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Behçet é o nome da doença  que deu cabo da vida de Nuno Pereira 
Nuno Pereira não consegue manter a calma quando o assunto é a doença e a falta de apoio psicológico

Behçet é o nome da doença  que deu cabo da vida de Nuno Pereira 

Nuno Pereira, 44 anos, sofre há sete de Síndrome de Behçet, uma doença rara que atinge as mucosas, pele, olhos e articulações. Com a chegada da doença ficou incapacitado para trabalhar. À medida que a doença avança Nuno Pereira fica mais revoltado e desesperado; Nesta entrevista clama por ajuda psicológica que o oriente na sua luta diária.


Imagine que subitamente lhe aparecem aftas na boca, úlceras genitais, não consegue parar de mexer as pernas, ou desenvolve artrites nas mãos ao ponto de não as conseguir fechar. Estes são alguns sintomas com que Nuno Pereira, natural de Vale de Cavalos, concelho da Chamusca, tem de lidar desde que há cerca de sete anos lhe foi diagnosticada Síndrome de Behçet, uma doença inflamatória crónica, rara, que provoca inflamação dos vasos sanguíneos.
Nuno trabalhava há cerca de duas dezenas de anos na montagem de sistemas de rega para agricultura; tinha uma vida social activa e não abdicava dos convívios com os amigos. Hoje em dia é um homem que quase nunca sai de casa, onde vive com os pais e o irmão mais velho; está desesperado e revoltado com a sua realidade, tornando-se muito difícil manter uma conversa calma sempre que o assunto gira à volta da doença e da qualidade de vida que esta lhe roubou. “Ando há vários anos a pedir ajuda psicológica, mas não me arranjam outra solução a não ser medicação psiquiátrica”, afirma.
Enquanto conversa com o repórter de O MIRANTE, no largo da Igreja de Vale de Cavalos, Nuno Pereira não consegue conter as lágrimas nos momentos em que a sua mente viaja ao passado e relata como tudo começou. Assim que apareceram as primeiras aftas, os médicos pensaram que seria um problema dermatológico de fácil resolução e receitaram-lhe um antibiótico que apenas resolveu o problema momentaneamente. Um mês depois, sem esperar, entrou em coma, tendo despertado ao fim de 20 dias no Hospital de São José, em Lisboa. Finalmente diagnosticaram-lhe a Síndrome de Behçet. As dores na boca eram tão agudas que teve cerca de uma dezena de dias a ser alimentado por uma seringa. “Infelizmente não consigo apagar da memória esses momentos”, desabafa. Nesta altura da conversa, o seu corpo começa a tremer; é uma crise de ansiedade que sucede mais de uma dezena de vezes durante a conversa com o repórter de O MIRANTE. “É por isto que preciso de ajuda. Não consigo controlar a minha revolta”, lamenta.
A desordem na cabeça de Nuno Pereira deve-se, sobretudo, à forma como tem sido acompanhado pelos seus médicos. Afirma que sempre se sentiu um boneco, utilizado para realizar experiências: “Uma vez tiraram-me a colchicina da medicação, um medicamento que sou obrigado a tomar todos os dias até morrer. Muitas vezes ia ao hospital desesperado, cheio de dores, e era recebido com um ‘outra vez aqui?’”, conta.
A maior dificuldade para quem sofre uma doença rara é obter um diagnóstico, mas o leque de adversidades também passa pelo acesso a tratamentos específicos e cuidados de saúde física e mental, que habitualmente ficam a cargo dos familiares. Nuno Pereira está reformado por invalidez e recebe cerca de 400 euros por mês. Mais de metade do que recebe é gasto em medicação e combustível em deslocações para o hospital. O restante é para ajudar a pagar as contas da casa e para pôr o pão em cima da mesa, uma vez que os seus pais recebem uma reforma mais baixa do que a sua. “Não me consigo olhar ao espelho porque este não sou eu. Imaginar que vou viver neste sofrimento para o resto da vida é uma dor impossível de descrever”, conta e lamenta em lágrimas.

O que é a Doença de Behçet

Em Portugal a Doença de Behçet (DB) afecta aproximadamente 2,5 em cada 100 mil habitantes. Não existe nenhum teste de diagnóstico, sendo este baseado no julgamento clínico dos médicos. A causa da Doença de Behçet é desconhecida. Segundo a Sociedade Portuguesa de Reumatologia, a tríade clássica da doença inclui úlceras orais e genitais e inflamação ocular, no entanto, os sintomas são diferentes de doente para doente e dependem da região anatómica afectada pela doença. A Turquia é o país do mundo que apresenta o maior número de casos, alcançando até 370 casos por 100 mil habitantes. Foi na Turquia que surgiram os primeiros casos da doença, em 1937, descritos pelo dermatologista turco Hulusi Behçet, que reconheceu o caráter sistémico da síndrome e lhe atribuiu o nome.

À margem

Quando a doença acaba com a dignidade de uma vida

A profissão de jornalista implica, quase sempre, defender causas e pessoas que não têm voz. Sabendo à partida das dificuldades que existem em acompanhar e tratar um doente que sofre de uma doença rara, não pode, nem deve, ser aceitável deixar um homem desamparado a sofrer da angústia e da impotência de não conseguir dar dignidade à sua vida. A conversa com Nuno Pereira durou mais de duas horas porque o desespero e a sua revolta são tão grandes que a maior parte do tempo foi passado a tentar acalmá-lo de maneira a que pudesse contar a sua história. Nuno Pereira falou várias vezes em injustiças e em martírios associados à sua vida e à peregrinação para os hospitais. Trazer aqui a sua história é também uma forma de lhe prestar apoio solidário e, quem sabe, dar alento para que aceite com mais resignação a doença que o traiu.

Behçet é o nome da doença  que deu cabo da vida de Nuno Pereira 

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