doença, durante algum tempo, mas não se pode afirmar com segurança que essas pessoas não podem contagiar outras. As regras de etiqueta respiratória, desinfeção das mãos devem manter-se, independentemente de se ter tido Covid-19 ou não.

Há alguma ideia de quanto tempo é que as sequelas demoram a desaparecer?

É difícil prever. Daqui por cinco anos ainda vamos estar a publicar estudos sobre o impacto da doença. Há pessoas que ao fim de três meses ainda têm queixas, isso é seguro. Há estudos que revelam existir pessoas que ao fim de seis meses ainda não recuperaram totalmente.

As pessoas que não têm queixas também devem ser acompanhadas?

Quem sente que recuperou totalmente pode mantar as suas rotinas médicas habituais. As pessoas que se sentem inseguras, que acham que não estão como antes da infecção, devem procurar aconselhamento médico.

Como é que fazem a avaliação do doente?

Averiguamos o tipo de infecção e os sintomas que tiveram. Faz-se um estudo que, geralmente, inclui análises, electrocardiograma, TAC toráxica, ecocardiograma e provas de função respiratória. É uma abordagem multidisciplinar e segue-se o doente durante o período de tempo necessário, com um plano personalizado e dirigido às suas queixas.

Para a avaliação e acompanhamento também é importante conhecer-se o histórico clínico, as patologias antes da Covid-19?

Quando vamos ver a história de alguns doentes percebemos que eles tinham factores de risco que nunca foram controlados. Por exemplo, tinham problemas de tensão arterial que não eram vigiados, tinham na família historial de AVC e enfartes e nunca tinham feito o estudo do perfil cardiovascular. À custa da consulta pós-Covid acabamos por seguir o doente a outros níveis.

Há alguma doença que potencie mais as sequelas da Covid-19?

Há várias, como o excesso de peso, a hipertensão arterial, diabetes, doenças respiratórias crónicas. Por norma, qualquer pessoa que sofra de uma doença crónica acaba por ter sintomas mais exuberantes da Covid-19. Tendencialmente serão estas pessoas que demoram mais tempo a recuperar. As pessoas que tiveram sintomas ligeiros da doença normalmente não ficam com sequelas, a não ser um cansaço que desaparece com o tempo.

Maria Rosário Sá fez provas de função respiratória na CUF Santarém

Maria Rosário Sá está a ser seguida por causa do cansaço

Maria Rosário Sá foi a segunda auxiliar de acção educativa do Agrupamento de Escolas D. Afonso Henriques, de Alcanede, concelho de Santarém, e até agora a última, que teve Covid-19. Em casa esteve o marido e o filho também infectados, mas ela foi a que ficou com mais queixas depois dos 14 dias de isolamento passados com dores e cansaço extremo. Está a ser acompanhada pela médica Filipa Miguel e na semana passada foi submetida a provas de função respiratória, para se saber qual a capacidade de retenção do ar, as capacidades inspiratória, expiratória e de troca de oxigénio, por exemplo.
Enquanto aguarda o resultado, a auxiliar de educação, de 53 anos, vai continuar a trabalhar na escola, para onde voltou logo que teve teste negativo à Covid-19, mas com um cansaço incomodativo. Maria Rosário Sá diz que não se sente bem desde que teve a doença e que perdeu dois quilos. Foi um momento difícil e confessa que nunca se tinha sentido tão mal, com dores nas costas, uma espécie de peso que lhe esmagava os pulmões, e dores de cabeça acima das sobrancelhas. Apesar de não ter tido febre, conta que passou dias muito difíceis, em que perdeu o apetite, o paladar e o cheiro.
O filho, de 28 anos, foi o primeiro a ter a doença e estava assintomático. Maria Rosário começou a ter sintomas no dia 24 de Janeiro e no dia 26 o teste deu positivo. A seguir foi o marido, no dia 28. Durante o isolamento mal se podia mexer porque ficava exausta. Só o pequeno percurso para ir buscar o pão que o padeiro deixava pendurado no portão deixavam-na de rastos. Agora está a voltar à vida normal, apesar de ainda ter algumas dificuldades.
Maria Rosário Sá procurou a consulta da CUF porque na freguesia o médico de família não está a dar consultas presenciais e estava preocupada com a sua saúde, não só pelo cansaço, mas porque a mãe faleceu com cancro do pulmão há quatro anos. Considera que a consulta pós-Covid da CUF Santarém é importante e deixa-a mais descansada. A auxiliar de educação diz a O MIRANTE que as pessoas não devem ocultar o que sentem e que não devem ter vergonha de dizerem que têm ou tiveram Covid-19.

No tratamento das sequelas da Covid-19 cada pessoa é um caso e está-se sempre a aprender

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