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Investigadores do IPT usam tecnologia de ponta para utentes de cadeiras de rodas
Gabriel Pires e Ana Cristina Lopes

Investigadores do IPT usam tecnologia de ponta para utentes de cadeiras de rodas

Gabriel Pires e Ana Cristina Lopes são investigadores no Instituto Politécnico de Tomar (IPT) e ajudaram a desenvolver um sistema que garante o controlo de cadeiras de rodas através do cérebro. A fiabilidade do sistema chega quase aos 100% de precisão. Em entrevista a O MIRANTE, os investigadores afirmam que o seu trabalho tem como principal missão dar condições de vida a quem sofre de deficiências motoras severas.

No que consiste o Sistema Interface Cérebro Computador?

Gabriel Pires (G.P.) - É um canal directo entre o cérebro e um dispositivo externo, que pode ser um computador ou um sistema robótico. O sinal cerebral é medido através de eletroencefalografia e é enviado directamente para o dispositivo. Os dados são analisados e descodificados para tentar realizar as tarefas em tempo real.

Basicamente, o sistema faz tudo o que o cérebro mandar?

G.P. - Não é exactamente assim, porque têm de existir alguns paradigmas relacionados com tarefas cognitivas. Neste caso específico, é obrigatório recorrer primeiro a uma tarefa de atenção selectiva. Isto é, se a pessoa quiser que a cadeira de rodas ande para a frente, o utilizador necessita de focar-se no estímulo visual que pretende seleccionar para que depois sejam descodificados os sinais.

Há quanto tempo trabalham no sistema?

Ana Cristina Lopes (A.L.) - É um trabalho que tem vindo a ser realizado ao longo dos anos. O Gabriel trabalha mais na área das interfaces homem-máquina, eu sou responsável pela robótica. Como trabalhamos com pessoas com limitações severas, por exemplo da Associação de Paralisia Cerebral de Coimbra (APCC), temos a motivação de as querer ajudar a melhorar a sua qualidade de vida. Por isso, desenvolvemos um sistema em que não é preciso um controlo muscular para conduzir, de forma segura, uma cadeira de rodas.

Qual é a precisão do sistema?

G.P. - Conseguimos aproximar-nos dos 100% de precisão e com uma qualidade constante. Garantimos a fiabilidade do sistema ao longo do tempo, independentemente das condições externas que, eventualmente, possam desviar a atenção do utilizador. Trabalhámos, inicialmente, com um grupo de controlo, seguido de um grupo clínico composto por seis pessoas.

Qual é a diferença deste sistema para os que já existem?

G.P. - Combinámos a robótica móvel com um controlo colaborativo, onde há partilha entre utilizador e máquina. Depois inovamos em outras componentes. Uma delas detecta automaticamente quando é que o utilizador pretende enviar, ou não, um comando; falando de forma mais simples, se a pessoa quiser ir em frente, não precisa de estar sempre a dizer que quer ir em frente. É uma grande vantagem porque previne consideravelmente o esforço mental do utilizador.

Qual é o valor de mercado do sistema?

G.P. - Em relação ao sistema interface, que se operacionaliza através da colocação de eléctrodos na superfície do escalpe, os sistemas de aquisição de electroencefalografia de qualidade são ainda bastante caros. Existem alguns dispositivos no mercado mais baratos, mas fornecem uma qualidade de sinal muito inferior.

A.L. - O preço da cadeira de rodas depende da sua qualidade e componentes que a integram, mas varia entre os mil e os 10 mil euros. Por exemplo, os sistemas sensoriais que usámos custam cerca de cinco mil euros. Estamos a desenvolver trabalho de investigação, com novos métodos, para se poder utilizar sensores muito mais económicos. É claro que a produção em escala pode ajudar a baixar os custos.

“AS CONDIÇÕES NO IPT SÃO EXCELENTES”

O sistema de financiamento público à ciência e tecnologia, em Portugal, funciona bem?

G.P. - A competitividade e o acesso a financiamento é difícil, porque há cada vez mais grupos de investigação. A Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) teve uma taxa de aceitação de projectos de 5% na última chamada. Em relação a outros países da Europa temos financiamentos mais reduzidos e por isso tem de se fazer um esforço para procurar programas de financiamento alternativos.

Não é trabalhar para o boneco, quando se perde tempo num projecto que depois não anda para a frente?

A.L. - O investigador tem, por vezes, um trabalho ingrato. Mesmo tendo uma avaliação positiva, o projecto não é aceite. Ser investigador em Portugal é difícil; somos docentes, temos muitas horas de aulas, e conseguir conciliar com as tarefas de investigação é uma tarefa quase hercúlea.

Portugal forma bons investigadores?

A.L. - Tenho a certeza que sim. Com tantos constrangimentos e restrições, temos vários investigadores fora e dentro do país com trabalhos fantásticos publicados e que fazem a diferença na vida das pessoas.

Como é o departamento de investigação do Instituto Politécnico de Tomar?

G.P. - Temos vários laboratórios, nomeadamente o VITA (Vida Assistida por Ambientes Inteligentes), do qual sou responsável e onde trabalho de forma mais activa, que tem como missão produzir investigação e protótipos que possam dar mais qualidade de vida ao ser humano. Este sistema da cadeira de rodas, por exemplo, resulta de uma colaboração com o Instituto de Sistemas e Robótica (ISR) da Universidade de Coimbra (UC) e com o Centro de Paralisia da Universidade de Psicologia de Coimbra. Temos também no IPT um centro de I&D recentemente criado, o CI2 - Centro de Investigação em Cidades Inteligentes, creditado pela FCT, com o qual o VITA colabora.

A.L. - As condições técnicas no IPT são incríveis. Temos muitas plataformas robóticas e laboratórios bem equipados nas mais variadas áreas. Por vezes sentimos alguma falta de dimensão, ou seja, precisávamos de mais pessoas a trabalhar para criar uma maior massa crítica. Não há muita gente a trabalhar na mesma área, e o que temos conseguido também se deve ao trabalho dos nossos alunos de licenciatura e mestrado.

Podem referir outros projectos em que participaram?

G.P. - São demasiados para referir todos, mas deixo alguns exemplos; recentemente desenvolvemos um sistema em que a cadeira de rodas é comandada por movimentos de cabeça, e que eventualmente poderá complementar a interface cérebro-computador. Desenvolvemos várias interfaces alternativas para jogos. Recentemente, desenvolvemos um robot social, em que a pessoa se pode sentar e interagir com o meio circundante através de um braço robótico. Concluímos o ano passado um projecto de I&D na área da telesaúde cuja tecnologia foi transferida para uma empresa, e se encontra actualmente em comercialização, cujo objectivo é fornecer a possibilidade de medição de parâmetros biométricos, como a pressão arterial, pulsação e peso.

foto DR O sistema funciona com a colocação de eléctrodos no escalpe

Um instituto com muita investigação

O Instituto Politécnico de Tomar tem 11 laboratórios/centros de investigação, onde trabalham cerca de 80 investigadores. Tem ainda uma Unidade Laboratorial Central (LAB.IPT), composta pelos laboratórios de Conservação e Restauro, de Design e Artes Gráficas, de Engenharia Eletrotécnica, de Engenharia Informática, de Engenharia Química e do Ambiente, de Engenharia Civil, de Fotografia, de Arqueologia e Conservação do Património Subaquático e de Física. No campus de Abrantes, que integram o Parque de Ciência e Tecnologia TagusValley, situam-se os laboratórios de Engenharia Mecânica, Comunicação Social e Cinema Documental.
O IPT tem em mãos cerca de meia centena de projectos, dos quais se destacam: “AGA@41ife”, que visa a promoção de um envelhecimento ativo e saudável; “B-RELIABLE”, métodos para melhoria da fiabilidade e a interação em sistemas de interface cérebro-máquina; “INFANTE”, um microssatélite para vigilância marítima, observação da Terra e loT no contexto de constelações; “PEDIME”, plano estratégico de desenvolvimento intermunicipal da educação no Médio Tejo.

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